LOURDES ESPÍNOLA
Nascida em Assunção, Paraguai, Lourdes Espínola é poeta, diplomata, professora universitária, crítica literária e jornalista cultural. Entre os anos 1975 e 1985, morou nos E.U.A. como membro activo do mundo cultural norte-americano, tendo sido membro da Modern Language Association, da South Central Modern Language Association, e da Latin American Studies Association.
Sua formação universitária engrossa as áreas das Ciências e Biologia, a Administração Publica, as Humanidades, e a Literatura. Possui uma Licenciatura em Letras e em Biologia da North Texas State University (E.U.A.), um Master em Administração Publica da Southwest Texas State University (E.U.A.), um Doutoramento em Odontologia da Universidad Nacional em Paraguai, além de um Doutorado em Filologia da Universidad Complutense de Madrid, Espanha.
No ano 1997 foi oficialmente convidada pelo governo dos Estados Unidos de América (USIS, United States Information Service) para representar ao Paraguai no prestigioso International Writer’s Program na Universidade de Iowa. Foi nesse mesmo período que a Dra. Espínola foi convidada como poeta e conferenciante na Wellesley College, na University of Miami, e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, D.C.
A Dra. Espínola recebeu convites oficiais do governo francês para fazer leituras de sua obra literária e para participar e dirigir paneis de crítica literária nas Universidades francesas de Caen, Toulouse Le Mirail, Avignon, Montepellier, e na Sorbonne de Paris. Lourdes Espínola foi a Directora de Relações Internacionais do Centro Paraguaio-Japonês (Câmara Municipal de Assunção) e Directora de Relações Internacionais Direcção de Cultura da Câmara Municipal de Assunção, e é catedrática da Universidad del Norte em Paraguai.
Lourdes Espínola tem nove livros da sua autoria publicados até hoje, sendo os títulos mais recentes: Womanhood and Other Misfortunes (Ser Mulher e Outras Desventuras, Latitudes Press - E.U.A.), Timpano y Silencio,Alcandara Editora, Paraguay, La Estrategia del Caracol(Manrique Zago Ediciones/ Arandurá Ediciones, Buenos Aires/ Asuncion)Encre de Femme (Tinta de Mulher, Indigo Editions - Paris), e Les Mots du Corps (As Palavras do Corpo, Indigo Cote Femmes - Paris), sua obra foi traduzida a várias linguas e publicadas em Franca, Itália, Alemanha, nos E.U.A., Venezuela, Mexico,Argentina, Espanha, entre outros.
A sua obra trata da situação da mulher, da reflexão sobre o corpo e da condición amorosa. O seus ensaios literários e contos breves também aspectos sociais, dos directos humanos, a liberdade e a condição da mulher no mundo actual.
Entre os prémios literários galardoados à Lourdes Espínola, destacam o primeiro prémio Sigma Delta Pi, nos E.U.A., o primeiro prémio do Concurso Literário Internacional Santiago Vilas, nos E.U.A., e também o primeiro prémio La Porte des Poètes, em Paris, França, ademas de ser nombrada Ciudadana Honoraria del Estado de Texas y Escritora del año 2005 por la Maison Internationale del Poètes et des Écrivains de Franca.
Lourdes Espínola foi Conselheiro Cultural da Embaixada do Paraguai em Madrid (Espanha) e diplomata da Embaixada do Paraguai em Lisboa.
Masters (Southwest Texas State University)y dos Doctorados (Universidad Nacional de Asunción y Universidad Complutense de Madrid) en las áreas de Literatura y Odontologia y Relaciones
Internacionales.
Entre sus premios y distinciones se encuentran: Primer premio de poesía Sigma Delta Phi (EE.UU)1977. Primer Premio Santiago Vilas (EE.UU)1977.Premio La Porte des poetes (Francia)1999. Premio Nacional de poesía Herib Campos Cervera (Paraguay); Mención de Honor – Premio Nacional de Literatura (Paraguay)2013.
Fue distinguida como Ciudadana Honoraria del estado de Texas por sus méritos literarios (1978). Invitada al prestigioso programa International Writers Program -University of Iowa en 1997.
Fue elegida en 2005 en Francia poeta extranjera del año por la Maison de Poètes et des Ecrivains y condecorada Caballero en 2011 con la Orden de las Artes y las Letras de la República de Francia. La obra de Lourdes Espínola, ha sido traducida al francés, italiano, portugués, alemán e inglés y es estudiada en universidades europeas y americanas.
