ANTÓNIO SILVA GRAÇA
António Silva Graça nasceu em Moçambique em 1937. Veio para Lisboa aos dezoito anos ingressando na Faculdade de Medicina. Nos anos sessenta participou, no movimento associativo. Concluída a licenciatura viu-se impossibilitado de seguir a carreira hospitalar ou universitária por razões políticas.
Em 1966 entrou como investigador para o Instituto Gulbenkian de Ciência, que acabara de ser criado. Foi galardoado com o 1° Prémio Pfizer. Após um estágio na Alemanha começou a preparar a tese de doutoramento que interrompeu a 25 de abril. Suspendeu então a actividade de investigador, ocupando diversos cargos públicos como Secretário de Estado da Juventude e Desportos, vereador de Lisboa e deputado. Abandonou a vida política activa em 1985. Regressou ao Instituto Gulbenkian de Ciência, tornando-se também assessor da Associação Protectora de Diabéticos de Portugal.
Faleceu em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, às primeiras horas do dia 18 de Novembro de 2019.
GRAÇA, António Silva. Invenção da sombra. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 1989. 60 p. Col. A.M.
INVENÇÃO NA SOMBRA
Como posso definir-te?
Uma luz lógica
transforma o teu limiie
numa fronteira inútil.
Só uma ciência incerta
é capaz de descobrir-te.
De morder o teu perfil.
De possuir-te inteira.
O rigor desta ciência
enche-me de conceitos.
De preconceitos cegos.
Ao tocar-te, perco-te.
Depois, invento-te na sombra.
CONFISSÃO
Eu sou o inimigo.
Alisei a pele
rugosa de um instante.
Escondi-me nele.
Dotado de um instinto hostil
aliciei o verbo. Dei-lhe
formas, versos, metáforas
de porte duvidoso.
Confesso. Admito que
a lisura é bem pior. Que
o destino de uma sombra é
denso. Confesso tudo. E assino.
FUSÃO DAS LITURGIAS
Fusão física de cores
que recolho em fios de luz.
Luz suspensa na noite,
instante caído de uma pétala.
Leio as nuvens e reparo
que o léxico celeste confere
uma vontade sólida.
Na solidez deste dia
vou separando as águas da minha mitologia
das outras que retornam, serenas.
As horas são agora
modelos equilibrados
da organização do tempo.
E os dias,
revoltas de uma qualidade sóbria.
A luz deixou de ser de bronze
para ser um fio dolente
iluminando com minúcia cada hora.
No cadinho liso do silêncio
fundo liturgias.
Página publicada em outubro de 2013
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