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 ANTERO DE QUENTAL(1842-1891)
 
 Antero Tarquínio de  Quental nasceu em Ponta   Delgada, no dia 18 de Abril de 1842. Desenvolveu uma intensa  actividade no campo da escrita, da política e da produção de ideias. 
                          
                            Foi um verdadeiro líder intelectual do Realismo em  Portugal.  Dotado de uma  personalidade complexa, sofreu as oscilações de um carácter rico com uma  expressão evidente na sua obra poética.  Com efeito, Quental desenvolveu uma actividade intervencionista que se traduziu  numa intensa actividade  crítica. O poeta  filósofo acreditava no progresso social que só poderia ser uma realidade com a  implantação do socialismo.  A par do seu lado combativo, Antero é um homem que na sua ânsia de infinitude,  procura através da filosofia descobrir os mistérios existenciais.  Fonte: www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/quental     Antero de Quental, durante uma  depressão sem uma causa explícita,  se  suicida no dia 11 de setembro de 1891, em Ponta Delgada, Portugal. Obra poética: Odes  Modernas (1885); Primaveras Românticas (1872); Raios da Extinta  Luz (1892); Sonetos  Completos (1886)   TEXTOS EM  PORTUGUÊS  / TEXTOS EN ESPAÑOL   A  M. C.    No Céu, se existe um céu para quem chora,  Céu para as mágoas de quem sofre tanto ...  Se é lá do amor o foco, puro e santo,  Chama que brilha, mas que não devora ...    No Céu, se uma alma nesse espaço mora,  Que a prece escuta e enxuga o nosso pranto ...  Se há pai, que estenda sobre nós o manto  Do amor piedoso ... que eu não sinto agora ...   No Céu, ó virgem! findarão meus males:  Hei-de lá renascer, eu que pareço  Aqui ter só nascido para dores.    Ali, ó lírio dos celestes vales!  Tendo seu fim, terão o seu começo,  Para não mais findar, nossos amores.     IDILIO    Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,  Colher nos vales lírios e boninas,  E galgamos dum fôlego as colinas  Dos rocios da noite inda orvalhadas;    Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,  Contemplamos as nuvens vespertinas,  Que parecem fantásticas ruínas,  Ao longe, no horizonte, amontoadas:    Quantas vezes, de súbito, emudeces!  Não sei que luz no teu olhar flutua;  Sinto tremer-te a mão, e empalideces ...   O vento e o mar murmuram orações,  E a poesia das coisas se insinua  Lenta e amorosa em nossos corações.      ESPECTROS    Espectros que velais, enquanto a custo  Adormeço um momento, e que, inclinados  Sobre os meus sonos curtos e cansados,  Me encheis as noites de agonia e susto!    De que me vale a mim ser puro e justo,  E entre combates sempre renovados  Disputar dia a dia à mão dos Fados  Uma parcela do saber augusto,    Se a minha alma há-de ver, sobre si fitos,  Sempre esses olhos trágicos, malditos!  Se até dormindo, com angústia imensa,    Bem os sinto verter sobre o meu leito,  Uma a uma verter sobre o meu peito  As lágrimas geladas da descrença!      O QUE DIZ A MORTE    «Deixai-os vir a mim, os que lidaram;  Deixai-os vir a mim, os que padecem;  E os que cheios da mágoa e tédio encaram  As próprias obras vãs, de que escarnecem ...    Em mim, os Sofrimentos que não saram,  Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.  As torrentes da Dor, que nunca param,  Como num mar, em mim desaparecem.» —   Assim a Morte diz. Verbo velado,  Silencioso intérprete sagrado  Das coisas invisíveis, muda e fria,    É, na sua mudez, mais retumbante  Que o clamoroso mar; mais rutilante,  Na sua noite, do que a luz do dia.    COM OS MORTOS    Os que amei, onde estão? idos, dispersos,  Arrastados no giro dos tufões,  Levados, como em sonho, entre visões,  Na fuga, no ruir dos universos ...   E eu mesmo, com os pés também imersos  Na corrente e à mercê dos turbilhões,  Só vejo espuma lívida, em cachões*,  E entre ela, aqui e ali, vultos submersos ...   Mas se paro um momento, se consigo  Fechar os olhos, sinto-os a meu lado  De novo, esses que amei: vivem comigo,   Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,  Juntos no antigo amor, no amor sagrado,  Na comunhão ideal do eterno Bem.      
                            *caixões     
                            
                              CONSULTA   Chamei em  volta de meu frio leitoAs memórias melhores de outra idade,
 Formas vagas, que às noites, com piedade,
 Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito...
