| Alexandre Herculano, por João Pedroso.
   ALEXANDRE  HERCULANO      Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de  Março de 1810 — Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 18 de  Setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da  era do romantismo. Como liberal que era, teve como preocupação maior,  estabelecida nas suas ações políticas e seus escritos, sobretudo em condenar  o absolutismo e a intolerância da coroa no século  XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em  Portugal. Pertenceu a 1°geração do romantismo. Poesia:  A Harpa do Crente – 1838; Poesias – 1850.   HERCULANO, Alexandre.  Poesias. Duodécima edição definitiva conforme com as edições da vida do  autor.  Dirigida por David Lopes. Lisboa:  Livraria Bertand; Editora Paulo de Azevedo, s.d.   244 p.   12,5 x 18 cm.  Capa dura.Ex. bibl. Antonio Miranda
   A VOZ É tão suave ess'hora,Em que nos foge o dia,
 E em que suscita a Lua
 Das ondas a ardentia,
 
 Se em alcantis marinhos,
 Nas rochas assentado,
 O trovador medita
 Em sonhos enleado!
 
 O mar azul se encrespa
 Coa vespertina brisa,
 E no casal da serra
 A luz já se divisa.
 
 E tudo em roda cala
 Na praia sinuosa,
 Salvo o som do remanso
 Quebrando em furna algosa.
 
 Ali folga o poeta
 Nos desvarios seus,
 E nessa paz que o cerca
 Bendiz a mão de Deus.
 
 Mas despregou seu grito
 A alcíone gemente,
 E nuvem pequenina
 Ergueu-se no ocidente:
 
 E sobe, e cresce, e imensa
 Nos céus negra flutua,
 E o vento das procelas
 Já varre a fraga nua.
 
 Turba-se o vasto oceano,
 Com hórrido clamor;
 Dos vagalhões nas ribas
 Expira o vão furor,
 
 E do poeta a fronte
 Cobriu véu de tristeza;
 Calou, à luz do raio,
 Seu hino à natureza.
 
 Pela alma lhe vagava
 Um negro pensamento,
 Da alcíone ao gemido,
 Ao sibilar do vento.
 
 Era blasfema ideia,
 Que triunfava enfim;
 Mas voz soou ignota,
 Que lhe dizia assim:
 
 «Cantor, esse queixume
 Da núncia das procelas,
 E as nuvens, que te roubam
 Miríades de estrelas,
 
 E o frémito dos euros,
 E o estourar da vaga,
 Na praia, que revolve,
 Na rocha, onde se esmaga,
 
 Onde espalhava a brisa
 Sussurro harmonioso,
 Enquanto do éter puro
 Descia o Sol radioso,
 
 Tipo da vida do homem,
 É do universo a vida:
 Depois do afã repouso,
 Depois da paz a lida.
 
 Se ergueste a Deus um hino
 Em dias de amargura;
 Se te amostraste grato
 Nos dias de ventura,
 
 Seu nome não maldigas
 Quando se turba o mar:
 No Deus, que é pai, confia,
 Do raio ao cintilar.
 
 Ele o mandou: a causa
 Disso o universo ignora,
 E mudo está. O nume,
 Como o universo, adora!»
 
 Oh, sim, torva blasfêmia
 Não manchará seu canto!
 Brama a procela embora;
 Pese sobre ele o espanto;
 
 Que de sua harpa os hinos
 Derramará contente
 Aos pés de Deus, qual óleo
 Do nardo recendente.
   
   
                    MOCIDADE E MORTE
 Solevantado  corpo, os olhos fitos
 As  magras mãos cruzadas sobre o peito,
 Vede-o, tão moço, velador de  angústias,
 Pela alta noite em solitário  leito.
 
 Por  essas faces pálidas, cavadas,
 Olhae,  em fio as lagrymas deslisam;
 E com o pulso, que apressado bate,
 Do coração os éstos harmonizam.
 
 É  que nas veias lhe circula a febre;
 É que a fronte alaga o suor frio;
 É  que lá dentro á dor, que ovai roendo,
 Responde horrível íntimo cicío.
 
 Encostando  na mão o rosto acceso,
 Fitou os olhos húmidos de pranto
 Na lampada mortal alli pendente,
 E lá consigo modulou um canto.
 
 É  um hymno de amor e de esperança?
 É  oração de angustia e de saudade?
 Resignado na dor, saúda a morte,
 Ou vibra aos céus blasphemia  d´impiedade?
 
 É  isso tudo, tumultuando incerto
 No delírio febril daquella mente,
 Que após si a vista longamente.
 
 É  a poesia a murmurar-lhe na alma
 Ultima  nota de quebrada lyra;
 É o gemido do tombar do cedro;
 É triste adeus do trovador que  expira.
 
 
    A ROSA 
 Pura  em sua innocencia,
 Entre a sarça  espinhosa.
 Purpurea  esplende, inda botão intacto,
 Na madrugada a  rosa.
 
