POESIA  GALLEGA – POESIA GALEGA  
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                      ROSALÍA  DE CASTRO 
                      (1837-1885) 
                        
                      Natural da Galícia, Espanha, nasceu na cidade de  Santiago de Compostela. Sua poesia inspira-se na lírica popular trovadoresca e  foi escrita em galego e em castelhano. Considerada a figura mais importante da poesia galega do século XIX,  publicou os livros Cantares Gallegos (1863) e Folhas Novas (1880), ambos  escritos em galego, e En las Orillas del  Sar (1884), este considerado os primeiros versos modernos em língua  castelhana.  Sua poesia será relida e  valorizada pela geração de 1898: Antonio Machado, Miguel de Unamuino, Juan  Ramón Jiménez e, mais tarde, Federico García Lorca.  
                      TEXTO EM GALLEGO   /    TEXTO EM PORTUGUÊS 
                      
                      I – VAGUEDÁS 
                        
                      II 
                      Bem sei que non hai  nada 
                      Novo en baixo do ceo, 
                      Que antes outros  pensaron 
                      As cousas que ora  eu penso. 
                        
                      E bem, ¿para que  escribo? 
                      E bem, porque así  semos, 
                      Relox que repetimos 
                      Eternamente o  mesmo. 
                        
                      III 
                        
                      Tal como as nubes 
                      Que impele o vento, 
                      I agora asombran, i  agora alegran 
                      Os espazos inmensos  do ceo, 
                      Así as ideas 
                      Loucas que eu teño, 
                      As imaxes de  múltiples formas, 
                      De estranas  feituras, de cores incertos, 
                      Agora asombran, 
                      Agora acraran 
                      O  fondo sin fondo do meu pensamento. 
                        
                      xxxv 
                        
                                    
                      Eu cantar, cantar, cantei, 
                      a gracia non eramoita, 
                        
                      Que nunca (delo me pesa) 
                      fun eu meniña graciosa. 
                      Cantei como mal sabía 
                      dándolle reviravoltas, 
                      cal fán aquês que non saben 
                      direitamente unha cousa, 
                      pero dempois paseniño, 
                      y un pouco mais alto agora, 
                      fun votando as miñas cantigas 
                      com quen non quer á cousa. 
                      Eu bem quixera, é verdade, 
                      que mais boniteiras foran; 
                      euben quixera que nelas 
                      bailase ó sol c´as pombas, 
                      as bandas auguas c´á luz 
                      y os aires mainos c´as rosas. 
                      Que nelas craras se visen 
                      a espuma d´as verdes ondas, 
                      do ceo as brancas estrelas, 
                      da terr´as prantas hermosas, 
                      as niebras de cor sombriso 
                      qu´aló nas montañas voan; 
                      os berros do triste moucho, 
                      s campaniñas que dobran, 
                      a primadera que ríe 
                      y os paxariños que voan. 
                        
                      Canta que te canta, mentras 
                      os coraçóns tristes choran. 
                      Esto e inda mais, eu quixera 
                      desir con lengua graciosa; 
                      mas don á gracia me falta 
                      o sentimento me sobra, 
                      anqu´este tampouco abasta 
                      para expricar certas cousas, 
                      qu´á veces por fora un canta 
                      mentras que por dentro un chora. 
                      Non me expriquei cal quixera 
                      pois on de expricansa pouca; 
                      si gracia en cantar non teño 
                      o amor da patria m´afoga, 
                      Eu  cantar, cantar, cantei 
                      a  gracia non era moita, 
                      ίmais qué fazer, desdichada, 
                      sin non nacín mais graciosa! 
                        
                      13 
                                           San Antonio bendito, 
                               dádeme um home, 
                                anque me mate, 
                                anque me esfole. 
                        
                        
                          Meu  santo San Antonio, 
                      daime um homiño, 
                      anque o tamaño teña 
                      dun gran de millo. 
                      Daimo, meu santo, 
                      anque os pés teña coxos, 
                      mancos os brazos. 
                        
                           Uma mller sin home..., 
                      ίsanto bendito!, 
                      é corpiño sin alma, 
                      festa sin trigo, 
                      pau viradoiro 
                      que onda queira que vaia 
                      troncho que troncho. 
                        
                           Mais, em tendo um homiño, 
                      ίVirxe do Carme!, 
                      non hai mundo que chegue 
                      pra um folgarse. 
                      Que, zambo ou trenco, 
                      sempre é bo ter un home 
                      para um remédio. 
                        
                          Eu  sei dum que cobisa 
                      causa miralo, 
                      lanzaliño de corpo, 
                      roxo e encarnado, 
                      caniñas de manteiga, 
                      e palavras tan doces 
                      qual mentireiras. 
                        
                      Por el peno de día, 
                      de noite peno, 
                      pensando nos seus  ollos 
                      color de ceo; 
                      mais el, xá doito, 
                      de amoriños  entende, 
                      de casar pouco. 
                        