Ha publicado los siguientes libros : Visión del Arcángel en once puertas. (Ed. Cultura , Asunción, 1973) Monocorde Amarillo ( Asunción, 1976) Almenas del Silencio ( Asunción,1977) Ser mujer y otras desventuras, Latitudes Press, edición bilingüe: inglés – español (EE.UU).1985. Tímpano y Silencio (Alcandara Editora , Asunción, 1986) Partidas y regresos (Intercontinental Editora, Asunción, Encre de femme/Tinta de mujer, edición bilingüe español – francés, Índigo Editions (Francia) 1997. Les mots du corps/ La palabras del cuerpo, edición bilingüe español – francés, Índigo Cote Femmes (Francia) 2001. As nupcias silenciosas, traducción al portugués, Ediciones Quasi (Portugal) 2006 Segunda edición ,Glaciar Ediciones- Portugal, 2016. Desnuda en la palabra, Ediciones Torremozas, (España) 2011, con prólogo de José Emilio Pacheco. Antología Poética, Editorial Servilibro, Asunción, 2013. Todo Poema es Animal de Caza, Editorial Verbum (España) 2018.
ANTOLOGIA POÉTICA
LOURDES ESPÍNOLA
Selecção e tradução
de
Albano Martins
(Portugal)
SER MULHER E OUTRAS DESVENTURAS
NASCER MULHER-POETA
A alternativa:
saltar da varanda; estilhaçá-la.
Saias, leque, fio, agulha:
dispo-me e insurjo-me.
Estou farta de olhar a vida
desta varanda!
Cárcere semicircular
orelha surda, surda boca
grito e falo
do solitário ofício de escrever.
Manuscrito de visões interiores,
espelhos de mulher abrindo-se.
Nasço
Rasgando fontes de veneno.
DELMIRA
Ser contradição ou mulher
é a mesma coisa, afinal,
arder
fingir pudor
calar, cantar
adorar o próprio corpo
engalaná-lo com vestidos
cremes, perfumes e artifícios
tudo envolto em falsa modéstia.
E ter
a medida exacta,
o olhar virginal
os olhos sorridentes
mas desejando
a longa carícia
que solte os cavalos
do desejo sabiamente reprimido.
SOLIDÃO
Com o cheiro dos meus poros,
inclinas-te comodamente
sobre o longo corredor do meu peito.
Órfã de mim mesma,
percorres as minhas entranhas,
reconheces o teu velho território.
Escorpião mordido
pelo seu próprio veneno
vejo-me retorcida
no teu sorriso final.
TÍMPANO E SILÊNCIO
VAMOS CONSIDERAR TUDO
Vamos considerar tudo:
o teu olhar empapado de outras noites,
as tuas mãos de semente
prestes a cravar-se nas minhas costas,
e sobretudo o teu fogo, tão criador
e que receio me destrua;
e também
a morte pontual do amor,
como tu disseste.
É melhor, porém, assim: não consideremos nada.
COMO TERRA MALDITA
Como terra maldita,
o centro do teu útero.
Como intermináveis escravos
sem valor de mercado:
as mulheres
passam de mão em mão,
mas as suas nunca
aprisionarão o próprio destino.
PROCURAR A TUA BÚSSOLA...
Procurar a tua bússola,
ser taça, fruto, receptáculo,
som do amor
que se junta na água e na terra.
Madrugadas tardias
a tecer a tua boca na minha almofada
( entre a meada da lembrança
e a do esquecimento ).
Acordo tersa,
fecunda hélice perene;
esta espiral aquática
que ignora sempre o teu apelo.
Jogo do tímpano e do som
carregado de humidade e de colinas,
de língua de desejo
ou tensa funda.
Eu sou a tépida humidade
que não volta,
sou o desejo que espera em silêncio,
sou a outra que acorda de madrugada.
UMAS MÃOS EXPERIENTES
Umas mãos experientes
que seguram
o louco cavalo dos meus seios,
e em núpcias silenciosas
vemos o teu corpo alongar-se no meu.
Braceletes e pálpebras cingem-te,
desejariam prender-te
enchendo as noites de gritos e gemidos
à espera do néctar enlouquecido,
o encontro diferido do momento
de poder, talvez,
vencer a morte.
CADA ÁRVORE, UMA FLAUTA
Cada árvore, uma flauta
e cada flauta uma lança.
Cada rumor uma sinfonia
e a sinfonia um grito de combate.
( Quem quiser compreender
que compreenda. )
Em silêncio e só,
o bosque embandeira-se de luar,
o coração humano
esquece tremores e desmesuras.
