POESIA SURREALISTA PORTUGUESA
ARTUR DO CRUZEIRO SEIXAS
Cruzeiro Seixas, de nome completo, Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas (Amadora, 3 de Dezembro de 1920) é um "homem que pinta" (a designação de pintor aborrece-o1 ) e poeta português.
Frequentou a Escola António Arroio, onde fez amizade com Mário Cesariny, Marcelino Vespeira, Júlio Pomar e Fernando Azevedo. Em meados da década de 1940 aproxima-se do neorrealismo, de que se afasta quando adere aos princípios do surrealismo. Juntamente com Mário Cesariny , António Maria Lisboa, Carlos Calvet, Pedro Oom e Mário-Henrique Leiria, entre outros, integra o grupo Os Surrealistas, resultante da cisão do recém formado movimento surrealista português. Participa na exposição desse grupo em 1949 (1ª exposição dos Surrealistas, Lisboa).
Em 1950 alista-se na Marinha Mercante e viaja até África, Índia e Ásia. Em 1951 fixa-se em Angola, desenvolvendo atividade no Museu de Luanda. Data desse tempo o início da sua produção poética 3 . Realiza as primeiras exposições individuais, que levantam um acalorado movimento de opinião (a primeira de desenhos sobre a evocação de Aimé Cesaire, em 1953; a segunda principalmente de «objectos» e «colagens», 1957). Regressa a Portugal em 1964. Recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian em 1967. Nesse mesmo ano realiza uma pequena retrospetiva na Galeria Buchholz (com folha volante de Pedro Oom e prefácio de Rui Mário Gonçalves) e expõe na Galeria Divulgação, Porto. Em 1970 expõe individualmente na Galeria de S. Mamede, Lisboa, um conjunto de desenhos "de uma imagética cruel, ilustrações possíveis de Lautréamont".
Trabalha como programador nas Galerias 111 e S. Mamede, Lisboa. Viaja pela Europa; entra em contacto com membros do surrealismo internacional. Radica-se no Algarve na década de 1980, trabalhando como programador de diversas galerias. Colabora em revistas internacionais ligadas ao surrealismo, a que sempre se manteve fiel. O traço certeiro de Cruzeiro Seixas, "de limites apurados e atmosferas de vertigem […] edifica um mundo desolador em que a face onírica e literária não esconde a violência do conjunto, destruindo toda a possibilidade de quietude". Mas essa noite primordial e inquietante "soube coexistir com paisagens mais ligeiras e felizes, como algumas das pintadas nos anos de Angola, e com citações plásticas da história da arte, num jogo de grande prazer plástico, bem como com objetos dotados de flagrante poética, na sua simplicidade de materiais, de técnicas e no sobressalto imaginativo". Fonte: wikipedia
Rosa-chá adormecida numa nuvem
fazia de porta-doida
entre o Vento e o Espaço.
Estendia-se a mão
e havia sempre uma asa disponível
da cor do arco-íris
cega surda e muda.
Recomeçava então o movimento
como um cavalo líquido
como um tapete adormecido nos teus ombros
como uma catedral em forma de torneira gótica
e assoreamento dos sonhos mais macerados.
E o horário periférico
veia-tendão-sangue-derramado
pulsação em forma de borboleta em Espanha
reinventava eternamente
a vida.
Eu vi-o ouvi-o
a juntar todo o azul
antes de termos a idade de países muito antigos
ao luar.
Um doido pendurado de uma árvore
é um tipo que nunca aprenderá.
Mas eram esses que me mantinham a par de tudo
e não serei eu a acusar a neve
de adormecer sobre nós.
Coisas como as madrugadas
ou a fortaleza invadida pelo tempo
ou a mão cercada por todos os garfos desta cidade
olhadas pelos gatos como simples máscaras
nunca passaram incógnitas
por esta infinita galeria de espelhos.
Um olhar furtivo
por certo sabiamente encaixotado
procura-te por toda a parte
e é África que responde por ti
lá do ponto mais perigoso do labirinto
onde nem o Minotauro vem
aquecer com o seu bafo
o teu tiritar convulsivo.
São as tuas pernas que falam
a tua mão os cabelos
o silêncio desferido contra o Nada.
Tudo o que narra o Apocalipse
os que vêm de longe erguer ainda mais uma vez
a arruinada torre sobre o vulcão activo do nosso desejo
em forma de harpa
na outra margem tangida.
Nas extensas praias da foz
cada bago de areia era uma palavra
a que não sabíamos responder.
Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.
Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.
Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.
Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.
Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.
Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.
Página publicada em janeiro de 2014
Cruzeiro_Seixas_1_Estudo_para_futuros_encontros_1954.jpg (500 × 434 pixels, tamanho: 116 kB, tipo MIME: image/jpeg)
MEYA PONTE. REVISTA QUADRIMESTRAL DE LITERATURA. No. 16 Editor: Arnaldo Sarty. Pirenópolis, Goiás: 2003. 162 p. 16 x 22,5 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
As mãos escrevem nas pálpebras
As mãos escrevem nas pálpebras
a palavra astro
neste fim de tarde solitário.
A morte é a mais lúbrica das criaturas
e vem e vai
e pendura nas paredes
mil e uma fórmulas secretas
em que são iguais as quantidades da realidade
e do que a ela se opõe.
O Vento está visivelmente cansado
arranhou-se num espinheiro
e corre-lhe pelo peito quente
um fio de sangue.
Qualquer coisa como música
advém do seu silêncio
e o olhar é uma ponte nitidíssima
entre duas realidades que não há.
*
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Página publicada em janeiro de 2023
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