ANTÓNIO SALVADO
Poeta português, natural de Castelo Branco. Depois de terminar os estudos secundários, partiu para Lisboa onde se licenciou na Faculdade de Letras em Filologia Românica. Em Coimbra e em Paris freqüentou posteriormente outros cursos superiores, relacionados com as atividades que desempenha, desde há alguns anos, como Diretor do Museu Tavares Proença Júnior.
Além de museólogo e de poeta, tem-se dedicado a outras tarefas culturais, tais como a tradução, o ensaio, o ensino e a direção de publicações.
Está traduzido para francês, inglês, italiano e castelhano.
Em 1980, ganhou o Prêmio Fernando Chinaglia/Personalidade Cultural, da União Brasileira de escritores, e em 1986 foi galardoado com a Medalha de Mérito da Universidade Pontifícia de Salamanca.
Fonte: www.astormentas.com/
Obra poética: A Flor e a Noite (1955), Recôndito (1959), Na Margem das Horas, (1960), Narciso (1961), Difícil Passagem (1962), Cicatriz (1965), Tropos (1969), Jardim do Paço (1971), Estranha Condição (1977), Interior à Luz (1982), Antologia (1955-1971) (1985), Face Atlântica (1986), Amada Vida (1987), Descodificações (1988), Matéria de Inquietação. E as obras que serviram de base para a presente seleção: Interior à Luz (nova edição, 1995), e A Plana Luz do Dia (1999);
Rochas, 2003; Entre Pedras, o Verde, 2004; Palavras Perdudas seguido de Oito Encómios, 2004; Modulações, 2005; Recapitulação, 2005; Quase Pautas, 2005; Ao Fundo da Página, 2007; Afloramentos, 2007
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
SALVADO, António. Auras do Egeu. Lisboa: Folio Exemplar, 2011. 57 p.
TODO O TEMPO...
Todo o tempo é sagrado:
embora no verão
o sol requeime tanto
que o corpo esquece a alma;
embora no outono
do rosto a palidez
augure e urda sombras
dum súbito sofrer;
embora no inverno
a neve a tempestade
até aos ossos gelem
desígnios ou vontades;
na calma primavera:
tudo em cores germina
e solícita a terra
o porvir adivinha.
SALVADO, António. Repor a luz. Lisboa: Folio Exemplar, 2011. 85 p.
FITO RAÍZES SECAS...
Fito raízes secas
torreadas de grãos
que o seu alor perderam,
se deram fruto ou não,
litúrgicas ali
como responso fúnebre,
requebradas torcidas
disformes uma a uma,
no seu mutismo estranho
da já seiva perdida
(que dela refruiram),
no seu vulto enleante
porque os olhos me ferem?
Porque fazem tremer
meu coração sem fé
que o faça reviver-se?
Porque tanto me atraem
inteiramente esquálidas
como se nelas fosse
algo ainda não morto?
De Antonio Salvado / Kousei Takenaka
OTOÑO / OUTONO
Traducción española de A. P. Alencart y japoensa de An Oshiro
Madrid: Editorial Verban, Trilce Editores, 2009
Colección “Los Confines” / 2
ISBN 978-84-7962-471-2
Edição trilingue português, espanhol e japonês
Outono. Como restam
ainda nesta árvore
as verdes ilusões?
Otoño. ¿ Qué verdes
ilusiones quedan aún
en este árbol?
***
A paz no pensamento.
A paz no coração.
O chilreio das aves.
La paz en el pensamiento.
La paz en el corazón.
El gorjear de las aves.
***
“Adeus a juventude”
diz a rosa fagueira
que vai perdendo as pétalas.
“Adiós la juventud”
dice la suave rosa
que va perdiendo los pétalos.
(Extraídos de exemplar gentilmente enviado pelo autor ao nosso Portal.)
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ANOS SE LEVA
Anos se leva a descobrir a pátria:
a terra onde existir p´ra sempre a salvo,
o barro que há-de modelar a alma,
a língua a ser sabida a ser falada.
E que os rios e serras e que mares
e que cidades grandes ou lugares,
que plantas animais vão habitar
essas paisagens virgens a brotarem.
Porque o amor — uma conquista lenta —
precisa de passado e de presente
quando constrói os elos do futuro;
que a pátria seja em ânsia toda a gente —
de mãos nas mãos e olhos indif´erentes
a quem não queira partilhar o fruto.
ARDE NO FOGO
Arde no fogo a liquidez do ser,
o multicor segredo das origens:
parcelas abrasadas construídas,
harmonia gritante de pureza,
o caos ganhando a forma diluída
da chama desfolhada em labaredas
e encontros
desencontros nos ardidos
veios das veias a flagrar ilesos.
Desolação?
O Espírito renova
fecundamente o grito do silêncio
como um rio — surpreso — entre montanhas;
sacral marida o lume a luz reflora
e modela a vibrar sonoro e lento
à beira do abismo a tez da esp´rança.
EXILADO
Exilado por vezes bato à porta
do meu desterro: uma total mudez
configura nas frinchas a resposta —
a fechadura sem rodar imóvel,
extática a madeira sem ranger.
Torno a bater e doem já os ossos
da mão direita mas ainda ilesos
até que um som ligeiro se descobre
naquela névoa do silêncio e corre
obedecendo a súplice desejo.
Entrei — aberta a porta —: um rosto ameno
serenou-me nas chagas desalentos.
Depois finalizada a luz do dia
fez rechinar a porta
e eu saí.
De A Plana Luz do Dia. Coimbra: A Mar Arte, 1999.
ELEMENTOS PARA UMA MARINHA
Montam seus olhos em velozes potros
e percorrem — perdidas — as areias.
