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ROBERTO SOSA
Arte espacial
Llevo conmigo un abatido buho.
En los escombros levanté mi casa.
Dije
mi pensamiento a hombres de imágenes impúdicas.
En la extensión me inclino hecho paisaje, y siento,
vuelta música, la sombra de una amante sepultada.
Dentro de mi se abre el espacio
de un mundo para todos dividido.
Estos versos devuelven lo que ya he recibido:
un mar de fondo,
las curvas del anzuelo,
el coletazo de un pez ahogado en sangre,
los feroces silbidos enterrados, la forma
que adoptó la cuchillada, el terror congelado entre mis
dedos.
Comprendo que la rosa no cabe en la escritura.
En una cuerda bailo hasta el amanecer
temiendo — cada instante — la breve melodía de un
tropiezo.
Arte espacial
Carrego comigo uma prostrada coruja.
Nos escombros ergui minha casa.
Disse
meu pensamento a homens de imagens impudentes.
Na amplitude me inclino feito paisagem, e sinto,
tomada música, a sombra da amante sepultada.
Dentro de mim se abre o espaço
de um mundo para todos dividido:
Estes versos devolvem o que já recebi:
um alto-mar,
as curvas do anzol,
o estrebuchar de um peixe afogado em sangue,
os ferozes sibilos enterrados, a forma
que adotou a facada, o terror entre meus dedos
congelado.
Compreendo que a rosa no cabe na escritura.
Numa corda bailo até o amanhecer,
temendo — cada instante — a breve melodia de um
tropeço.
(Traducción de Carlos Augusto Andêde Nougué)
DOIS POEMAS DE ROBERTO SOSA
TRADUZIDOS POR FLORIANO MARTINS
LOS CLAUSTROS
Nuestros cazadores
–casi nuestros amigos–
nos han enseñado, sin equivocarse jamás,
los diferentes ritmos
que conducen al miedo.
Nos han amaestrado con sutileza.
Hablamos,
leemos y escribimos sobre la claridad.
Admiramos sus sombras
que aparecen de pronto.
Oímos
los sonidos de los cuernos
mezclados
con los ruidos suplicantes del océano.
Sin embargo
sabemos que somos los animales
con guirnaldas de horror en el cuerpo;
los cercenados a sangre fría; los que se han dormido
en un museo de cera
vigilado
por maniquíes de metal violento.
OS CLAUSTROS
Nossos caçadores
– quase nossos amigos –
nos ensinaram, sem que jamais se equivocassem,
os diferentes ritmos
que conduzem ao medo.
Fomos amestrados com sutileza.
Falamos,
lemos e escrevemos sobre a claridade.
Admiramos suas sombras
que logo aparecem.
Ouvimos
os sons dos chifres
mesclados
com os ruídos suplicantes do oceano.
No entanto,
sabemos que somos os animais
com grinaldas de horror no corpo;
os fatiados a sangue frio; os que dormiram
em um museu de cera
vigiado
por manequins de metal violento.
DESPUES DE LOS ENCUENTROS
Sobrevivo y envejezco.
Respiro
el aire quieto de las fotografías.
Cruzo puentes tendidos sobre dos oquedades.
Tropiezo
y caigo envuelto
en repentinos lazos
dispuestos
por algunos abogados de mirada podrida.
(Los rostros aumentan
o desaparecen
con absoluta falta de misterio.)
hablo con campesinos,
con ocultos banqueros;
con mujeres rubias inclinadas en las flores.
Con poetas ya vencidos
por el vino y la noche
que cortan de un tajo la luna.
Veo en la ciudad un cuadro vacío.
Y advierto
lentamente
que se llena de plomo mi esqueleto.
APÓS OS ENCONTROS
Sobrevivo e envelheço.
Respiro
o ar quieto das fotografias.
Cruzo pontes estendidas sobre dois vãos.
Tropeço
e caio envolto
em laços repentinos
dispostos
por alguns advogados de olhar putrefato.
(Os rostos aumentam
ou desaparecem
com absoluta falta de mistério.)
falo com camponeses,
com ocultos banqueiros;
com mulheres loiras inclinadas nas flores.
