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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POESÍA ESPAÑOLA
Coordinación de AURORA CUEVAS CERVERÓ
Universidad Complutense de Madrid

 

 

RAFAEL ARGULLOL

 

(Barcelona, 1949) Poeta, novelista y ensayista español. Se licenció y doctoró en Estética en la Universidad Central de su ciudad natal. Impartió clases en las Universidades de Roma y Berkeley, y desde 1988 fue profesor de Estética en la Universidad Central de Barcelona, centro en el que ejerció como catedrático.

Entre su extensa producción se encuentran los libros de poemas Disturbios del conocimiento (1980) y Duelo en el valle de la Muerte (1984). De sus novelas destacan Lampedusa (1981) y El asalto del cielo (1986), cuyo protagonista emprende un viaje iniciático marcado por el descenso existencial a los infiernos, así como por una irrenunciable exigencia de belleza, que es un tema recurrente del autor. En 1989 se publicó Desciende, río invisible, novela centrada en una ciudad inmovilizada, que queda atrapada en un invisible estado de sitio. En 1993 le fue concedido el Premio Nadal de novela por La razón del mal, una obra de corte alegórico en la que subyace una reflexión sobre el mal y sobre la lucha humana entre la memoria y el olvido.

Destacado pensador, entre sus ensayos deben citarse El Quattrocento (1982), La atracción del abismo (1983), El héroe y el único (1984), que propone una reflexión sobre el Romanticismo, planteado como una concepción trágica del hombre moderno, Tres miradas sobre el arte (1985), Territorio del nómada (1988), El fin del mundo como obra de arte (1991), El cansancio de Occidente, escrito en colaboración con el filósofo y ensayista Eugenio Trías (1992) y Sabiduría de la ilusión (1994).

En 1998 apareció Transeuropa, en la que introduce una reflexión sobre la Europa actual a través de un viaje que realiza el protagonista por Europa, de extremo a extremo, desde la Península Ibérica hasta Rusia. En 1999 publicó El afilador de cuchillos, donde se funden la historia y la memoria personal del siglo XX, y en marzo del siguiente año salió su ensayo Aventura. Una filosofía nómada. Con Una educación sensorial. Historia personal del desnudo femenino en la pintura obtuvo el I Premio de Ensayo convocado por la Casa de América y el Fondo de Cultura Económica. En 2003 reunió un puñado de artículos periodísticos en Manifiesto contra la servidumbre. Al año siguiente publicó El puente de fuego, donde describe las experiencias vividas en sus viajes, y Del Ganges al Mediterráneo, que recoge sus conversaciones con el pensador indio Vidya Nivas Mishra.

Fonte da biografia: www.biografiasyvidas.com

 

 

Extraído de

 

 

POESIA SEMPRE. Revista semestral de poesia.  Ano 7 – Número 11. Outubro 1999.   Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 1999.  274 p.  17,5x26 cm.  Editor executivo: Ivan Junqueira.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Rafael Angullol: tempo, jardim ou janela

 

                            Por Eduardo Portella

 

 

   Não sei se o filósofo escrupuloso, o narrador premiado, o crítico de artes plásticas e de literatura, têm deixado espaço para a passagem do poeta. Se não têm, já é hora de que o façam.

   Hoje quero falar, mais do que tudo abrir as páginas da Poesia sempre para apresentar aos nossos leitores o poeta Rafael Argullol (Barcelona, 1949). A coletânea que segue, El afilador de facas, foi preparada pelo próprio autor, especialmente para a nossa revista.

   A metáfora do amolador de facas constitui o núcleo tenso dessa vertiginosa construção. E certamente configura uma poética, sedimentada na tragicidade, no novelo do tempo, na seleção da memória e na contracena inóspita de transeuntes que cortam, desavisadamente, as artérias da cidade.

    A identificação do poeta com o amolador de facas se verifica de diversas maneiras. Antes mesmo dessa identificação, o personagem fronteiriço, dividido entre a morte e a vida, fora rememorado no fragmento 313, de El cazador de instantes Cuaderno de travesta 1990-1995 (1996): "El reclamo de los afiladores ambulantes siempre me há parecido uno de los sonidos más entranables de cuantos se pueden oir en la ciudad."

   Entre essas identificações provavelmente se destacam as peripécias do exilado, o cami¬nhante sem cartografia certa, e o afiador, na sua laboriosa contenda diuturna. O poeta é o exilado, na boa tradição do Ocidente moderno, que talvez remonte a Leopardi ou a Hõlderlin, ou aos dois, enquanto o trabalho da linguagem se confunde com o do amolador de facas, desempenho penetrante e preciso, do mesmo modo que descontraído e quase natural. Tudo isso acontece em meio às imprevisões do tempo na cidade, tendo como limites ilimitados o jardim e a janela. O poeta sabe que a faca afiada corta fundo. E por isso recorre à força simbólica do amolador para revigorar por dentro a peripécia humana e o desafio da linguagem. Afilar corresponde a instaurar o enigma — no desvelo, no sigilo mudo, na extração simultânea. O grito afiado, e desgarrado, é morte e vida. Jamais uma operação pragmática, com a qual se possa descartar do enigma.

