ALFREDO MARGARIDO
(1928-2010)
Alfredo Margarido (Moimenta, 5 de Fevereiro de 1928 - Lisboa, 12 de Outubro de 2010) foi um escritor, ensaísta, investigador, professor universitário, poeta e pintor português.
Segundo Perfecto Cuadrado, Coordenador do Centro de Estudos do Surrealismo da Fundação Cupertino de Miranda, "dizer Alfredo Margarido é lembrar a obra e o exemplo cívico de um dos pensadores mais lúcidos da nossa realidade (no sentido mais amplo tanto geográfico como histórico), observação que imediatamente se vai transformando em conhecimento, saber e discurso. Pintor, poeta romancista, ensaísta, tradutor, historiador, jornalista, antropólogo, politólogo, sociólogo, professor universitário: o mais parecido nos tempos modernos com o uomo universale do Renascimento. Lúcido, crítico e livre, e por isso mesmo polémico e indisciplinador de consciências …."
Alfredo Margarido estudou na Escola de Belas-Artes do Porto e expôs obras de cerâmica no Porto e em Lisboa, em 1954, bem como esculturas em Luanda, Angola, em 1956.
Após alguns anos em África, onde trabalhou na produção agrícola em São Tomé e Príncipe, transferiu-se para Angola, onde foi responsável pelo Fundo das Casas Económicas, corporação que pretendia resolver o problema de habitação da classe média ascendente. Todavia a sua intervenção na imprensa provocou uma reacção violenta do Governador-geral, Horácio José de Sá Viana Rebelo, que ordenou a sua expulsão. A partir de 1964 instala-se em Paris, com o apoio de uma bolsa de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo-se integrado nos movimentos de extrema-esquerda. Criou e co-dirigiu a revista "Cadernos de Circunstância".
Ensinou em Paris I (CRA), Paris II (Lógica matemática), Paris VII (Jussieu), Paris VIII ( Vincennes, mais tarde St. Dennis). Tendo ensinado também na Universidade Júlio Verne e no Institut d'Art, ambas em Amiens. No Brasil ensinou nas Universidades de S. Paulo (USP), Campinas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade da Paraíba do Sul (João Pessoa).
Dedicou-se especialmente à sociologia da literatura e aos problemas africanos. Poeta cuja obra apresenta elementos surrealizantes, bem como ensaísta e ficcionista, foi um dos introdutores do nouveau roman francês em Portugal.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/
DOZE JOVENS POETAS PORTUGUÊSES. Org. Alfredo Margarido e Carlos Eurico da Costa. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, Ministério da Educação e Saúde, 1953. 56 p. (Os Cadernos de Cultura) 14x19 cm. Impresso pelo Departamento de Imp. Nacional. Inclui os poetas: Alberto de Lacerda, Alexandre Pinheiro Tôrres, Alfredo Margarido, Antonio Maria Lisboa, Carlos Eurico da Costa, Carlos Wallenstein, Egito Gonçalves, Eugênio de Andrade, Fernando Guedes, Henrique Risque Pereira, Mário Cesariny de Vasconcelos, Mário Henrique Leiria. Ex. bibl. Antonio Miranda
No dédalo das mãos sem saudade
do som uníssono da pedra rolando
entre a base do destino e o passado,
abismo transporto mas ainda aberto
por sob os passos do cadáver despedaçado
pelas feras fulvas entre o rumor
das violas, ah! das violas rubras
do fim do mundo negro do olvido
imenso dos pássaros sem idade,
dilúvio de palpitações através da carne
que sobe os degraus do templo e os destrói;
sepultados quem nos ouve ao longe
entre a floresta dos veados vermelhos
crepitando de salto em salto?
Muda tempestade de cabelos cor de laranja
vai a voz de encontro aos anjos vítreos
e, com o fragor do templo ruindo sob
o gume de um espesso mistério
conduzido pela máquina sem tréguas,
abjecta dor que uma pinça acaricia
ao longo do rio onde o anjo se debruça
e, curvado tinge de solidão a espada
ninho do lento inseto do silêncio,
para destruir o fulgor do trágico corpo.
O CADÁVER
No torvelinho da morte
os pássaros artificiais
perderam os olhos de vidro
e voo incomunicável.
Assim nasceram as elipses
no fundo do tédio,
onde, lúcido, fala o amor
aos navios naufragados.
Ergo a praça no sonho
e confundo-a com a casa,
entre árvores e jardins
no dorso do acaso.
Na simples casa de verão
onde os sentidos se chocam
ergo outro céu e outra casa
no aposento mais íngreme.
Passa a viagem a plantação
neste céu sem aves
deserto sem caravanas
onde o cadáver flameja e cresce,
Sobre este mar azulado tremula a alheada
a alheada insígnia solta e imensa
vibrante águia velha a abrir as asas
sobre este mar azulado onde o vento solta
ah! solta o difuso e transitório encantamento
das pálpebras tombadas junto do amor
sobre este mar azulado
Ensina-me a estar calmo a fronte lisa
riso insano do vencedor dos medos
acariciando o riso petrificado do anjo
ensina-me a estar calmo virgem que nua
vais para dentro do crime lançando a inquietação
do bendito clamor do rio libertado
ensina-me a estar calmo
Se outra vez apetecer conhecer a hora positiva
em que a corrente se projeta no crepúsculo
cruzando a palidez marmórea do perfil
se outra vez apetecer ir pela paisagem estival
onde descuidadas as codornizes gritam
a luz turva da mansão resplandescente
se outra vez apetecer
O meu crime está oculto na cidade falsa
esquivo entre coleantes alamedas de eterno
amplo gemido que se move ao redor
o meu crime está oculto perturbado de sons
e confuso é o inconcebido inda longínquo
inteiriçado cadáver isento da peleja
o meu crime está oculto
Renuncio ao julgamento para tornar de novo
pela janela alta a olhar a mendiga
voz que se alegra e veloz vai vela branca
pendendo sobre momento de tensão
ah! renuncio ao julgamento trânsito
erguido para além do instante da dor
renuncio ao julgamento
O medo rijo e insular relâmpago
na compaixão estreita e desumana
estalando enfim no élitro palpitante
o medo rijo e insular sepultando
o horizonte tenebroso de hidras e de crimes
rompendo as paredes movediças como pesadelos
o medo rijo e insular.
Página publicada em setembro de 2014.
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