                          Facé, meu Sant Antonio, 
                      que onda min veña 
                      para casar conmigo, 
                      nena solteir 
                      que levo en dote 
                      uma culler de  ferro, 
                      carro de boxe, 
                        
                          un irmanciño novo 
                      que xá tem dentes, 
                      unha vaquiña vella 
                      que non dá leite... 
                      ίAi, meu santiño!: 
                      face que tal suceda 
                      cal volo pido. 
                        
                          San Antonio  bendito, 
                      dádeme um home, 
                      anque me mate, 
                      anque me esfole, 
                      que, zambo ou  trenco, 
                      sempre é bo ter un  home 
                      para um remédio. 
                        
                      
                        
                      TEXTO EM PORTUGUÊS  
                      I – VAGUEDADES 
                        
                      Tradução de Andityas  Soares de Moura 
                        
                      II 
                      Bem sei que não há nada de 
                      Novo sob o céu, 
                      Que antes outros pensaram 
                      As cousas que ora eu penso. 
                        
                      Bem, para que escrevo? 
                      Bem, porque somos assim: 
                      Relógios que repetem 
                      Eternamente o mesmo. 
                        
                      III 
                        
                      Tal como as nuvens  
                      Que impele o vento, 
                      E ora assombram, e ora alegram 
                      Os espaços imensos do céu, 
                      Assim as idéias 
                      Loucas qu´eu tenho, 
                      As imagens de múltiplas formas, 
                      D´estranhas feituras, de cores  incertas, 
                      Ora assombram, 
                      Ora aclaram 
                      O fundo sem fundo do meu pensamento. 
                        
                      CANTIGA 
                               Tradução de Henriqueta  Lisboa 
                        
                      Eu cantar, cantar, cantei; 
                      a graça não era muita, 
                      pois nunca por meu pesar, 
                      fui eu menina graciosa. 
                      Cantei como foi possível, 
                      dando voltas e mais voltas 
                      assim como quem não sabe 
                      perfeitamente uma cousa. 
                      Porém depois de mansinho 
                      e um pouco mais alto agora, 
                      fui soltando essas cantigas 
                      como quem não quer a cousa. 
                      Eu bem quisera, é verdade, 
                      que elas fossem mais bonitas; 
                      eu bem quisera que nelas  
                      bailasse o sol com as pombas, 
                      as brancas águas com a luz, 
                      e os ares mansos com as rosas. 
                      Que nelas claras se vissem 
                      a espuma das verdes ondas, 
                      do céu as brancas estrelas 
                      da terá as plantas formosas, 
                      as névoas de cor sombria 
                      que lá nas montanhas voam; 
                      os pios do triste mocho, 
                      as campainhas que dobram 
                      a primavera que ri, 
                      e os passarinhos que voam. 
                        
                      E canta que canta, enquanto 
                      os corações tristes choram. 
                      Isto e ainda mais quisera 
                      dizer com língua graciosa; 
                      mas onde a graça me falta, 
                      o sentimento me sobra. 
                      Entretanto isto não basta 
                      par explicar certas cousas 
                      que, às vezes, por fora um canta 
                      enquanto por dentro chora. 
                      Não me expliquei qual quisera: 
                      sou de pouca explicação; 
                      se graça em cantar não tenho, 
                      o amor da terra me afoga. 
                      Eu cantar, cantar, cantei, 
                      a graça não era muita, 
                      mas que fazer —   desgraçada! — 
                      se não nasci mais graciosa. 
                        
                      13 
                          Sant´Antônio bendito, 
                      daí-me  um homem, 
                      ainda  que me mate, 
                      ainda  que m´esfole. 
                        
                        
                          Meu  santo Sant´Antônio, 
                      daí-me um hominho, 
                      ainda que o tamanho tenha 
                      d´um grão de milho. 
                      Daí-mo, meu santo, 
                      ainda que tenha os pés coxos, 
                      tortos os braços. 
                        
                           Uma mulher sem homem..., 
                      santo bendito!, 
                      é corpinho sem alma, 
                      festa sem trigo, 
                      pau viradouro 
                      que onde quer que vá 
                      quebra que quebra. 
                        
                          Mas,  tendo um hominho, 
                      Virgem do Carmo!, 
                      não há mundo que baste 
                      pra alguém folgar. 
                      Pois mesmo cambaio, 
                      sempre é bom ter um homem 
                      pra remediar.  
                        
                           Eu sei dum que cobiça 
                      causa em quem o mira, 
                      esbeltinho de corpo, 
                      vermelho e encarnado, 
                      carninhas de manteiga, 
                      e palavras tão doces 
                      quão mentirosas. 
                        
                           Por ele peno de dia, 
                      de noite peno, 
                      pensando nos seus olhos 
                      cor de céu; 
                      mas ele, já douto, 
                      de namoricos entende, 
                      de casar: pouco. 
                        