   Rafael Argullol fala e deplora, em um dos seus ensaios mais reveladores, a devastação promovida pela razão pragmática, a destituição do enigma, a celebração do único caminho. A irrupção, enfim, dos "hombres ajenos al enigma. La de los hombres sin enigmas" (Sabiduría de la ilusión, 1994). O enigma que se sustenta, não na proteção sedentária do mistério, porém na necessidade de seguir perguntando — nunca para receber respostas apaziguadoras, mas para continuar caminhando e fazendo o caminho. Antes de ser o traço recluso, opaco e intransitivo, o enigma será o jardim confiável e a janela aberta sobre o horizonte sem fim.

   Rafael Argullol pensa com a linguagem a poesia do por que perquiritória, interpelativa, enigmática. A indicação pode estar no verso, quando este fala, e fora do verso, quando este se cala. "Importa la palabra que gotea dei silêncio", diz o poeta. Importam, explicitaria eu, as peripécias cifradas, ou criptografadas, de um mundo escuro. Importam assim as artimanhas do silêncio — a espreita, o sussurro, a comoção. Há sempre a possibilidade do armistício, do acordo ontológico inabitual, ou pelo menos pouco frequente, de significante e significado. Mas sem se dobrar diante do conceito. Porque dobrar-se seria admitir que a labuta paciente e tenaz do amolador de facas chegou finalmente a seu término. E a jornada do amolador, do poeta, vive justamente do recomeçar a cada novo dia.

   O poeta Rafael Argullol cronometra o tempo, o tempo a conta-gotas e o tempo vertiginoso, por entre o que foi, a surpresa do acontecer, e a esperança. Cultiva o jardim serena e compulsivamente, e escancara a janela, ao ponto de reconhecer e divisar no trajeto do exilado, já agora sob a proteção e a lição do pai desaparecido, o possível retorno ao país natal. E quando a morte, principalmente aqui, é vida.

 

 

Poemas de O amolador de facas

 

 

         I

 

O gotejar

 

Lembro as ruas da cidade
no dia da minha morte, com seu metódico caos
e sua magnífica indiferença: milhares de sombras vivem
o bom presente e vagas tentações de futuro;
vivem sobretudo o grande passado
nem doloroso nem prazeroso nem bom nem mau
apenas imenso, glutão gigante que engole
pedras e almas, adormecendo os universos,
para embalá-los, logo, no berço do nada.
Surpreendentes ruas percorridas pelo tempo
que consumiu meu tempo, vertiginosamente
ou lentamente, segundo os momentos e as companhias,
certo, ao fim e ao cabo, se assim foi,
suficiente para saber que cem outras vidas
me encontrariam no mesmo lugar.
Tempo finalmente meu, não por mim
senão por oferecer-me o mundo em formas expressáveis.
Não importa agora sua brutalidade,
suas cerimônias cruéis, seu engano;
importa que o veja acreditando entendê-lo,
tocá-lo com a mão da memória,
acariciar sua pele cheia de traços livres:
importa a palavra que goteja do silêncio.

 

VII

 

O pai escuro  

 

Na noite carnavalesca visto a fantasia do Crime,

E sou o Crime. O pai escuro que nego

com a cara descoberta, sob a couraça diurna.

Mas agora, noturno, sou ele, de sua linhagem,

de sua mesma alma, explorador curioso, como ele,

de sórdidos territórios que na sua baixeza o homem

atribui logo à fera, demónio ou anjo;

nunca a si mesmo. Agora sou o pai escuro

deitando a semente escura nos corações.

Sou o soldado que levanto o fuzil para o réu;

o torturador fechado com sua oferenda

no altar da infâmia; sou o funcionário

da morte, o bom genocida eficaz

dos campos da Europa, das tundras de fel,

atento ao cumprimento do bem comum;

sou, em pleno voo, o piloto da matriz de aço

antes de soltar o deus do extermínio: sou,

mais outro, o prudente cidadão que se apavora

em silêncio com todos os que vou sendo.

Amanhã, com a nova luz, vou negá-lo outra vez.

Mas hoje o pai escuro está comigo,

e me confessa que a fantasia que uso

não é nenhuma fantasia senão a minha cara no inferno.

 

 

XII

 

O cântico dos Desnudos

 

Depois do terremoto não há bonança:

uma parte de mim sucumbe para que a outra viva,

e ao longo de muitas madrugadas vejo

meu corpo caminhando na direção do ocaso,

e nos alvoreceres de chumbo, fiel custódio,

o sobrevoo cruel do pássaro infinito.

Perto de mim o rio da morte batiza:

milhares, Desnudos, submergem com cantos de cristal.

Cantam e morrem na terrível suavidade dos vencidos.

Nessas noites de batismo negro,

o ar se detém, preso à terra

para deixar o mundo sem esperança.

A tentação do rio devora minha vontade;

mas no perigo a vigilância se torna mais atenta

e com mais garra jogamos os dados do porvir

Quando caminho rumo ao cântico dos Desnudos

uma longínqua melodia me interrompe:

embora quase imperceptível, embora tão remota

que atravessa a pele inteira do deserto,

a roda do amolador soa novamente

para despertar em mim desejos que dormiam.

