BALTASAR ESTAÇO
Padre Baltasar Estaço (1570-16--?) nasceu em Évora e foi cónego da Sé de Viseu. Dedicou-se à poesia e à filosofia escolástica. Por motivos desconhecidos, foi processado pela Inquisição e preso em Julho de 1614. Sabe-se que esteve preso em Coimbra em 1616, onde se tentou suicidar, sendo transferido para Lisboa no ano seguinte. Em 1620 é condenado a prisão perpétua, mais é libertado em 1621 com a condição de não voltar a Viseu. Publicou, a pedido de D. João de Bragança, bispo de Viseu, a obra Sonetos, Éclogas e Outras Rimas (Coimbra, 1604), onde glorifica vários santos e condena as vaidades do mundo num estilo em que ele próprio se propõe dar o exemplo de humildade, mas que é sobretudo feito da exploração teológica dos paradoxos e da coincidentia oppositorum no amor a Deus. Deixou diversas obras manuscritas.
Biografia extraída de
http://alfarrabio.di.uminho.pt/
AO NASCIMENTO DE JESUS
Amor sublime, eterno, incompreensível,
Amor que o torpe amor converte em puro,
Amor que ao duvidoso seguro,
Amor que tudo vê, sendo invisível;
Amor que faz suave ao insofrível,
Amor que mostra claro o que era escuro,
Amor que faz mais brando o que é mais duro,
Amor que facilita ao impossível.
Amor que tudo vence e tudo apura,
O homem com seu Deus pacificando
Quis que este Deus ao homem ajuntasse,
E junto o Criador com a criatura,
Que a criatura em Deus ficasse amando
E Deus nas criaturas sempre amasse.
AMOR QUE TUDO VÊ, SENDO INVISÍVEL
Amor que faz suave ao insofrível,
Amor que mostra claro o que era escuro,
Amor que faz mais brando o que é mais duro,
Amor que facilita ao impossível;
Amor que tudo vence e tudo apura,
O homem com seu Deus pacificando
Quis que este Deus ao homem se ajuntasse,
E junto o Criador com a criatura,
Que a criatura em Deus ficasse amando,
E Deus nas criaturas sempre amasse.
A NOSSA SENHORA AO PÉ DA CRUZ
Por nossa culpa está Virgem sagrada,
Em vossos braços morta a mesma vida,
A luz resplandecente, escurecida,
A glória soberana, atormentada.
Por ela a inocência está culpada,
A saúde geral desfalecida,
A potência suprema destruída,
A majestade está desamparada.
Mas só a piedade em que se cura
A culpa, e que me a mim tanto conforta,
Da culpa não foi morta nem cativa,
A piedade em vós tenho segura,
Pois quando Deus mostrou que estava morta,
Mostrastes vós que estava em vós mais viva.
À MORTE DE CRISTO
Aqui onde venceu a morte à vida,
Aqui vencido tem a vida à morte,
Aqui onde subiu mais alto a morte,
Aqui a fez descer mais baixo a vida.
Aqui onde matou a morte à vida,
Aqui morta deixou a vida à morte,
Aqui onde se viu mais dura a morte,
Aqui também se vê mais forte a vida.
Por que pudésseis dar tão alta vida,
Quisestes padecer tão baixa morte,
Assim que em vossa morte, tenho vida,
Pois sendo vossa a vida, e vossa a morte,
Com vossa vida, compro a doce vida,
Com vossa morte pago a dura morte.
A CRISTO NA CRUZ
O bem que a tantos bens me convidava,
O qual desmereci, vós merecestes
Que a vida que por meu amor perdestes,
A vida me alcançou que eu desejava.
O mal que a tantos males me obrigava,
O qual não satisfiz, satisfizestes,
Que a morte que por meu amor sofrestes,
Da morte me livrou, que eu receava.
A vós Deus amoroso, a vós só amo,
De vós pratico, só, de vós escrevo,
Por vós a vida dou, e a morte quero,
Em vós fogo de amor, em vós me inflamo,
Pois que pago por vós o mal que devo,
E mereço por vós, o bem que espero.
DA SAUDADE DO CÉU
Tão alta glória é, tão deleitosa
Aquela por quem vivo e vou morrendo,
Que a pena que por ela estou sofrendo
Por sua causa só fica gostosa,
E sendo a saudade tão penosa,
No gosto desta pena estou vivendo
E toda a outra glória vou perdendo,
Por sentir esta pena tão saudosa.
Toda a glória na terra é transitória
Mas tem a que é de Deus tal qualidade,
Que a pena de faltar por glória ordena.
Na saudade sinto tanta glória
Que esta gostosa mágoa da saudade
Bastante prémio é de toda a pena.
A UM IRMÃO AUSENTE
Dividiu o amor e a sorte esquiva
em partes o sujeito em que morais;
este corpo tem preso onde faltais,
esta alma onde andais anda cativa.
Contente na prisão, mas pensativa,
porque este mal tão mal remediais,
que vós comigo lá solto vivais,
e eu sem mim e sem vós cá preso viva.
Mas logrei desse bem quanto lograis,
que eu como parte vossa o estou logrando
e sinto quanto gosto andares sentindo;
cá folgo, porque sei que lá folgais,
porque minha alma logra imaginando
o que lograr não pode possuindo.
Página publicada em junho de 2020
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