Do mar se evola apaixonada o vôo
ao âmago do cio: são as eiras
das águas onde a espiga deixa o grão
e as ondas arrepio do desejo.
Uma gaivota cruza em desafio
a superfície do calor disperso.
E elas mais ágeis em sorrir aberto
rolam conchas e búzios pelo dedos:
recolhem entre o corpo algas viscosas
e a sua boca é sal, é mar, é sol.
SURDINA
É num rosto promessa: no rubor
das videiras e bagos de romã,
embarco marinheiro sem temor
indício mensageiro da manhã.
Em fogo seco as lágrimas vertidas
na tua face rubra de pureza.
E alveja num regresso de infinito
O teu rosto no meu: canção desejo.
Extraídos de INTERIOR À LUZ. Coimbra: A Mar Arte, 1995
NAVEGAÇÃO
Ondas de vento assolam o batel,
fustigantes como agres sobressaltos —
estremece no mastro a panda vela
e ele singra sem rota pelo mar.
Para quê reforçar um fresco alento,
outra coragem que lhe entregue alor,
se cada vez mais forte batem ventos
e as vagas o tragando quase todo?
Há um farol aceso pela costa
recortada em aléns de densa névoa?
Um porto onde ancorar tranqüilo e certo,
dissipando negror à sua volta?
QUEIMOR
Gozaram o prazer da união:
os corpos encontrados totalmente,
o esforço do suor os ligou tanto
que perdiam contornos juntos sempre.
Não tinha dimensão aquela posse
arfada de contínuo harta sem trégua
que para ser intemporal completa
apenas He faltava o az da morte.
Mas sucumbiram ao queimor do cárcere
sem porta que se abrisse devagar
e tolhidos na rede do cansaço
separados os corpos deslembraram-se.
De Afloramentos, 2007
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TEXTOS EN ESPAÑOL
LOS DOMINIOS DE LA MIRADA
Antología y homenaje al poeta português António Salvado
Edición y traducción de Alfredo Pérez Alencart
(Centro de Estudios Ibéricos y Americanos de Salamanca, 2000)
A seguir, dos poemas de la obra:
DAS CODIFICAÇÕES
(1987)
[LA VIBRACIÓN...]
La vibración tan sólida de la luz
En las trayectorias donde el pensamiento
termina veloz dentro del vacío
Un día vivirá en su muerte
como la flor en la corola permanece
un día será voz en la súplica muerta
Sideralmente acordan los acordes
como si la noche eterna se dividiese
y por ella pasara un grito agudo.
O GOSTO DE ESCREVER
(1997)
ENIGMA
Rememoro las ausencias que no tuve
cuando el amor a ellas obligaba:
fueron muchas llegadas sin partida
o partidas sin hora de llegada.
De tren avíon o de navío
cuántas estaciones y cuántos muelles de embarque
cuántos aeropuertos: un desfile
de billetes comprados y viajes.
Extraña comunión: amor / ausencia
hermanaban em esa misma presencia
como si al dolor se aproximasen las alegrias.
No sé por qué las razones de tantas fugas:
llevo las manos a mi rostro, cuento arrugas,
pero no recuerdo ahor el qué sería.
Página publicada em janeiro de 2008, a partir de dois títulos do poeta doados pelo poeta Aricy Curvello para a Biblioteca Nacional de Brasília. (Obras dedicadas e autografas pelo autor.)
SALVADO, António. Afloramentos. Castelo Branco, Portugal: Estudos , s.d. ISBN 978-972-99768-2-7 Ex. bib. Antonio Miranda
AGASALHO
Alegria fecunda na concórdia
entre a manhã desperta e os primeiros
balbuciantes raios a cair do sol
e das aves e flores os gorjeios!
Abrem-se as ruas porque se despede
a noite e os passos ferem a calçada;
de sereno e bulício mais próspera
e são muitas as vozes misturadas.
Os meus olhos d´insónia tão moídos
declinam lentamente tantos nomes,
conjugam verbos de quaisquer sentidos:
capazes de banir restos de sombras.
O rosto reclinado na secura
do dia de ontem, sorvo a calidez
— como dádiva rara de surpresa —
desta manhã que para mim fulgura.
ANIMA
De pé firma no frêmito da luta,
sem fraquejar no auge da batalha,
recorro audaz a todos os recursos
que o meu ânimo dá ao meu cansaço.
Por qualquer parte o sangue s´esvaiu
misturado com choros e com gritos
e o céu de chumbo como um calafrio
tudo cobre de rúbido tecido
Roendo a terra os lábios sequiosos,
semi-adormecido no fragor
da metralha que fere os próprios ossos,
vou despertar atoar à minha força.’
DIVISÓRIA
Em duas partes se divide o tempo,
aquele que nos cerca até ao fim:
uma s´escorres tão rapidamente
em breves alegrias que abanicam,
em prazer leve que mal foi sentido
como gozo a ferver mal divisado;
a outra deixa de contar os dias
e guarda sempre o mesmo aréu lugar,
é feita de suor e labaredas,
de cruel lentidão e permanência.
Que amarga divisória que orla o tempo
na balança pesado sem fiel!
RECOLHIMENTO
Intervindo, o clamor como estampido
mancha o verdor do verbo enunciado
e à minha volta grita a disforia
de mil vozes que negam a minh´alma.
se levanto bem alto o manso rosto
repassado do riso e da ternura,
ao meu redor há uma silêncio posto
da dureza de olhares que perduram.
É o pensamento o coração encolhem
todo o fervor que os fez rejubilar:
inútil por agir e então apago-me.
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