 

 

 

XIX 

A lição

Recebeste a lição do abismo: não há anjo
que desabite o corpo para habitar o ar,
o puro esplendor, a idéia perfeita;
aquela parte do céu está erma.
Abandonado o refúgio, a cabeça descoberta,
sumido o braço, caído, como roubado
pelo centro da terra, você sabe quem é o anjo.
O anjo é a janela que te deixa ver sem véus
a luz, as trevas, o enorme gris.

É o jardim que plantaste com impaciência e desvelo:

pedras, flores, ervas daninhas e inquietas esperanças.

O anjo é o tempo, o borrascoso titã,

as mãos cheias de sangue, mais jogador que guerreiro,

mais arrogante que sábio. O anjo é nomear

a vida: tempo, jardim ou janela.

O anjo é o corpo que resiste ao feitiço da alma

sob a perfeição do meio-dia,

o corpo que busca a sombra de outro corpo

para nascer, morrer e amar.

 

 

 

XXII

 

Os nomes

 

Antes do exílio nomeamos sem nomear

nos basta a torpe proteção da falsa pátria

para crer que as vozes designam o mundo

e assim, vazios e ignorantes, gritamos com suficiência

como se nossos gritos fossem talismãs

que garantem as pulsações da terra.

Mas não há vida em tais palavras; pronunciadas,

são cadáveres arrojados a uma fossa comum.

Somos mensageiros que incessantemente repetimos

o que outros mensageiros nos disseram num dia já esquecido:

sem saber o rumo e o motivo da mensagem.

Até que o dardo nos mate e nos reviva,

e feridos e vazios ensaiemos os nomes das coisas

quase a partir do silêncio, com a cautela do caçador

que se embrenha pelo território da presa.

Não importa agora o grito senão o alento:

queremos sentir o alento dos nomes,

seu respirar, seu ar, o halo que se desprendeu

da boca antiga ao despejá-los para sempre.

Agora os nomes

são o beijo duradouro

entre o que viveu e o que vive

e nós, amantes, somos os lábios que beijam.

 

 

 

XXVII

 

O centro

 

Quando as cidades são os lugares onde amei
sigo um estranho périplo, com fogueiras,
fogos-fátuos, brasas que ainda ardem,
cinzas que já foram cinzas
antes de poder ser chamas.
O que nasceu morto continua morrendo,
o que queimou em vida continua queimando.
Não fui fiel a um lugar ou a uma presença
nem às invocações solenes que os amantes
se oferecem no altar das palavras.
Mas a ti fui fiel porque o teu lugar
está em todos os lugares do mundo.
Tu partiste meu corpo em mil pedaços
E logo o recompuseste pela milagrosa
ausência de tempo, castigo e culpa.
Contigo visitei, confiante, os dois lados
do Véu: o gozo, labirinto sem saída,
e o grande vácuo que circunda o nada.
E por ti soube, maga querida,
que verdadeiros eram um e outro.
Neste estranho périplo as presenças
vão e vêm enquanto tu ocupas o centro.

 

 

 

XXXII 

 

Os olhos do pai

 

Hoje, sem que eu me propusesse, viajei

através dos olhos do meu pai

para que estes me conduzissem aos do seu

e, em calma sucessão, como o barco

que remonta parcimoniosamente o rio,

aos de todas as gerações precedentes.

E assim, transportado pelo suave arroubo,

chegaram à minha faminta retina

imagens da primeira visão do homem,

formas misteriosas dos dias sem tempo,

quando a terra estava desprovida de couraças

e a beleza do mundo se revelava

nos peitos descobertos. Sem que eu me propusesse

viajei pelos olhos pálidos,

quase sem luz, que me aguardavam, tímidos,

e vi o que não pude ver enquanto corria

apressadamente sob a grande claridade.

Não procuremos em outro lugar: só no fundo dos olhos

paternos vislumbramos o fulgor da origem.

 

 

 XXXIII

A faca

Recordo as ruas da cidade
o dia de meu nascimento no equador do século.
Dos poros das casas ainda saía
a fumaça dos recentes incêndios
e as calçadas estavam infestadas de miseráveis.
De tanto em tanto um vendedor de jornais
anunciava a iminência de tragédias e milagres
distribuídos, com sorte igual, no seu grito:
ninguém se surpreendia com a proclamação
naquele mundo saciado de uns e outros.
Recordo a escuridão e o esplendor terrível;
vi-os logo nos momentos decisivos,
filhos eles também de pranto e canto.
Começava a representação; os atores,
os músicos, o público, o grande estrondo.
Ou, talvez, apenas continuava, outra letra
na incompreensível frase escrita no barro.
Soou o sinal daquela hora
quando o giro da roda queimou o ferro:
desde então sempre me acompanha
e agora mesmo ouço o amolador que amola
a faca prodigiosa que nega e concede vida.

 

 

 

Tradução de Márcia Cavalcanti R. Vieira

 

Página publicada em abril de 2018


 

 

 
 
 
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