Em memória dos dias maus
- estou certa –
sairei airosamente do Juízo Final:
assim me prometeram
os antigos deuses.
PARTIDAS E REGRESSOS
VAMOS TENTAR
Vamos tentar
enganar a vida;
talvez ela não se aperceba
porque é de noite e está frio
e a morte também está ocupada noutro sítio.
Talvez consigamos esconder-nos,
a lua tem nuvens e há silêncios a encobri-la...
Fingiremos que isso realmente não importa;
que estamos sós pela primeira vez,
com o corpo estendido
neste enxame perfeito,
como uma cilada única
que espera há séculos.
UMA MULHER É APENAS...
Uma mulher é apenas
essa que às vezes
faz crescer ( no lugar errado )
a dúvida
numa ênfase sem lógica,
o arrepio que devagar...
Uma mulher impõe-se suavemente
com movimentos de peixe;
ela insinua-se nos teus sentidos e nas tuas palavras;
deixa um livro aberto entre os lençóis
e uma camélia
de fogo nas tuas pernas.
EXPLICAÇÃO
E li tantas histórias com final feliz
de fadas e princesas,
de duendes e país de maravilhas,
que comecei a acreditar
que talvez eu também pudesse entrar no espelho do conto,
que por qualquer razão
também eu escapasse às ciladas do esquecimento
e do adeus aos afectos no pretérito perfeito.
A ESTRATÉGIA DO CARACOL
A VIDA É UM MAL PASSAGEIRO
Hoje todos os meus fantasmas vieram visitar-me,
desordenadamente mas firmes...
fatais no encontro:
a minha infância, a minha adolescência,
o meu passado e o meu futuro.
Hoje tenho medo do telefone
ou da campainha,
não quero encontrar-me cara a cara
com a minha sombra
na casa solitária.
Hoje não me custa carregar com a máscara:
cabelos brancos, rugas, semblante envelhecido,
mas custa-me não ter:
o meu filho pequeno,
uma mãe que ria
e um irmão que brinque com aviões;
um pai quase omnipotente
e uma irmã que venda, descalça,
jasmins ao domingo...
Quero desenredar o fio,
voltar “era uma vez”
para a minha história
roubar-te uma esperança distraída.
E ELES TAMBÉM ESTAVAM ALI
O sangue dos construtores de pirâmides
misturado com o fumo dos fornos de Auschwitz
( comida de leões nos primitivos tempos ).
O cogumelo de Hiroshima e
a laranja vietnamita
com vozes de remadores fenícios.
Um pirata e um índio atados
ao mastro e açoitados...
são sombras que de noite
clamam e reclamam.
Eles estão também
agora aqui.
( MESMO QUE AS TUAS VEIAS GELEM )
Hoje aviso-te
que ficarei para sempre
arquejando no teu corpo,
na orla infinita da tua mão,
no teu ombro, que é uma espada.
Na tua língua, que é a minha.
Só o teu coração saberá
se é
promessa ou ameaça,
mas ficarei para sempre
e basta.
E entre os dois – estranhamente -
termina o absurdo território do poder.
Aproximas-te:
água-deserto-mel,
e estendo-me
mel-deserto-água.
Não sei onde começas,
onde começo...
como a dança do golfinho no oceano.
BÚSSOLA
Uma bússola do tamanho dos teus olhos
que contenha o universo,
ou uma estrela
que multiplique o mistério
do coração apertado.
Uma bússola
de cúmplice latejo,
um caracol
que conta histórias ao ouvido.
Tiraram-me a palavra
todas as vogais partiram ao teu encontro...
os adjectivos enlouqueceram
e as cordas vocais ficaram tensas
até se soltarem como setas,
e a voz não era a minha
e um formigueiro vulcânico
me arrebatou por completo
e todos os cânticos silenciosos
que habitavam em mim...
se dilataram
até encontrar a carnuda, a morna
presença da tua mão.
Eu era um cego
explorando os secretos jardins do seu coração...
palpando bocas de silêncio,
e sabendo que havia espelhos que não podia ver.
Escutando o furacão dos sentidos...
Eu era um cego, ou uma criança acordando
no alto refúgio de um sonho.
E foram noites e foram dias
a vaguear em cegos labirintos,
caminhando descalços
por pradarias de vidro...
até chegar ao teu corpo.
Morder poemas, cores e cânticos
com a certeza do destino cumprido.
( Hoje assusta-me pensar
que podíamos não nos ter encontrado. )
AS PALAVRAS DO CORPO
Os nossos corpos molhados pela água,
lambidos, entrelaçados,
o mar faz-nos cócegas no sexo,
um pé, a nuca...