Com poetas já vencidos
pelo vinho e pela noite
que cortam a lua de um só talho.
Vejo na cidade um quadro vazio.
E advirto
lentamente
que se enche de chumbo meu esqueleto.
O poeta Roberto Sosa e os limites do fogo
A poesia indaga a mutante realidade e seu protagonista, o ser humano, chame-se poeta ou não, envolto pelo tempo e espaço, duas categorias da matéria
Floriano Martins*
Especial para o Diário de Cuiabá
O poeta Roberto Sosa (Honduras, 1930-2011) em vida alcançou o mais alto prestígio internacional na tradição lírica de seu país. Seu livro Los pobres, publicado na Espanha em 1968, ganhou o prêmio Adonais de Poesia, destacando-se como o primeiro latino-americano merecedor do mesmo. Alguns anos depois, com Un mundo para todos dividido (1971), ganha o prêmio Casa das Américas, em Cuba. E em 1990 o governo francês lhe outorga o grau de Cavalheiro da Ordem das Artes e das Letras. Neste mesmo ano se publica sua obra completa, embora não tenha cessado aí sua produção, à qual se somam ainda livros importantes como Máscara suelta (1994) e El llanto de las cosas (1995). Esta entrevista integra o livro Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica (2010), dois volumes que somam quase mil páginas, de autoria de nosso colaborador Floriano Martins, publicado na Venezuela pela Fundación Editorial El Perro y La Rana. Agradecimentos à viúva do poeta, Lidia Ortiz, pela generosa cessão das fotografias de Roberto Sosa.
FLORIANO MARTINS: Em entrevista concedida a Edward Hood, te referes à poesia como um “instrumento de indagação”, e também como “uma concentração química da realidade”. Quem é o protagonista de tua poética e o que indaga em sua relação (“mutante como um rio heraclitano”) com a realidade?
ROBERTO SOSA: A poesia indaga a mutante realidade e seu protagonista, neste caso o ser humano, chame-se poeta ou não, envolto pelo tempo e espaço, duas categorias da matéria.
FM:Roberto Armijo refere-se a um “ambiente poético ainda pressionado pela influência de Neruda”, como sendo o momento em que surges com uma poética onde se mostra um “tenaz processo de busca e depuração”. É possível avaliar prejuízos no tocante a essa demasiada influência de Neruda na poesia hispano-americana? E quais teriam sido tuas buscas estéticas em meio àquele ambiente poético?
RS: O poeta Roberto Armijo, morto em Paris e enterrado em seu país de origem afirmou que o ambiente poético atual ainda está pressionado pela influência de Neruda. Tal pressão se refere à catarata de poetas que produziu a imitação servil das fórmulas que utilizou Pablo Neruda, especialmente em seu livro 20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada. Minhas influências podem-se localizar no escritor italiano Geovani Papini, Franz Kafka e Antonio Machado.
FM: Tua geração é a mesmo de Roque Dalton (El Salvador) e Carlos Martínez Rivas (Nicarágua). Que coincidências estéticas compartilhas com estes poetas e como se relacionavam entre si? Conheceste a ambos?
RS: Não conheci Roque Dalton pessoalmente. Conheci e relacionei-me com Carlos Martínez Rivas, poeta nascido na Guatemala e nacionalizado na República de Nicarágua. Que eu saiba não existem coincidências estéticas com os eventos delineados por Dalton e Martínez Rivas.
FM: Incluo entre teus contemporâneos, o panamenho José Guillermo Ros-Zanet. No entanto, observo que não se costuma situar o Panamá como parte da América Central. Roberto Armijo e Rigoberto Paredes, por exemplo, quando prepararam sua antologia Poesía contemporánea de Centro América (1983), não fazem uma menção que seja àquele país, o que me parece um grave equívoco. Independente disto, é curioso observar que o panamenho Rogelio Sinán esteja entre os poetas desta parte do continente que se possa considerar como dos mais atentos às vanguardas literárias, seja pela publicação pioneira de Onda como pela realização de uma novela fascinante como Isla mágica. Gostaria muito de ouvir tua opinião a este respeito.
