AFONSO DUARTE
(1884-1958)
Poeta português (Ereira, Montemor-o-Velho, 1.1.1884 – Coimbra, 5.3.1958). Formou-se, em Coimbra, em Ciências Físico-Naturais (1913). Foi, ali, professor da Escola Normal e dedicou-se em especial à pedagogia do desenho; interessou-se por temas de etnografia e arte popular portuguesa. Manteve, ao longo da sua vida, intenso e caloroso convívio literário com sucessivas escolas e grupos, de que são testemunhos a colaboração na Águia e na «Renascença Portuguesa», as relações com os «Esotéricos», a passagem pela Presença e pela Seara Nova, e com os poetas do «Novo Cancioneiro».
A sua obra poética acusa esse permanente esforço de renovação, mantendo-se, todavia, fiel à inspiração entranhadamente portuguesa e tradicional, aos motivos da terra, da vida animal, do povo e da lide agrária, das crenças e mitos seculares, sempre rica de poder metafórico e alusivo, evoluiu, no entanto, progressivamente, para uma forma mais despojada e epigramática, e o ímpeto genesíaco, velado por uma religiosidade difusa e melancólica, que transborda nas primeiras obras, contém-se e interioriza-se, o tom torna-se mais cerebral e moralístico, até dar numa sabedoria desenganada e algo sarcástica ou num denso e sentencioso comentário profético do mundo contemporâneo.
Fonte da biografia e foto: http://www.cm-montemorvelho.pt/figuras_ilustres.htm
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
ROMANCEIRO DAS ÁGUAS
Água da Altura, límpida e sonora,
Aos desejos do vnto num descuido,
Tu és da vida a fonte criadora:
Corpo de nuvens ondeante e fluído.
Por teu peito balsâmico de seivas
Há nos montes fartura reluzente:
Domam-se as terras de lavoura, as leivas,
E ergue-se à flor a túmida semente.
Água da chuva em móbil revoltura
No oceano do ar, no firmamento:
Rega divina a que esse artista, o vento,
Dá forma esculturada, a tecitura.
No nebuloso olimpo concebeste:
E à crusta insenta, ressequida e nua,
Trazes perfumes, o frescor celeste
Dos alvos saibros místicos da Lua.
Euritmias moduladas, feitas
Por cadências de versos diluídos:
Bátegas recortando os meus sentidos
De furtivas palavras liquefeitas.
Água que o ar frio arrasta e desencanta:
A que dá vida, a que renova a planta;
Água que antigamente foi suor
No rochedo e na flor.
E baga do suro da tua fronte
na labuta da vida pelo monte,
Ó cavador cansado!
Respiração carnosa que ao depois
Foi ser chuva e crepúsculo doirado.
Gotas de orvalho,
Irmãzinhas das lágrimas, vós sois
O suor do trabalho.
Respiração dos rios e florestas
E fumo do meu lar;
E pragas das palavras desonestas
Dos pântanos e charcos ao luar;
Respiração de bocas amorosas
E de hálitos das fontes;
E aroma suavíssimo das rosas...
No longe e fluido olhar dos horizontes
Tudo se casa e funde: e é nuvem densa,
—Habitação de lágrimas suspensa.
(Cancioneiro das Pedras, 1912)
ALEGORIA DA TARDE
Recolhe o dia aos campos e à cidade,
A Tarde... E num crepúsculo de beijos,
—Que o sol dlança a boca aos meus desejos,
As horas vão morrendo com saudade.
E o9 dia lembra — que é chegado ao fim,
Ao Pintor de Penumbras a que venha...
E como deixa nos altos da montanha
O Sol, a Tarde, afasta-se de mim.
Vai lone a aça de oiro e pedrarias
Das voluptuosas, bêbadas manhãs,
Do grande Soll heróico dos bons-dias!
E ao recair das horas, pelo Outono,
As coisas choram lágrimas cristãs
Sob as cinzas da tarde, ao abandono.
(Tragédia do Sol-Posto, 1914)
SAUDADES DO CORGO
Murmúrio de água em Terra da Purinha,
Lembra a voz da montanha o meu amor.
Oh água em quebra voz “sou teu,és minha”!