 É da campina a virgem
 A pudibunda flor;
 Em seus effluvios matutina brisa
 Bebe o primeiro  amor.
 
 O  sol inunda as veigas:
 Calou-se o rouxinol;
 E  a flor, ebria de gloria, à luz fervente,
 Desabroxou—a o sol.
 
 O sopro matutino
 No seio seu  pousara:
 Prostituída à luz, fugiu-lhe a  brisa,
 Que a linda rosa  amara.
 
 Bella se ostenta um  dia;
 Saúdam-na as  pastoras;
 Dão-lhe mil beijos, gorgeiando, as  aves;
 Voam do goso as  horas.
 
 Lá vem chegando a noite,
 E ela empalideceu:
 Incessante  prazer mirrou-lhe a seiva;
 A rosa emudeceu.
    Desce  o tufão dos montes,Os matos sacudindo;
 Desfallecida a flor desprende as  folhas;
 Que o vento vai  sumindo.
 
 Onde estará a rosa,
 Do prado a bela  filha?
 O tufão, que espalhou seus  frageis restos,
 Passou: não deixou  trilho.
 
 Da sarça a flor  virente
 Nasceu, gosou, e é  morta:
 E a qual desses amantes de um  momento
 Seu fado escuro  importa?
 
 Nenhum,  nenhum por ella
 Gemeu saudoso à tarde;
 Não  ha quem juncle as derradeiras folhas,
 Quem amoroso as  guarde.
 
 Só de manham o sopro,
 Passando no outro  dia,
 Da  rosa, que adorou, quando a innocencia
 Em seu botão  sorria,
 
 Juncto do tronco  humilde
 O curso  demorando,
 Veio  depositar perdão, saudade,
 Queixoso sussurrando.
 
 De quantas és a imagem,
 Oh desgraçada  flor!
 Quantos  perdões sobre um sepulchro abjecto
 Tem murmurado o  amor!
 
 
 
  A FELICIDADE   Era  bello esse tempo de vida,Em que esta harpa falava de  amores;
 Era bello quando o estro acendiam
 Em minha alma da guerra os  terrores.
 
 Nesse tempo o balouço das vagas
 Me era grato, qual berço da  infancia,
 E o sibillo da balla harmonia
 Semelhantae á de flauta em  distancia.
 
 E corri pelos campos da gloria,
 D´entre o sangue colhendo uma  palma.
 Para um dia a depôr aos pés dessa
 Que reinou largo tempo nesta  alma.
 
 Mas qual ha coração de donzela,
 Que responda a um suspiro de  amor,
 Quando vibra nas cordas sonoras
 De um alaúde de pobre cantor?
 
 Triste o dom do poeta! — No seio
 Tem vulcão que as entranhas lhe  accende;
 E a mulher que vestiu de seus  sonhos
 Nem sequer um olhar lhe  compr´hende!
 
 E trahido, é passado de angustias,
 Ao amor este peito cerrara,
 E, quebrada, no tronco do cedro
 A minha harpe infeliz pendurara.
 
 Um véu negro cobriu-me a existencia,
 Que gelada, que inutil corria;
 Me engenho tornou-se um mysteri
 Que ninguem neste mundo entendia.
 
 E embrenhei-me por entre os deleites;
 Mas, tocando-o, fugia-me o goso;
 Se o colhia, durava um momento;
 Após vinha o remorso amargoso.
 
 Esquecí-me do Deus que adorara;
 O prestigio da gloria passou;
 E a minha alma, vazia de  affectos,
 No limiar do porvir se assentou:
 
 Meus pulmões arquejaram com ancia,
 Buscando ar na amplidão do  futuro,
 E sómente encontraram, por  trevas,
 De sepulchros um halito impuro.
 
 Mas, enfim, eu te achei, meu consolo;
 Eu te achei, oh milagre de amor!
 Outra vez vibrará um suspiro
 De alaúde do pobre cantor.
 
 Eras tu, eras tu que eu sonhava;
 Eras tu quem eu já adorei,
 Quando aos pés de mulher  enganosa
 Meu alento em canções derramei.
 
 Se na terra este amor de poeta
 Coração ha que o possa pagar,
 Serás tu, virgem pura dos  campos,
 Quem virá a minha harpa  acordar.
 
 Como a luz duvidosa da tarde,
 Quando o sol leva ao mar mais  um dia,
 Reverbera poesia e saudade
 Na alma immensa de um rei da  harmonia;
 
 Tal poesia e saudade em  torrentes,
 No teu meigo sorrir eu aspiro,
 E no olhar que me lanças a  furto,
 E no encanto de mudo suspiro.
 
 Para mim és tu hoje o universo:
 Soa em vão o bulicio do mundo;
 Que este existe somente onde  existes:
 Tudo o mais é um ermo  profundo.
 
 No  silencio do amor, da ventura,
 Adorando-te, oh filha dos  céus,
 Eu direi ao Senhor: — tu m´a  déste:
 Em ti creio por ele, oh meu  Deus! “
 
 
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   Página publicada em março de 2019   
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