ANTÓNIO NOBRE
(1867-1900)
António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 — Foz do Douro, 18 de Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, Só (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 33 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.
Fonte:Wikipedia
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
SONETO
Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.
Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!
Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!
Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.
Belos Ares, 1889.
VOU SOBRE O OCEANO
Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!
Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!
Teu coração dentro do meu descansa,
Teu coração, desde que lá entro:
E tem tão bom dormir essa criança!
Deitou-se, ali caiu, ali ficou.
Dorme, menino! dorme, dorme, dorme!
O que te importa o que no mundo vai?
Ao acordares desse sono enorme,
Tu julgarás que se passou num ai.
Dorme, criança! dorme sossegada
Teus sonhos brancos ainda por abrir:
Depois a morte não te custa nada,
Porque a ela habituaste-te a dormir...
Dorme, meu anjo! (a noite é tão comprida!)
Que doces sonhos tu não hás-de ter!
Depois, com o hábito de os ter na vida,
Continuarás depois de falecer...
Dorme, meu filho! Cheio de sossego,
Esquece-te de tudo e até de mim!
Depois... de olhos fechados, és um cego,
Tu nada vês, meu filho! e antes assim...
Dorme os teus sonhos, dorme, e não mos digas,
Dorme, filhinho, dorme «ó-ó...»
Dorme, minha alma canta-te cantigas,
Que ela é velhinha como a tua avó!
Nenhuma ama tem um pequenino
Tão bom, tão meigo; que feliz eu sou!
E tem tão bom dormir esse menino...
Deitou-se, ali caiu, ali ficou.
Vou sobre o oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de glória, em plena paz.
Terras da Pátria somem-se na treva
Águas de Portugal ficam, atrás.
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catarineta, adeus!
Paquete, meu paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!
Oceano Atlântico, 1890
ELEGIA
Ó virgens que passais, ao sol poente,
Pelas estradas ermas, a cantar:
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me recorde as afeições do lar.
Cantai-me, n´essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
Cantai, cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desenterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer n- um sonho como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me n´essa voz... Cantai!
O MEU CONDADO
No campo azul da alada fantasia
Edifiquei outr´ora, por meu mal,
Castelos de oiro, esmalte e pedraria,
Torres de lápis-lázuli e coral.
N´uma extensão de léguas, não havia
Quem possuísse outro domínio igual:
Tão belo, assim tão belo, parecia
O território de um senhor feudal...
Um dia (não sei quando, nem dei d´onde),
Um vento agreste de indiferença e spleen
Lançou por terra, ao pó que tudo esconde,
O meu condado — o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso conde,
N´aquela idade em que se é conde assim...
SÉ DE PEDRA
Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, à noite, se faz sol a luz cheia...
No entanto, pelo arame que as tonteia,
Quanta tortura vai, n´uma ânsia alada!
O ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vezes, d´além-mar anseia:
—Revolução — Inútil. — Cem feridos,
Setenta mortos. — Beijo9-te! — Perdidos!
—Enfim, feliz! —! — Desesperado. — Vem!
E as lindas aves, bem se importam elas!
Continuam cantando, tagarelas:
Assim, António, deves ser também.
DOIS POEMAS BRASILEIROS DEDICADOS A ANTÓNIO NOBRE
A ANTÓNIO NOBRE
Petrópolis, 3-2-1916
TU QUE PENASTE tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto fez correr o pranto:
Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino !
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e deejando tanto ...
Mas tu dormiste em paz como as crianças,
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca ... O lindo som !
Quem me dará o beijo que cobiço ?
Foste conde aos vinte anos ... Eu, nem isso ...
Eu, não terei a Glória ... nem fui bom.
Manuel Bandeira
( A Cinza das Horas, 1917)
۞ ۞ ۞
POR QUE A GRANDEZA É DOR ?
A António Nobre
Caía a noite. Tu ias fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No firmamento português :
E ela traçava-te o teu fado:
"Serás Poeta e serás desgraçado."
Assim se disse, assim se fez.
Mas tudo passa neste Mundo transitório.
E tudo passa e tudo fica. A vida é assim
E sê-lo-á sempre pelos séculos sem fim.
Vejo o relógio na parede como outrora
(Mas o ponteiro marca ainda a mesma hora.)
Ainda lá estão os cravos, no jardim
(Mas já não são as mesmas notas de clarim.)
As andorinhas ainda têm o mesmo fito
(Mas já fizeram cem jornadas ao Egito.)
Nojo de tudo, horror. Trazias sempre luvas
(Na aldeia, sim) para pegar num cacho d'uvas,
Ou numa flor. Por causa das mãos ... Perdoai-o,
aldeões, sabia que vós sois puros. Desculpai-o.