                           Fazei, meu Sant´Antônio, 
                      que pra junto de mim venha 
                      para casar comigo, 
                      moça solteira 
                      que levo de dote 
                      uma colher de ferro, 
                      quatro de buxo, 
                        
                           um irmãozinho novo 
                      que já tem dentes, 
                      uma vaquinha velha 
                      que não dá leite... 
                      Ai, meu santinho!: 
                      fazei que tal suceda 
                      qual vos peço. 
                        
                          Sant´Antônio bendito, 
                      daí-me  um homem, 
                      ainda  que me mate, 
                      ainda  que m´esfole, 
                      pois mesmo cambaio, 
                      sempre é bom ter um homem 
                      pra remediar. 
                        
                        
                      
                      CASTRO, Rosalía de. Rosalía de Castro. Poesía. Seleção e versão do galego e do espanhol:  Ecléa Bosi.  2ª. ed.  São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1987.  137 p.   14x20,5 cm.   Ilus.   Capa e ilustrações: Lila Figueiredo. “Orelha”  do livro por Otto Maria Carpeaux.    Ex. bibl. Antonio Miranda 
                      “De fino humor e alma rítmica, as suas  composições fluem para a música, poderiam ser cantadas.” (...) 
                      “A Galiza é a mais velha civilização neolatina  da Península Ibérica; terra matricial que seus filhos chamam tanto de matria  quanto de pátria. Mãe de nosso idioma e mãe de nossa primeira poesia, a  trovadoresca.” 
                      “Rosalía escreveu em um galego ainda vacilante, não codificado,  que ela por equívoco denomina '' dialeto ". Coalhado de indecisões  gráficas, difere do límpido galego moderno cultivado pelos homens de letras. / Foi  a fala da gente humilde da sua infância, dos camponeses e homens do mar, que  ela elevou à dignidade da poesia. E a memória popular havia guardado, por séculos,  os ecos dos cantares de amor e de amigo que na Academia já eram letra morta.” 
                        
                      FOLHAS  NOVAS! FAZ-ME RIR..." * 
                      Folhas Novas!'', faz-me rir  
                      esse nome que levais,  
                      como se à moura bem moura  
                      branca lhe ouvisse chamar. 
                        
                      Não "folhas novas",  ramagem  
                      de giestas e silva sois,  
                      hirtas, como as minhas penas,  
                      feras, como a minha dor. 
                        
                      Sem aroma nem frescura,  
                      bravas, magoais e feris...  
                      Se na gândara brotais,  
                      como não sereis assim? 
                        
                      *   O poema refere-se ao título do livro folhas  Novas. No penúltimo verso a palavra gândara significa charneca; também  existe em português denotando solo adverso para a vegetação. 
                      No 6° verso  traduzimos toxos, planta áspera do mato, por giestas. 
                        
                        
                      "AQUELE RUMOR DE CANTIGAS E RISOS..." 
                        
                      Aquele  RUmor de cantigas e risos,  
                      ir,  vir, conversar; 
                      aquele  falar de coisas que passaram  
                      e  outras que passarão; 
                      aquela,  enfim, vitalidade inquieta  
                      juvenil,  tanto mal  
                      me  fez, que lhes disse: 
                      "Vão  e não voltem mais". 
                        
                      Um  a um desfilaram silenciosos 
                      por  aqui e por lá, 
                      como  as contas rompidas de um rosário 
                      se  espalham pelo chão: 
                      e  o rumor dos seus passos que partiam 
                      até  mim com tal som veio ressoar, 
                      que  não mais tristemente 
                      talvez  ressoará 
                      no  fundo dos sepulcros 
                      o  último adeus que um vivo aos mortos dá. 
                        
                      E  ao fim me encontrei só, mas tão sozinha, 
                      que  ouço da mosca o inquieto revoar, 
                      do  ratinho o roer terço e constante, 
                      e  do fogo o "tchis-tchas'', 
                      quando  da verde rama 
                      o  fresco sumo devorando vai, 
                      parece  que me falam, que os entendo,  
                      e  são meus companheiros; 
                      e  este meu coração lhes diz tremendo: 
                      Não  vão embora não!" 
                        
                      Que  doce, mas que triste,  
                      também  é a solidão! 
                        
                        
                      "AONDE IREI COMIGO?  
                      ONDE ME ESCONDEREI?" 
                        
                      Aonde  irei comigo? Onde me esconderei,  
                      que  já ninguém me veja e eu não veja ninguém? 
                        
                      A  luz do dia assombra-me, pasma-me a das estrelas,  
                      e  os olhares dos homens na alma me penetram. 
                        
                      Pois  o que guardo dentro em mim penso que ao rosto  
                      me  sai, como do mar ao fim um corpo morto 
                        
                      Houvesse,  e que saísse!...; mas não, te levo dentro,  
                      fantasma  pavoroso dos meus remordimentos! 
                        
                        
                        
  
                        
                  Página publicada em  fevereiro de 2008. Ampliada e republicada em setembro de 2014.  |