ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA
(Viana do Castelo, 24 de Janeiro de 1923) é um encenador, tradutor, poeta, dramaturgo e ensaísta português.
Recebe, muito novo, como herança do avô, o Teatro Sá de Miranda (Viana do Castelo). Em 1948, publica o primeiro livro de poemas O Avestruz Lírico. Entre 1949 e 1951, dirige a revista infanto-juvenil Camarada. Foi empresário e director do Teatro do Gerifalto, companhia onde se estrearam nomes como Rui Mendes ou Morais e Castro. Esteve sempre ligado a companhias de teatro para a infância. Entre 1950 e 1960 dirigiu a publicação de várias revistas literárias e de cultura, tais como os cadernos de poesia Graal, Távola Redonda e Tempo Presente. Encenou e dirigiu as companhias de ópera do Teatro Nacional de São Carlos, do Círculo Portuense de Ópera e da Companhia Portuguesa de Ópera. Viveu dois anos em Macau, entre 1986 e 1988, onde foi docente do Instituto Cultural.
Actualmente vive na Casa do Artista e continua a escrever e a publicar. Tem mais de uma centena de livros publicados e a sua poesia está traduzida em francês, inglês, espanhol e chinês.
Foi condecorado com a Banda da Cruz de Mérito, Grão Cruz da Falange Galega, o Grande Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique e a medalha de Mérito Cultural da Cidade de Viana do Castelo.
Fonte: wikipedia
O AVESTRUZ LÍRICO
Avestruz:
O sarcasmo de duas asas breves
(Ânsia frustrada de espaço e luz,
De coisas frágeis, líricas, leves);
Patas afeitas ao chão;
Voar? Até onde o pescoço dá.
Bicho sem classificação:
Nem cá, nem lá.
Isto sou (Dói-me a ironia
- Pudor nem eu sei de quê).
Daí a absurda fantasia
De me esconder na poesia,
Por crer que ninguém a lê.
(O avestruz lírico)
HERÓI ANÓNIMO
Concerta a rede da faina,
Como quem tece uma vida,
Ora agreste, ora florida,
Se o mar se encrespa ou se amaina.
Homem da minha Ribeira,
Busca o pão , dia após dia,
Ao Sol quente, à noite fria,
A bordo de uma traineira.
Vida rude! Nunca a deixe.
Sem ele, que é dele, o peixe?
Que é de nós? Miséria e fome.
Vendo-o a lidar, sem cansaço,
Louvo-o nos versos que faço.
... E nem sequer sei seu nome!
(prefiro pátria às rosas)
No Farol da Guia
Pedi ao Farol da Guia,
Pra que a nau não naufragasse
Na noite que fôr o dia,
Que fosse luz e a guiasse.
E pedi mais:
Que baloiçasse no ar
Os sinais
Do tufão que vai chegar,
Pra que ao abrigo do cais
A nau achasse lugar.
E o primeiro farol
De aviso à navegação
No mundo onde nasce o Sol,
Não me disse sim nem não.
Mas a âncora ancorada,
Como fanal de bonança,
Entre os muros da esplanada,
Disse, sem me dizer nada:
- Tem esperança!
Camões
"Em que ano subi esta colina,
Repousei nesta gruta e respirei
Brandas auras? Da pátria e do meu rei,
Aqui, sublime, sublimei a sina?
Que fama do meu vulto peregrina
Na voz destas paragens, e da lei
Da morte me liberta? Onde enlacei
A amizade do jau e o amor de Dina?
Deixei sinais na areia, no arvoredo?
Quem me ocultou de mim como um segredo?
—Até o longínquo China navegou…
Aqui cheguei? Daqui parti? E quando?
Quem salvou do naufrágio miserando
Aquele que não sei se fui, mas sou?"
[4 Poetas em Macau]
LÍRICAS PORTUGUESAS. II Volume. Seleção e apresentação de Jorge de Sena. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1983. 448 p. 13,5x20 cm.
O POETA E O MUNDO
Podem pedir-me, em vão,
Poemas sociais,
Amor de irmão pra irmão
E outras coisas mais:
Falo de mim — só falo
Daquilo que conheço.
O resto... calo
E esqueço.
(De O Avestruz lírico)
CLIMA ERÓTICO
O espírito ignorado. A lei adversa.
Como um refúgio Vénus se ilumina.
O fausto sensual, a pluma persa
Sobre o turbante e a entrelaçada crina.
Flutua um corpo na manhã. Despido,
Rodeiam-no bandeiras, leques, lenços.
As carnações redondas de Cupido
Balançam entre sexos suspensos.
A seta de uma unha fere a coxa:
Nasceu a divindade. Ninguém crê.
(Cânticos, oiros, bela umbela roxa
E o nó-corrido que já é mercê.)
