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ALBERTO ACOSTA-PÉREZ
(1955-2012)
Nascido em Cuba em 1952 (?) cresceu e transformou-se como seu país, sua poesia sofreu diversas influências, entre elas, de Neruda, Pasolini e Kaváfis, que mostram a inclinação do poeta de mesclar a vida interior, emotiva, com a lúcida percepção da realidade em que está inserido. Por issos é Alberto Acosta-Pérez um poeta que manifesta a sua poesia em lucidez afetiva. JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA
ACOSTA-PÉREZ, Alberto. Ilha. Tradução de José Eduardo Degrazia. Gramado, RS: Editora Aty, 2013. 72 p. 11x18 cm. Col. A.M.
PALAVRAS ADEQUADAS
Eu não quis cantar nem o amor, nem o país, nem a mim
mesmo, mas todos,
o amor, o país, e eu mesmo,
numa golfada fatal
através de mim se levantaram
e como deuses invencíveis,
por cima do medo,
deslizaram na minha boca
as palavras adequadas para ferir e amar,
mais altas do que o inverno,
mais fortes,
mais permanentes que o diamante;
palavras que fecharam as portas da fuga
e atravessaram meu coração feito punhalada,
e se escreveram sozinhas,
contra a minha vontade de ser totalmente livre,
contra o meu pensamento,
e inclusive, às vezes,
contra o meu próprio coração!
IMPREVISTAS PALAVRAS
I
Há no ar um pensamento gasto,
uma linguagem cada vez mais incompreensível
como se alguém embaralhasse as palavras
escondendo algumas, esvaziando outras de sua história,
separando-as em ácidos furtivos.
Há nas palavras desgastadas pelo uso
uma ausência humana que me apavora,
nenhuma retorna feliz ao seu usado estojo,
nenhuma basta a si mesma para significar um amor que
sobrevive ao tempo,
nenhuma escapa - como um pássaro liberto - do discurso
e da escritura
para converter-se numa nuvem verdadeira, eternamente
azul.
Sem fio nem liberdade, sem voo, as palavras desgastadas
caem garganta abaixo cianóticas e tristes,
simples ruínas da memória.
II
Amo as palavras que bastam a si mesmas,
ancoradas em portos silenciosos
à espera do marinheiro que as lançará ao mar.
Qualquer palavra pode,
além do peso do seu conceito,
ser um ensaio,
uma incerteza desatada do eterno movimento que é ávida.
Qualquer palavra pode estar fora da lei
pelo simples fato de ser bela e livre ou inconformada.
Bastaria prestar atenção a certas páginas,
a certos livros que conservam a poesia em frases de silêncio
para descobri-lo.
III
No meio de muitos extremos desconexos que é a vida
as palavras que escrevemos fundem-se conosco
até nos convertermos numa mesma frase
onde plenitude e morte não têm nenhum significado;
só essa estranha ilação que apenas alcançada começa a ruir.
METAPOESIA
Eu podia estar ali e fui apagado por um gesto de tédio.
Eu estava no inefável e impossível desejo de começar um
poema
como se começa a ter um filho: apostando tudo.
Eu estive lá quando ardiam com ferocidade
a estupidez e o temor de estarem absolutamente mortos
ou mudos.
(Começar um poema em algum lugar anónimo,
à deriva e fora dos olhos, dentro do cérebro ou do coração,
com a língua das coisas empurrando do outro lado
como uma sinfonia sem harmonia.
Uma só linha numa página de ouro.)
ARS POLÍTICA
Não convém permitir aos homens que saibam certas cois!
que a guerra é inútil, e a história é inexata,
móveis são as fronteiras,
mas antes de tudo,
que o ídolo é de barro,
e sua cabeça, oca.
DECISÃO
Vou queimar em mim todos os poemas
inclusive o mais breve:
nenhum chegou perto da beleza de uma pedra.
POLÍTICO
Mestre do equilíbrio
te observo na tela
escuto tuas propostas de promessas vazias
e penso que existem palavras demais no mundo
sempre me dizes o velho equívoco
— levanta-te e anda!
Página publicada em fevereiro de 2013, a partir de um exemplar gentilmente enviado pelo tradutor.
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