SEBASTIÁN SALAZAR BONDY
Sebastián Salazar Bondy (n. Lima, 4 de febrero de 1924 - f. 4 de julio de 1965) fue poeta, crítico, escritor, periodista y dramaturgo peruano, miembro de la llamada Generación del 50.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 28. Ano 15 / 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 246 p. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Traduções ao Português por FLORIANO MARTINS
O semblante
Suas úmidas orelhas aparecem com alguns outonos molhados
ou nas paredes interiores, nos móveis vazios,
nos mares singelos das almas.
Seus pés não têm o golpe grave que a anuncia
e entoa assim ao regressar um alegre assobio de mudança
quando talvez nos traga entre seus dedos outras plantas,
outros cartões, e folhas, outros tíbios leões.
Suas orelhas, seus pés, ou seja, seu semblante cotidiano parece-nos de alguém com as bochechas repletas de ramos verdes e floreiras.
Porém seu olhar ocre, polvilhado, ainda nos cobre
com a pureza simples dos cascalhos,
com sua maternidade sem pausas ou cadeias,
com a mentira mágica de uma viagem velha e despovoada.
EL POETA CONOCE LA POESÍA
Permítanme decir que la poesía
es una habitación a oscuras, y permítanme también
que confiese que dentro de ella nos sentimos muy solos,
nos palpamos el cuerpo y lo herimos,
nos quitamos el sombrero y somos estatuas,
nos arrojamos contra las paredes y no las hallamos,
pisamos en agua infinita y aspiramos el olor de la sangre
como si la flor de la vida exhalara en esa soledad
toda su plenitud sin fracasos.
Permítanme, al mismo tiempo, que pregunte
si un peruano, si un fugitivo de la memoria del hombre,
puede sentarse allí como un señor en su jardín,
tomar el té y dar los buenos días a la alegría.
Qué equivocados estamos, entonces, qué pálida
es la idea que tenemos de algo tan ardiente y doloroso.
Porque, para ser justos, es necesario que envolvamos nuestra ropa,
demos fuego a nuestras bibliotecas,
arrojemos al mar las máquinas felices que resuenan todo el día,
y vayamos al corazón de esa tumba
para sacar de ahí un polvo de siglos que está olvidado todavía.
No sé si esto será bueno, pero permítanme que diga
que de otro modo la poesía está resultando un poco tonta.
(de Confidencia en alta voz, 1960.
O poeta conhece a poesia
Permitam-me dizer que a poesia
é um quarto às escuras, e permitam-me também
que confesse que dentro dele nos sentimos muito sós,
apalpamos o corpo e o ferimos,
tiramos o chapéu e somos estátuas,
nos arremessamos contra as paredes e não as encontramos,
pisamos na água infinita e aspiramos o cheiro do sangue
como se a flor da vida exalasse nessa solidão
toda a sua plenitude sem fracassos.
Permitam-me, ao mesmo tempo, que indague
se um peruano, se um fugitivo da memória do homem,
pode sentar-se ali como um senhor em seu jardim,
tomar chá e dar bom-dia à alegria.
Quanto equivocados estamos, então, que pálida
é a idéia que temos de algo tão ardente e doloroso.
Porque, para sermos justos, é necessário envolvermos nossa roupa.
darmos fogo a nossas bibliotecas,
jogarmos ao mar as máquinas felizes que ressoam todo o dia,
e irmos então ao coração dessa tumba
para dali retirar um pó de séculos que está esquecido ainda.
Não sei se isto será bom, porém permitam-me que diga
que de outro modo a poesia está resultando um pouco tonta.
TESTAMENTO OLÓGRAFO
Dejo mi sombra,
una afilada aguja que hiere la calle
y con tristes ojos examina los muros,
las uentanas de reja donde hubo incapaces amores,
el cielo sin cielo de mi ciudad.
Dejo mis dedos espectrales
que recorrieron teclas, vientres, aguas, párpados de miel
y por los que descendió la escritura
como una virgen de alma deshilachada.
Dejo mi ovoide cabeza, mis patas de araña,
mi traje quemado por la ceniza de los presagios,
descolorido por el fuego del libro nocturno.
Dejo mis alas a medio batir, mi máquina
que como un pequeño caballo galopó año tras año
en busca de la fuente del orgullo donde la muerte muere.
Dejo varias libretas agusanadas por la pereza,
unas cuantas díscolas imágenes del mundo
y entre grandes relámpagos algún llanto
que tunve como un poco de sucio polvo en los dientes.
Acepta esto, recógelo en tu falda como unas migas,
da de comer al olvido con tan frágil manjar.
Testamento holográfico
Deixo minha sombra,
uma agulha afiada que fere a rua
e com tristes olhos examina os muros,
as janelas de grade onde houve amores incapazes,
o céu sem céu de minha cidade.
Deixo meus dedos espectrais
que percorreram teclas, ventres, águas, pálpebras de mel
e pelos quais desceu a escritura
como uma virgem de alma desfiada.
Deixo minha cabeça ovóide, minhas patas de aranha,
minha roupa queimada pela cinza dos presságios,
descolorida pelo fogo do livro noturno.
Deixo minhas asas entreabertas, minha máquina
que como um pequeno cavalo galopou ano após ano
em busca da fonte do orgulho onde morre a morte.
Deixo vários libretos bichados pela pureza,
umas tantas indóceis imagens do mundo
e entre grandes relâmpagos algum pranto
que tive como um pouco de pó sujo nos dentes.
Aceita isto, recolhe-o em tua saia como umas migalhas,
dá de comer ao esquecimento com tão frágil manjar.
Página publicada em setembro de 2018
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