 E disse-lhes:  — No mundo imenso e estreitoValia a penas, acaso, em ansiedade
 Ter nascido? dizei-mo com verdade,
 Pobres memórias que eu ao seio estreito...
 Mas elas  perturbaram-se — coitadas!E empalideceram, contristadas,
 Ainda a mais feliz, a mais serena...
 E cada uma  delas, lentamente,Com um sorriso mórbido, pungente,
 Me respondeu: — Não, não valia a pena!
           8 SONETOS SOBRE A IDEIA      I   Pois que os deuses  antigos e os antigos Divinos sonhos por  esse ar se somem, E á luz do altar  da fé, em Templo ou Dolmen, A apagaram os  ventos inimigos;   Pois que o Sinai  se ennubla e os seus pacigos, Seccos á mingua de  agua, se consomem, E os prophetas  d'outrora todos dormem Esquecidos, em  terra sem abrigos;   Pois que o céo se  fechou e já não desce Na escada de Jacob  (na de Jesus!) Um só anjo, que  acceite a nossa prece;   É que o lyrio da  Fé já não renasce: Deus tapou com a  mão a sua luz E ante os homens  velou a sua face!     II   Pallido Christo,  oh conductor divino! A custo agora a  tua mão tão doce Incerta nos  conduz, como se fosse Teu grande coração  perdendo o tino…   A palavra sagrada  do Destino Na bocca dos  oraculos seccou-se: A luz da sarça  ardente dissipou-se Ante os olhos do  vago peregrino!   Ante os olhos dos homens—porque  o mundo Desprendido rolou  das mãos de Deus, Como uma cruz das  mãos d'um moribundo!   Porque já se não  lê seu nome escrito Entre os astros… e  os astros, como atheus, Já não querem mais  lei que o infinito!     III   Força é pois ir  buscar outro caminho! Lançar o arco de  outra nova ponte Por onde a alma  passe—e um alto monte Aonde se abre á  luz o nosso ninho.   Se nos negam aqui  o pão e o vinho, Avante! é largo,  immenso esse horizonte… Não, não se fecha  o mundo! e além, defronte, E em toda a parte  ha luz, vida e carinho!   Avante! os mortos  ficarão sepultos… Mas os vivos que  sigam, sacudindo Como o pó da  estrada os velhos cultos!   Doce e brando era  o seio de Jesus… Que importa?  havemos de passar, seguindo, Se além do seio  d'elle houver mais luz!     IV   Conquista pois  sósinho o teu futuro, Já que os celestes  guias te hão deixado, Sobre uma terra  ignota abandonado, Homem—proscrito  rei—mendigo escuro!   Se não tens que  esperar do céo (tão puro, Mas tão cruel!) e  o coração magoado Sentes já de  illusões desenganado, Das illusões do  antigo amor perjuro:   Ergue-te, então,  na magestade estoica D'uma vontade  solitaria e altiva, N'um esforço  supremo de alma heroica!   Faze um templo dos  muros da cadeia, Prendendo a  immensidade eterna e viva No circulo de luz  da tua Idea!     V   Mas a Idea quem é?  quem foi que a vio, Jámais, a essa  encoberta peregrina? Quem lhe beijou a  sua mão divina? Com seu olhar de  amor quem se vestio?   Pallida imagem,  que a agua de algum rio, Reflectindo,  levou… incerta e fina Luz, que mal  bruxulêa pequenina… Nuvem, que trouxe  o ar, e o ar sumio…   Estendei,  estendei-lhe os vossos braços, Magros da febre  d'um sonhar profundo, Vós todos que a  seguis n'esses espaços!   E emtanto, oh alma  triste, alma chorosa, Tu não tens outra  amante em todo o mundo Mais que essa fria  virgem desdenhosa!     VI   Outra amante não  ha! não ha na vida Sombra a cobrir  melhor nossa cabeça, Nem balsamo mais  doce, que adormeça Em nós a antiga, a  secular ferida!   Quer fuja esquiva,  ou se offereça erguida, Como quem sabe  amar e amar confessa, Quer nas nuvens se  esconda ou appareça, Será sempre ella a  esposa promettida!   Nossos desejos  para ti, oh fria, Se erguem, bem  como os braços do proscrito Para as bandas da  patria, noite e dia.   Podes fugir… nossa  alma, delirante, Seguir-te-ha a  travez do infinito, Até voltar  comtigo, triumphante!     VII   Oh! o noivado  barbaro! o noivado Sublime! aonde os  céos, os céos ingentes, Serão leito de  amor, tendo pendentes Os astros por  docel e cortinado!   As bodas do  Desejo, embriagado De ventura, a  final! visões ferventes De quem nos braços  vae de ideaes ardentes Por espaços sem  termo arrebatado!   