CONFISSÃO I
Não se movem com descuido minhas mãos .
Mesmo em noites de chuva perguntam,
me buscam em portais,
sítios impensados como sonhos.
Quando quero emudecer,
o raio irrompe na noite
e canto.
OS MENINOS NA TARDE
Para Lúcia Mercedes
Que rumor de lonjuras,
sussurram garças na tarde,
partem o tempo com suas asas,
estilhaçam a memória.
Indiferentes, cruzam
o contorno que o sol faz morrer no horizonte,
sem ver os meninos que saúdam
e despedem o voo sem rumo,
que ninguém toca.
Uma casa, longe, arde,
uns papéis, uma noiva - a primeira,
de vestido com flores —,
um elefante amarelo,
sua tromba de tempestades.
Os meninos saúdam,
à sua maneira selvagem e pura
vão-se.
As vozes arrastam pedras
como mananciais
e se confundem
no abismo do tempo.
AS PALAVRAS
Empoçam-se detidas,
decapitadas e mudas
não voam mais.
Suas asas pesam,
não sobem
até onde a águia coroa alturas.
De que valem palavras sem amor:
não sonham;
são trechos de sons que se afogam.
Órfãs,
andam nuas,
e povoadas de silêncio
murcham.
INCONGRUÊNCIA
A moça que me olha detrás do cristal
desconhece que o morro Pão de Açúcar
desmoronou-se na Colômbia.
Enquanto passa a sua mão coquete e distraída
sobre o jardim de seus cabelos,
um menino pergunta por seus pais,
que dormem soterrados.
A moça é bela,
terrivelmente bela.
Eu, um homem ingrato com os seus,
esqueço-me dos jovens queimando em plena rua,
apago com um sopro de desejo
as mães que na Argentina
perguntam por seus filhos,
e a visto e desvisto sobre o mundo.
Aroma de Infância
Entre a casca do limão
e o sumo ardente
dorme aroma de infância,
verde perfumado a lembrança,
todo acre, um pouco tímido.
O rosto do menino olha desde ali.