A água espumosa
que nos agarra, um braço
como um toque por distracção
que te apanha,
me apanha...
mas esquivo-me, tu estendes-te.
As nossas asas tocam-se,
as nossas pernas enlaçam-se
e a água
por dentro, por fora, por dentro.
Os nossos corpos: a água.
A lua impiedosa
ou a tua língua, lavando-me
inteira e brilhante,
despiu-nos.
O teu corpo, espelho interminável,
sabia que a maldade
estava ocupada noutro sítio.
E possuíste-me inteira
no descuido exacto da vida.
Eu serei Margarida e tu o mestre,
Merlin com sua língua
na cova mais funda
e a minha boca
uma bússola no teu corpo.
Os postes circulares da tua cama
convergem nos nós das minhas pernas
- a luz era uma vela –
mas os teus olhos
dardos na noite.
O silêncio ganhou um cheiro a sândalo marinho:
esse que derrete
as máscaras.
CORPO
Ofereço-te:
esta coordenada-cordilheira
esta longa seda desprendida
o buraco, o vale, o abraço prolongado.
Cavalga amor com mãos acesas
- argonauta da bússola partida –
para que sul e norte se soltem
para que os signos azuis
te devorem,
para que a minha voz cubra
o teu silêncio.
Onde reconheci o teu sinal,
onde reconheci o meu?
Na tua voz, nos teus olhos, nas tuas mãos
ou no silêncio que precede o silêncio?
A tua mão ordena a desordem do caos
e a minha paixão agita os ramos da árvore
que há dentro de ti
para que os frutos caiam.
Que generosos são os deuses
sábios e calados!
Posso observar o seu sorriso
de prazer, de entendimento
quando nos vêem
caminhando juntos,
desenredando os fios
em estranhos, secretos labirintos.
Podem acontecer duas coisas:
que o caracol se vire sobre si mesmo
ou que se erga rolando
para fora.
Assim são os caminhos,
as nossas vidas.
Eu dobrada sobre mim mesma
e tu estendendo-te, cingindo.
Num ponto qualquer
os círculos concêntricos
tocaram-se:
estranhos meteoros
de rápidos planetas.
Não te enganes,
posso ensinar-te muitas coisas.
Guardo dentro de mim esse segredo,
o que procuraste e procuras
em tantas outras mãos.
De noite, quando as tuas pálpebras te cobrem,
escapo-me,
visito os teus fantasmas
e examino lentamente as tuas feridas
sanadas pela minha língua.
Quando te aproximas
e pensas
escondo-me e, de assalto,
digo o teu nome, esconjuro-o.
E cresço dentro do teu corpo
e tu dilatas-te no meu coração
porque assim o disseram
os antigos deuses.
Espero-te, embora estejas a meu lado,
calado e como ausente.
Espero o sinal
para o silencioso encontro
das tuas torres com os meus cumes,
do teu abismo
com os meus braços.
Embora digas o meu nome em sonhos,
espero-te desde esta imensa
eternidade,
desde o território do amor,
semeando.
A tua carícia é um laço,
seda colada à minha pele,
veludo que se estende
e se agarra às minhas pernas.
A tua carícia é um látego feroz
que me submete ao jugo do teu tempo
e do teu prazer.
A tua carícia solta
o mar enlouquecido
dos meus gemidos.
Se pudesses ver que sou uma espécie em extinção:
humana, demasiado humana.
Se o teu cérebro pudesse autorizar
o teu coração,
se fechasses os olhos.
Se sentisses
toda esta constelação que treme
nas minhas mãos.
Se pudesses receber o meu coração,
olhá-lo fixamente,
ser sua testemunha
antes que se extinga.
Se pudesses.
Um dia os ponteiros dos relógios girarão ao contrário
e os nomes repetir-se-ão
sem pensar nisso.
A presença de tantas madrugadas
que trago nos alforges
despertará.
E abrir-te-ei a porta
como antigamente:
tremor, raiz cravada no meu epicentro.
A noite será oferenda:
a serpente de seda e a taça da ninfa,
unidas,
tão amadas.
( DE COMO AS MULHERES ESCREVEM POEMAS ERÓTICOS )
Se escrevesse um poema sobre nós,
seria censurada.
Deixa-me então contar-te
como o junco se faz cana
e espalha lá dentro o seu mel oculto.
Ou falar-te daquela orquídea violeta
de pétalas e pétalas que navegam em seiva,
ou de como ela se abre
e entram estrelas
que iluminam o sangue, esse que estava adormecido.
