POESIA SEMPRE. Revista da Biblioteca Nacional do RJ. Ano 1 – Número 2 – Julho 1993. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro. ISSN 0104-0626m Ex. bibl. Antonio Miranda
Aura
Eu daqui nada vejo, mas sei, um homem sobe.
Pressenti um motor entre gritos apitos.
Tacteei uma sombra entre o fumo de bombas.
Uma brisa indecisa, este bafo abafado.
Eu próprio quis subir, como quem soube, sobe.
Como o que só repousa no dorso do que ousa,
quis subir (quis fugir), a escada quebrada,
a cera derretera, o foguetão, papelão.
Nos pés tão pesados sapatos tão presos a
esta terra terrível comitrágico planeta
cada vez menor para a BOMBA
cada vez maior.
A mim não me foi dada a aura das viagens
por virgens paisagens, ex-lácteas galáxias.
Não quis Deus conceder-me, ou eu não o mereci,
pôr o pé nas crateras fantásticas de outras eras.
Meus pobres conterrâneos não podiam ensinar-me
no seu velho dialecto esse novo alfabeto.
Cheguei cedo demais? Não sei, não cheguei
ao planalto central onde a festa total.
A mim não me foi dado ver um homem subindo.
Já não digo portanto subir com esse homem.
Mas quem quer que ele seja, onde quer que ele esteja,
eu daqui nada vejo, eu me alegro por ele,
eu me alegro contigo, e lhe digo, meu amigo.
Vou de novo à varanda, alguns gritos: soluços?
Sob o fumo comum, empurram-se, talvez,
americanos, russos. O dia vai morrer
e eu aqui, de bruços, — que vi eu, que sei eu.
Só sei: um homem sobe. E de o saber subindo
eu já subo também, se bem que nada veja.