RS: Efetivamente, o Panamá fatalmente pertence ao istmo centro-americano. Na atualidade as relações políticas, econômicas, sociais e culturais, nos demonstram que o Panamá, povo e artistas, se integram ao velho sonho de Francisco Morazán da unidade ístmica. Rogelio Sinán iniciou com seu livro Onda a vanguarda poética panamenha. Isto é um fato aceito por nativos e estrangeiros. Sinán é a figura revolucionária da literatura panamenha.
FM: Em outra ocasião disseste que Honduras se trata de um país de poetas. Observo ali uma maioria quase absoluta de vozes masculinas, parecendo-me que Clementina Suárez é uma voz feminina praticamente sozinha dentro dessa tradição poética. Roberto Armijo ali destaca “seu interesse por incorporar à sua poesia elementos da realidade social hondurenha”, comparando sua importância com a da costarriquenha Eunice Odio. Esta poeta, no entanto, pertence à mesma geração de uma outra mulher, a salvadorenha Claribel Alegría, e talvez com ela coubesse melhor comparação, ambas bem mais jovens do que Clementina. Em termos estéticos, como analisaria a contribuição delas três?
RS: Honduras forma parte importante do território poético centro-americano. A maioria de suas vozes são masculinas. Clementina Suárez constitui uma exceção. Aliás esta poeta foi assassinada em 1991. O assassino ainda está solto. Armijo destaca em seu romance El Asma del Leviatán alguns elementos de origem hondurenha, já que seu pai nasceu em Honduras e conheceu de perto acontecimentos históricos deste país. Eunice Odio de nacionalidade costarriquense não pertence à mesma geração de Claribel Alegría, poeta nicaragüense que se auto-considera salvadorenha. Efetivamente, nasceram depois de Clementina Suárez, quem nasceu no princípio do século passado. Clementina Suárez, Eunice Odio e Claribel Alegría enfocam a realidade centro-americana a partir de diferentes óticas. Todas elas impulsionadas por suas respectivas realidades, se bem que compartilhem o testemunho, a denúncia e uma comum ideologia política própria de seu tempo e circunstância.
FLORIANO MARTINS: Gostaria de mencionar aqui dois momentos de uma entrevista minha com Pablo Antonio Cuadra. No primeiro deles, conversamos sobre as relações entre revolução e poesia, e me disse o seguinte: “Nossa revolução foi possível fazê-la porque iam, adiante, abrindo-lhe caminho, uma poesia e um canto. Logo a revolução foi desviada traiçoeiramente: de tais desvios anti-poéticos está repleta a prosa da história.” Em uma entrevista tua a María Antonia Martínez de Fuentes, declaras que “a literatura não faz revoluções e se as faz é precisamente no campo literário, mas é coadjuvante de repente até remota dentro de uma reestruturação social”. Penso também no grupo guatemalteco Saker-ti. Dentro desse enfoque de relações possíveis entre poesia e revolução, como buscar paralelos entre Honduras e Nicarágua?
ROBERTO SOSA: Penso que a literatura não faz revoluções armadas. Pablo Antonio Cuadra jamais aceitou envolver-se nem política nem literariamente com a conseqüência cultural da revolução sandinista. Não existe paralelismo algum entre poesia e revolução referidos a Honduras e Nicarágua. A maior parte dos enfoques políticos e literários feitos em Honduras se reduzem ao testemunho e ao ataque a figuras ditatoriais e corruptas, de ordem nacional e internacional. Na Nicarágua a poesia exteriorista encabeçada e proposta por Ernesto Cardenal refletiram uma defesa cerrada dos princípios que sustentaram os governantes nicaragüenses (os 9 comandantes do FSLN).
FM: Um segundo momento de minha entrevista com Cuadra diz respeito a Rubén Darío, quando se observa que Darío, ao mesmo tempo em que situava-se como “o último grande renascentista americano” era o responsável por colocar “uma carga de dinamite de ‘estética acrática’ - de rebelião contra a ancilose mental, contra o clichê verbal e o ‘molde único’ -, carga que rebenta o dique e abre novas liberdades: a inundação de todas as culturas e de todos os cânones de beleza”, segundo Cuadra. Em tuas leituras preferidas, mencionas Kafka, Wilde, Vallejo, Machado, Borges. E em nenhum momento te referes a Darío. Gostaria então de conhecer tuas considerações acerca da importância deste poeta.