Vaivém do vento na viril vertigem.
Dois lábios, dois anzóis, um leme, um limo.
Pegadas fundas: Range a areia virgem.
Na noite alta, a espuma atinge o cimo.
Lá vai a rosa aos sorvos da maré.
Toldam os toldos o ansiar do sol.
(E aguardo, ainda, uma explosão de fé!
E segue o verso, repetido o mol´!
Cor sem magia. Nervos alertados.
As horas marcam juventude. O céu
Avisa, em vão, os míticos pecados.
Este sou eu? Fui eu! Onde estou eu?
(De A Rosa Sibilina)
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA - Ano VIII no. 10.
Diretor: José Jézer de Oliveira. Brasília – São Paulo – Olinda:
Novembro 1984. 92 p. 15,5 x 23 cm.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
CANTAR ALTO
Para a Eugênia Aurora
Por que não voltas
A ser o lírico que eras?
Menino amargo sem revoltas,
Amarfanhado de pudores e esperas?
Por quê, agora, em derredor,
A pátria como pranto
E um sopro de amor e de pavor
A inflar de distância as velas do teu canto?
Por quê, o incômodo discurso
A quem te leu com simpatia
E te classificou e rotulou o curso
Deste rio anterior, interior, de poesia?
Por quê, tecer, com novas malhas,
Um tecido puído e velho?
— Porque a minh´alma é feita de batalhas
E venci-me de ver-me reflectido no espelho.
Porque quero morrer de glória e adulto,
De costas para mim, mas frente à própria voz.
E ficar insepulto
Enquanto a terra que me foi não é de todos nós.
Porque sei que esta mão que me folheia
Quer descender do sonho e da vontade,
Sentir vibrara um verso em cada veia
Que lhe devolva o orgulho e a mocidade
De oito séculos de idade.
(26/2/83)
POSTAIS DE MADEIRA
1. VISTA GERAL DA ILHA
Jorra da terra o impudor das água
Para estreitas estradas coleantes
Que, tentadas pelo abismo azul do mar
Se abraçam à venturas das montanhas.
Aqui o hibisco sensual, vermelho.
Além, a orquídea, a esterlícia, a acácia,
Acenos tropicais da bananeira,
Canas de açúcar adoçando o espaço.
Cimos de neve e espuma de onda morna,
Vergam-se vimes. Na videira, os bagos
São já licor bebido no aroma.
E em noite límpida de estrelas descem,
Salpicando de lumes latejantes,
A prolongar o céu pelas vertentes.
(11/11/83)
2. RETRATO DE ANTÔNIO NOBRE
A memória lírica descobre
Perto de Boliqueme, entre vinhedos,
Uma casita pobre.
Nela, reza um soneto Antônio Nobre,
Sílaba a sílaba, a correr-lhe os dedos.
A nova santa chama-se Constança
E a filha da Condessa de Cascais.
No Trapiche descansa
Com a mesma doença sem esperança
Que sabra com as folhas outonais.
Sentado na cadeira
De vime vigoroso e delicado,
Com que bordam os homens da Madeira,
Compõe, de uma elegante e varonil maneira,
O corpo magro e alquebrado.
Cobre-o de sombras sum chapéu de palha
Olhos mais negros e maiores. Barba completa.
Já não há, em redor, um ar bom que lhe valha,
Já está corando ao Sol o linho de mortalha,
Já dizem bem do poeta.
(16/11/83)
3. O LAZARETO DO FUNCHAL
Detrás da degradante grade,
Do Lazareto do Funchal,
Olha meu pai o mar e a liberdade,
Culpado de servir El-Rei de Portugal.
Cai-me no coração
Uma lágrima e queima-o de revolta.
Sou eu quem lhe concede a absolvição
E o solta.
Sou eu, eu que nasci quatro anos depois,
A vibrar como um sino no ardor do rebate,
Quem vem busca-lo entre os heróis.
E aqui vamos os dois
Para novo combate.
(20.11.83)
PARA QUEM ÉS
Nunca temas a morte nos teus braços,
Nem além, numa curva do caminho:
Come o teu pão em paz, bebe o teu vinho,
Sem medires a distância dos seus passos.
Ela virá quando quiseres, consciente.
Prá quê, de noite, a lâmpada em vigília?
Aquece o teu amor entre a família,
Nada perturba um coração que sente.
Podes tecer projectos dia a dia,
Que mal faz? Cada sonho te pertence.
A morte não te espia nem te vence
Se irrompe no teu verbo, dura e fria.
A morte não é tua. É do teu mundo
A roa breve em vez do ser profundo.
(16/9/83)
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Página ampliada e publicada em fevereiro de 2023
Página publicada em março de 2009; ampliada em agosto de 2016 |