ANA MAFALDA LEITE
Poetisa luso-moçambicana e investigadora científica na área das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Ana Mafalda Leite nasceu em Portugal, mas viajou para Moçambique ainda muito nova, onde frequentou a Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Depois de uma estadia prolongada em Moçambique, regressou a Portugal, onde passou a exercer funções de docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Enquanto poetisa, publicou Em Sombra Acesa (1984), Canções de Alba (1989), Mariscando Luas ( 1992, em colaboração com Roberto Chichorro e Luís Carlos Patraquim), Rosas da China (1999), Passaporte do Coração (2002) e Livro das Encantações (2005). Fonte da biografia: http://www.infopedia.pt
LEITE, Ana Mafalda. Livro das encantações e outros poemas. Maputo, Moçambique: Alcance Editores, 2010. 180 p. 16,5c23 cm. Capa: Moisés Ituji. Col. A.M.
CORDÕES PEQUENINOS
DE ESTRANHA LUZ
em memória de ti, querida Helena
encontrou-a nessa noite desfigurada acesa numa fotografia
antiga
tinha esse sorriso esse modo ternurento e malicioso dentro dos
seus olhos
agarrando-se às pálpebras o peso das pestanas crescendo
crescendo como laços ou fitas transparentes cordões
pequeninos de estranha luz
tão próxima estava assim voltada
para o outro rosto de si para perto da espuma e do sal
no silêncio da agua morna e das aves côncavas
estranho pressentimento naquela noite as fotografias ardendo
pássaros subindo no fumo fonte atenuada da memória
desfazendo-se pelo espaço
AS VOZES DAS PLANTAS
ao Gulamo Khan
neste lugar que não lembro a noite cresce silenciosa
em sua deslumbrada obscuridade, o dia esboça repouso
estremecimentos leves a pálpebra inteira a distância percorre
atenuada, ao fundo dos jardins se escutam as vozes vindas do
interior das plantas acesas na sua sombra em lugar tranquilo.
por vezes nela se guarda alguma palavra insuspeita, o olhar
demora no vazio nómada dos pequenos brilhos, movimentos
cintilados e doçura por entre a intuida convicção do desenho.
tremor da paisagem obscuro vento em seus domínios
pressentido a transportam até onde a voz arranca surpreendida
intraduzível som, templo guardado e tempo incerto
a luz resplandecendo e a noite se envolvendo em lua
por dentro, em cristal e em silêncio
CAIXINHA DE MÚSICA
impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos laços
abraços fitas ou fios transparentes
em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhado em véus de seda e brocado
encantada a serpente a flauta o mago
senhor a toca
e quando me toca
o corpo eu abro
caixinha de música
dentro
com bailarina que dança
Página publicada em outubro de 2013
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