Lá, por onde se  perde a phantasia No sonho da  belleza: lá, aonde A noite tem mais  luz que o nosso dia;   Lá, no seio da  eterna claridade, Aonde Deus á  humana voz responde; É que te havemos  abraçar, Verdade!     VIII   Lá! Mas aonde é  lá?—Espera, Coração indomado!  o céo, que anceia A alma fiel, o  céo, o céo da Idea. Em vão o buscas  n'essa immensa esphera!   O espaço é mudo: a  immensidade austera De balde noite e  dia incendeia… Em nenhum astro,  em nenhum sol se alteia A rosa ideal da  eterna primavera!   O Paraiso e o  templo da Verdade, Oh mundos, astros,  sóes, constellações! Nenhum de vós o  tem na immensidade…   A Idea, o summo  Bem, o Verbo, a Essencia, Só se revela aos  homens e ás nações 
                                 No céo incorruptivel da  Consciencia       
                            
                              |  |  Monumento a  Antero de Quental, em Ponta Delgada, projeto do escultor açoriano Canto da  Mais.     Foto e  extraída de http://nestahora.blogspot.com/         TEXTOS EN  ESPAÑOL Trad. de José Antonio Llardent     A  M. C.    En el Cielo, si lo hay para el que  llora,  para las penas de quien sufre tanto;  si es del amor el foco puro y santo,  llama que brilla pero no devora;    si en espadas del Cielo un alma mora  que escucha el rezo y nos enjuga el llanto  ... ;  si hay padre, que nos cubra con el  manto  de amor piadoso -que no siento ahora  ...   El Cielo, oh Virgen, quebrará mis  males:  allí he de renacer, yo que he venido  al mundo a padecer sólo dolores.   Allí, lirio de valles celestiales,  teniendo fin también habrán nacido,  para no terminar, nuestros amores.      IDILIO    Cuando vamos los dos, las manos  dadas,  cogiendo en valles lirios y boninas,  y vencemos de un soplo las colinas,  del rocío nocturno aún orvalladas,    o contemplando el mar desde peladas  alturas vemos nubes vespertinas,  que parecen fantásticas rumas  en lejano horizonte amontonadas:    ¡cuántas veces de súbito enmudeces!  No sé qué luz en tu mirar fluctúa;  siento temblar tu mano, palideces ...    Mar y viento susurran oraciones,  y el poema del mundo se insinúa,  lento, amoroso, en nuestros  corazones.      ESPECTROS    ¡Espectros que veláis cuando a  disgusto  me adormezco un momento, y que  inclinados  sobre mis sueños breves y cansados  llenáis las noches de terror adusto!    De qué me vale a mí ser puro y justo  y entre combates siempre renovados disputar día a día de los Hados  una parcela del saber augusto,    si- mi alma habrá de ver sobre sí  inscritos  siempre esos ojos trágicos, malditos,  ¡si en un sueno de angustias  desoladas    los siento yo verter sobre mi lecho,  una a una verter sobre mi pecho,  sus descreídas lágrimas heladas!      LO QUE DICE LA MUERTE   «Dejad venir a mí a los que lucharon;  dejad venir a mí a los que padecen,  y a aquellos que con tedio contemplaron  sus vanas obras, y las escarnecen.    En mí dolores que os acibararon,  Duda, Pasión y Mal, se desvanecen.  Torrentes de aflicción que no  cejaron,  en mí, como en el mar, desaparecen.»    La Muerte ha hablado así. Verbo velado y silencioso  intérprete sagrado  de todo lo invisible. Muda y fría.  ,  Pero es en su mudez más retumbante  que el clamoroso mar, más rutilante desde su noche que la luz del día …      CON LOS MUERTOS    (Dónde están los que amé? Idos,  dispersos,  girando en torbellinos siderales,  llevados como en sueños irreales  en la fuga y derrumbe de universos …   Yo mismo estoy, en la corriente  inmersos  mis pies a la merced de temporales.  ante la blanca espuma que a raudales  envuelve, aquí y allí, bultos diversos  ...    Mas si paro un momento, si consigo  cerrar los ojos, siento que a mi lado  de nuevo los que amé viven conmigo.    Les veo y oigo, a mí me ven también,  juntos en el antiguo amor sagrado,  comunión ideal de eterno Bien.          Extraidos de QUENTAL, Antero de.  SONETOS SELECTOS. Madrid: Visor Libros,  1998.  95 p. (Colección Visor de  Poesía)   ISBN 9 788475 223834 Se puede adquirir  el libro em: http://www.visor-libros.com      Página ampliada e republicada em outubro de 2020   |