E de como os olhos bebem
o dicionário todo.
Mas façamos um contrato:
a ninguém o contemos
para que este poema não morra censurado.
A viagem da minha vida:
suficientemente fechada
para me proteger,
suficientemente porosa
para que tu penetres...
II
A minha roupa virada do avesso,
com as costuras à mostra:
pequenas cicatrizes do meu corpo.
Procurar equilibrar um anjo
nas tuas longas pernas,
é assim que me tens...
e manténs.
III
A lua foi um presente poeirento
- perfeito e único –
que tinha que devolver no dia seguinte:
dependurei-a, pontual,
polida, clara,
dançando na ponta dum fio transparente.
Restaurar o meu corpo,
dar-lhe
luz, cor, movimento
ou talvez um coração espremido
em frases de poemas como fugas.
Um gesto, uma sombra, uma silhueta,
construir com círculos de ritmo
um rosto, uma luz, um carrocel,
ou melhor, uma perfeita analogia.
Restaurar o meu corpo:
Uma abstracção tão luminosa em seu desejo.
CORPO
No meu corpo convergem
os mitos silenciosos.
O teu sexo, minotauro
e a criação dos gémeos nos meus seios.
A árvore da vida do meu ventre
e a sinfonia de todos os adeuses.
Repositório de histórias antigas
de tudo o que foi e o que foram
mãos ensanguentadas
de unicórnio partido.
Reconheço-me em cada canto
onde repousam,
quentes e descalços,
os quebrados mitos.
MITO DA CRIAÇÃO
Abri as pernas
para dar luz ao sol.
O calor derretia-se nas minhas costas
e a sua luz
iluminava os meus joelhos.
As articulações, ao rodar,
transformaram-se em música
que se apaziguava com o passar do tempo.
Abri os braços
e dos seios nasceu a lua.
Então a tua língua
ergueu-me para a humanidade inteira.
Despi-me toda:
dos dedos ao ventre,
da minha pele à tua,
do meu pulsar à tua mão.
Estendi-me,
a oferenda dos deuses:
palpitante, morna,
balbuciando segredos.
E puseste as mãos
em concha, como ninhos,
e sentiste o fogo
e fechaste os olhos.
A luz brilhante cega
quando não a esperamos.
NO TERRENO DO SAGRADO
Foi primeiro a tua mão,
deslizando como um peixe
na humidade das minhas pernas.
Depois o estilete da tua língua
na minha boca,
na humidade do meu desejo.
E nas tuas mãos a sacra oferenda...
pousada em vedados territórios.
Despi-me
diante do teu espelho, reflexo do universo,
recebeu-me
a tua humidade, a forma suave de te moldares
ao meu corpo.
Fui tocada: os dois seios,
e começou o feitiço,
lambeu-me a cintura,
percorreu-me as pernas,
fez-me cócegas nas nervuras
dum pé como peixe irrequieto.
Tu não precisaste de te despir,
estavas despido desde sempre,
os lagos precedem as mulheres,
estão ali à espera
que neles mergulhemos
e nos afundemos.
MY SOLE DESIRE
O meu único desejo é desnudar-me,
deitar fora o último despojo
quando os leões rugem
ou os erectos unicórnios arquejantes.
O meu único desejo: ser dona da minha língua,
morder o suco obscuro da palavra atada
e no meu cofre; pirata de despojos,
atarei as minhas meias e os meus cabelos
ao corno partido da tua fronte.
Um anjo ou Chagall à beira da tua cama,
a lua decapitada
e as núpcias tardias
que tantas vezes experimentei antes de ti.
O incenso ou a vela do teu sexo aceso,
o azul contemplava-nos de fora.
A chuva, acrobata húmida
como o meu corpo horizontal,
suave como o teu espasmo,
tão silencioso
como o eco interminável duma pulsação.
TELEFONE
O beijo venenoso:
a tua voz como um espelho
que acorda lembranças
de tacto em silêncio.
Longe do prazer,
vazia da dor
digo o teu nome, à beira da minha língua.
E o som rola
como o meu coração:
casca impregnada das tuas mãos
que ainda pulsa quando cessa o teu apelo.
ESPÍNOLA, Lourdes. Antología poética. Asunción, Paraguay: Fondec, 2013. 605 p. Textos em español, inglês. Francês e português. ISBN 978-99953-0413-3
Página publicada em outubro de 2007. Ampliada em julho de 2015; ampliação da biograffia em agosto de 2020
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