Ainda lá está o figueiral com figos
(Mas não a tua mão a dá-los aos mendigos...)
Paisagens, onde estais ? Ó luar, águas profundas,
Ó choupos, à tarde, altivos mas corcundas,
Tal como aspirações irrealizáveis, ai,
No livro mais triste que há em Portugal.
Aricy Curvello
(Serra,Brasil, 2000)
{In revista Anto n. 7, Amarante (Port.), primavera de 2000, pp. 175-176, na passagem do 1º centenário de falecimento do poeta, lembrado em sua região natal.
Revista subsidiada pela Câmara do Concelho de Amarante e pelo Ministério da Cultura e das Bibliotecas de Portugal.}
MONTEIRO, Adolfo Casais. A Poesia da "Presença" Estudo e antologia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1959. 364 p. (Coleção "Letras e Artes") 18x25 cm Impresso pelo Departamento de Imprensa Nacional. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poemas "inéditos" do poeta recolhidos de um dos cadernos do poeta:
*
Bebia, a rir, num "cabaret"
Súbito, leio um telegrama
"Pronunciamento Portugal"— Só duas
palavras, arr, e tantas no vocabulário
Saio. Nervoso, vou por essas ruas
O Paris doido passa a rir. Abjeto!
Volto-me para o Céu, mas nadas: as ruas
Olham-me brancas, no seu ar correto!
Vento que sopras do sudoeste, fala!
Que é isso que há num país ao pé do mar,
Que irá a esta hora pela minha terra?
Que é do meu Pai? Horrível! Vou rezar...
(1 de Fevereiro – 3 da madrugada) Paris, 1891
A MINHA TORRE
Moro n'uma alta, n'uma velha Torre
Mais do que velha, milenária, até:
Pelos seus muros verde suor escorre
Porque há mil anos que ela está de pé
Georges, entra e vê: o sol que entre os choupos morre
e a velha Coimbra anoitecendo, vê!
PARA AS RAPARIGAS
Canções de sol! Canções vermelhas
Abrí as asas deslumbrantes:
Pousai em bando, como abelhas
Sobre os violões dos estudantes.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Roldolfo Alonso
ELEGÍA
Vírgenes que pasais, al sol poniente,
Por los caminos yermos, a cantar:
Yo quiero oír una canción ardiente
Que me recuerde el cariñoso hogar.
ίCantadme, en esa voz omnipotente,
El sol que cae, aureolando el mar,
La abunancia de la mies reluciente,
La gracia, el vino, el donaire, la luz!
ίCantad, cantad límpidas niñas!
De mi ruinoso hogar desenterrad
Todas esas antiguas ilusiones
Que vi morir em sueño como un ay...
Oh suaves y frescas muchachitas,
Adormecedme en esa voz... ίCantad!
MI CONDADO
En campo azul de alada fantasia
Antaño edifiqué, para mi mal,
Castillos de oro, esmalte y pedrería.
Torres de lapizlázuli y coral.
En extensión de léguas, no había
Quien poseyera otro dominio igual:
Tan bello, así tan bello, parecía,
El territorio de un señor feudal…
Un día (no sé cuando, ni sé donde),
Um viento agreste de indiferencia y spleen
Lo echó por tierra, que el polvo todo esconde,
A mi condado —ίmi condado, si!
Porque ya fuí un poderoso conde,
En esa edad en que se es conde así...
ίSÉ DE PIEDRA!
¿Nunca te diste cuenta? Por la aldeã,
Sobre los cables del telégrafo,
Cantan as aves, desde que nace el sol,
Y, a noche, es sol la luna llena...
ίMientras, por el alambre en que se balancean,
Cuánta tortura va, en un ansia alada!
El Ministro que apuesta una jugada,
Alma que, a veces, de ultramar ansía:
—Revolución! —Inútil. — Cien heridos,
Setenta muertos. — ίUn beso! — ίPerdidos!
—ίPor fin, feliz! — ¿ —Desesperado. — ίVen!
Y a las bellas aves, ίqué les importa!
Continúan cantando, parlachinas:
Así, ίAntonio! debes ser también.
Textos extraídos de la obra POETAS PORTUGUESES Y BRASILEÑOS - DE LOS SIMBOLISTAS A LOS MODERNISTAS; organización y estúdio introductorio: José Augusto Seabra. Buenos Aires: Instituto Camões; Editora Thesaurus, 2002. 472 p. ISBN 85-7062-323-2
Agradecemos ao Instituto Camões a autorização para a publicação dos textos, em parceria visando a divulgação da literatura de língua portuguesa em formato bilíngüe na web.
Página publicada em abril de 2008. Ampliada e republicada em novembro de 2002
|