RS: Sem dúvida que Rubén Darío abriu a primeira grande porta pela qual entrou umas das revoluções literárias mais importantes da literatura ibero-americana. Cantos de Vida y Esperanza é o texto fundamental da poética centro-americana. Entre minhas primeiras leituras estão os poemas de Rubén Darío, entre outros Sonatina, La Marcha Triunfal, Los Motivos del Lobo e um poema que diz assim: “Ama-me em chinês / no sonoro chinês / de litaipo. / Eu igualarei aos sábios poetas que interpretam o destino. / Madrigalizarei junto a teus lábios / direi que és mais bela que a lua / que o tesouro que guarda a importuna/ carícia de marfim de teu leque.” Cito de memória.
FM: Recentemente estive com Ernesto Cardenal e ele me falava de uma instância mito-poética, a relação direta do poeta com seu espaço ambiental, algo essencial para a poesia em qualquer lugar do mundo. Tu mesmo te declaras “plenamente identificado com a sociedade hondurenha”. Cardenal comentava uma má influência do Surrealismo, cuja presença na América Hispânica teria bloqueado essa relação mito-poética. Particularmente não creio nisto, e vejo que há uma pulsação inestimável em aspectos estéticos que aproximam o Surrealismo da Beat Generation (e se poderia falar em Pound ou nos improvisos jazzísticos) que atentam para a importância dessa identificação intrínseca com o particular e o social. O que pensas a este respeito?
RS: Não creio que a poesia, o ato criador possa chegar a ser bloqueada por nada nem por ninguém. A realidade, observada ou meditada é suscetível de ser poetizada: desde um rato até uma menina de 5 anos mexendo num lixão; existem numerosos exemplos registrados ao largo do fazer poético mundial. Os limites unicamente os levantam a cegueira e a pretensão. Se me declaro plenamente identificado com a sociedade hondurenha é pela simples razão de que minha visão do mundo parte deste território. Por outro lado as técnicas emprestadas ou assimiladas ao surrealismo ou à geração Beat ou de Pound não são mais que fatores técnicos ao serviço da busca da realidade expressada em termos artísticos válidos, transcendentes.
FM: Já disseste que “o instinto é um elemento absolutamente válido para poder entender melhor as relações com a realidade artesificada com o que tens em frente”. Como sei que és um poeta profundamente apaixonado pela leitura, não creio que seja de todo impertinente indagar como observas a relação entre instinto e criação poética nos últimos tempos?
RS: Tenho afirmado que o instinto é um elemento absolutamente válido para entender a realidade artesificada. Isso porque nenhum reflexo animal possui a rapidez do instinto. Seu equivalente modificado é a intuição, em íntima relação com o anjo. Falo do poeta como anjo. A poesia dos últimos tempos tende a desangelar-se.
FM: Por último, recorro uma vez mais a uma declaração tua; “creio que este país não tem esperança”. Em que exatamente radica a falta de esperança de um país? Os brasileiros, por exemplo, jamais conseguimos perceber o Brasil como uma nação, uma entidade de qualquer ordem. Encarnas Honduras como se fosse tu mesmo, o que raramente um brasileiro expressaria. Quem não tem esperança: Honduras ou Roberto Sosa?
RS: Sustento que meu país não tem esperança. Tenho-o dito em prosa e verso, de fato e de palavra. Honduras nem eu temos esperança. Este vergonhoso esquema sócio-político e cultural se baseia em que Honduras não é uma nação com identidade, dependente política e economicamente da nação mais poderosa da Terra, inclusive militarmente ocupada, por tempo indefinido.
*Floriano Martins (Ceará, 1957) é poeta, editor, ensaísta e tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura (www.revista.agulha.nom.br) e colabora semanalmente com o DC Ilustrado com uma série de entrevistas que futuramente reunirá em livro intitulado Invenção da América. Contato: arcflorianomartins@gmail.com.
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