Rescende em mim a madressilva em flor.
— Suas palavras dão perfume ao vento,
— Seus Olhos pedem o maior sigilo...
Sóror amando às grades de um convento,
Ó Sóror dum romance de Camilo!
De longe e ausente ao seu perfil do Norte,
Evoco em sonho as Terras do luar,
— Fragas do Corgo em medievo corte!
À Lua e ao Sol para a servir e amar,
Quando a ausência vem — quem a suporte!
As saudades são o meu falar.
(Rapsódia do Sol-Nada, 1916)
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Roldolfo Alonso
ROMANCERO DE LAS AGUAS
Agua de lo Alto, límpida y sonora,
Al deseo del viento em um descuido,
De la vida eres fuente creadora:
Cuerpo de nubes ondeante y fluido.
Por tu pecho balsâmico de savias
Ven los montes hartura reluciente:
Se doman tierras de labor, los surcos,
Yérguese a flor la húmeda simiente.
Agua de lluvia em móvil agitarse
En los mares del aire, el firmamento:
Riego divino al que ese artista, el viento,
Da forma de escultura, del hilarse.
En nebuloso olimpo concebiste:
Y a libre corteza, seca y nuda,
Traes perdumes, el frescor celeste
De la alba arcilla mística en la Luna.
Euritmias moduladas, hechas
Con cadencias de versos diluídos:
Jofainas recortando mis sentidos
De furtivas palabras liquefactas.
Agua que el Aires frio arrastra y desencanta:
La que da vida y renueva la planta;
Agua que antiguamente fue sudor
En la roca y la flor.
ίY baya de sudor desde tu frente
En faena de vida por el monte,
Oh cavador cansado!
Respiración carnosa que después
Fue a ser lluvia y crespúsculo dorado.
Gotas de rocio,
Hermanas de las lágrimas, sois
El sudor del trabajo.
Respiración de los ríos y bosques
Y humo de mi hogar;
Y plagas de las palavras deshonestas
De pântanos y charcos a la luna;
Respiración de bocas amorosas
Y de hálitos de fuentes;
Y suavísimo aroma de las rosas...
Al lejano y fluido mirar del horizonte
Todo se casa y funde: es nube densa,
—Habitación de lágrimas suspensa.
ALEGORÍA DE LA TARDE
Recoge el día a la ciudad y los campos,
La Tarde... Y en un crepúsculo de besos,
—Que el sol lancea en la boca a mis deseos,
Las horas van muriendo con nostalgia.
Y el día recuerda — que ha llegado al fin,
Al Pintor de las Penumbras la que venga...
Y como deja lo alto en la montaña
El Sol, de Tarde, se aparta de mi.
ίLa copa de oro y pedrerías propaga
La voluptuosas, borrachas mañanas,
Del heroico gran Sol de buenos dias!
Y al recaer las horas, en Otoño,
Las cosas lloran lágrima cristalinas
Tras la tarde en cenizas, de abandono.
NOSTALGIAS DEL CORGO
Murmullo de agua en Tierras de Purinha,
La montaña en su voz me la recuerda.
Oh águas em voz quebrada: “ίtuyo, mia”!
Aroma en mi madreselva en flor.
—Sus palabras dan perfume al viento,
—Sus Ojos piden el mayor sigilo...
Soror amando em rejas de convento,
ίOh Soror de novela de Camilo!
Lejos y ausente en su perfil del Norte,
Evoco en sueño Torrres a la luna,
—ίBreñas de Corgo en corte medieval!
A Sol y Luna para amarla y servirla,
Cuando viene la ausencia —ίquién soporte!
Y son nostalgias lo que es mi hablar...
Textos extraídos de la obra POETAS PORTUGUESES Y BRASILEÑOS - DE LOS SIMBOLISTAS A LOS MODERNISTAS; organización y estúdio introductorio: José Augusto Seabra. Buenos Aires: Instituto Camões; Editora Thesaurus, 2002. 472 p. ISBN 85-7062-323-2
Agradecemos ao Instituto Camões a autorização para a publicação dos textos, em parceria visando a divulgação da literatura de língua portuguesa em formato bilíngüe na web.
Página publicada em abril de 2008.
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