AL BERTO [RAPOSO PIDWELL TAVARES]
(1948-1997)
Nasceu em Coimbra e morreu em Lisboa. Poeta e editor. Nome civil: Alberto Raposo Pidwell Tavares. Embora tenha começado a publicar em livro em 1977 (À Procura do Vento num Jardim de Agosto), já é considerado em Portugal um poeta importante.Teve juventude deambulatória através de Bruxelas, Paris, Barcelona e seus "bas-fonds". Sua poesia reflete uma visão de mundo marginal que espelha, com lucidez, ternura e paixão, a experiência da transgressão sexual e a solidão de uma vertigem autodestrutiva. Situa-se ela "entre a subjetividade romântica e a impessoalidade modernista" no dizer de Helder Moura Pereira. Na sua vasta bibliografia destaca-se a reunião de toda a sua obra, no volume O Medo (Assírio e Alvim, 1998).
Poeta y editor. Nació en Coimbra y murió en Lisboa. Nombre civil: Alberto Raposo Pidwell Tavares. A pesar de haber empezado a publicar en libro em 1977 (À Procura do Vento num Jardim de Agosto), ya es considerado en Portugal un poeta importante. Tuvo una juventud ambulante y conoció los "bas-fonds" de Bruselas, París y Barcelona. Su poesía refleja una visión del mundo marginal, que refleja con lucidez, ternura y pasión la experiencia de la trasgresión sexual y la soledad de un vértigo autodestructivo. Lo sitúan "entre la subjetividad romántica y la despersonalización modernista” (Helder Moura Pereira). En su vasta bibliografía sobresale el volumen póstumo O Medo (Assírio e Alvim, 1998), reunión de toda su obra.
REGRESSO À FUGA
a noite de escuros voos apanhou-me
com a cabeça acesa numa teia de tinta
é sempre uma mentira existir
fora daquilo que está no fundo de mim
abro
o livro das visões
e uma cidade são todas as cidades trituradas
na memória calcinada do homem nómada
canto
ó resplandecentes águas ó murmúrio quieto
das areias
um pulso que se abre e estremece violento
ó dor da árvore ó surdo ruído do coração
onde a seiva das bocas brilha derramando-se
sobre o corpo
que na asa do migrante pássaro navega
ávido de mundo e desolação.
REGRESO A LA FUGA
Fernando Mendes Vianna
noche de oscuros vuelos me cogió
con la cabeza encendida en una red de tinta
es siempre una mentira existir
afuera de lo que está en mi fondo
abro
el libro de las visiones
y una ciudad son todas las ciudades trituradas
en la memoria calcinada del hombre nómada
canto
oh resplandecientes aguas oh murmurio quieto
de las arenas
un pulso que se abre y estremece violento
oh dolor del árbol oh sordo ruido del corazón
donde la savia de las bocas brilla derramándose
sobre el cuerpo
que en el ala del migrante pájaro navega
ávido de mundo y desolación.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 1 – Número 2 – Julho 1993. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro. ISSN 0104-0626m Ex. bibl. Antonio Miranda
Ofício da fala
da suave fala das abelhas conhecíamos
o híbrido ouro dos abdómenes, a transparência irreal das asas
carregadas de pólenes e desconhecidas tarefas
conhecíamos o murmúrio majestoso do mel
e de como à proximidade dos dedos em pleno voo se solidifica a luz...
os corpos em cera clamam pelo vagaroso olhar das melíferas despojadas
e no rumorejar do místico alimento surge, armazenada nos favos da língua, a fala...
...no fundo, eu atravessava-te sem me deter
nada sabia ou sei acerca da morte
nem das ruínas deste outro corpo que o mel é capaz de ressuscitar...
Ofício de viajante
procurei dentro de ti o repercutido som do mar
a voz exacta das plantas e um naufrágio
o deslizar das aves, o amor obsessivo pelos espelhos
o rumor latejante dos sonhos, as cores dum astro explodindo
o cume nevado de cada montanha...
...difíceis rios, os dias...
vivi talvez em Roma
no tempo em que ali chegavam os trigos da Sicília e os vinhos raros
das ilhas
a fama remota dos ladrões de Nuoro...
...todo o meu corpo estremeceu ao mudar de voz
cresci com o rapaz, embora nunca tivéssemos sido irmãos
e quando ficámos adultos para sempre
alguém lhe ofereceu o ofício de viajante
eu morri perto de Veneza
e quando atirava pedras aos pássaros sempre me ia lembrando de ti
BERTO, AL. Muerte de Rimbaud dicha em voz alta... Monterrey, México: Ediciones Intempestivas, 2207. 32 p. ilus. 14 x 20 cm. Edición de 150 ejemplares. Ex, bibl. Antonio Miranda
Um fragmento do poema:
todos OS pássaros sossegaram,
as crianças desceram das árvores, guardaram os
jogos, recolheram a casa.
a noite está próxima.
levanto a cabeça e deixo a voz deambular por dentro
deste silêncio de água e de estrelas.
a noite está próxima.
deixo o corpo escorregar na poeira luminosa,
acendo um cigarro, ponho-me a falar com o meu
fantasma.
longe daqui, a cidade enfeitou-se como seus crimes de
néon, com suas traições.
ouço hélices de barcos, motores, quando um rosto
esvoaça ao alcance da mão.
a verdade é que passei a vida a fugir, de cidade em
cidade, com um sussurro cortante nos lábios.
e atravessei cidades e ruas sem nome, estradas, pontes
que ligam una treva a outra treva.
caminho como sempre caminhei, dentro de mim
—rasgando paisagens, sulcando mares, devorando imagens.
o absinto, esse álcool que me permitiu medir o
tempo no movimento dos astros.
e vi a vida como um barco à deriva, vi esse barco
tentar regressar ao porto —mas os portos são olhos enormes
que vigiam os oceanos, servem para levarmos o corpo até um deles e morrer.
Página ampliada e republicada em novembro de 2018 ;ampliada e republicada em jun. 2019 |