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VERA PEDROSA
Vera Pedrosa Martins de Almeida, nasceu no Rio de Janeiro, em 1936. Poeta, crítica de arte, diplomata e diplomada em filosofia.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
PEDROSA, Vera. Perspectiva naturalis. Traducción de Leonidas Cevallos Mesones. Lima: 1978. Tiraje: 300 ejemplares. s.p. 10x18 cm. “ Vera Pedrosa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Dibujo/desenho de Tilsa Tsuchiya
Debaixo das terras altas
teu rosto
— meu olhar
se desencontram
vejo nada mais
que a cortina balançando
o solo faz
com que os ossos estremeçam
é longe é perto
te penso
de mar a mar
essa costa
feita de ruídos
esta de temores
Bajo las tierras altas
tu rostro
mi mirada
se extravían
solo veo
la cortina meciéndose
el suelo
hace temblar los huesos
cercanía distancia
te pienso
de mar a mar
esa costa
hecha de ruídos
ésta de temores
I
Poemas com delfins e pelicanos
Não esquecerei tão cedo
quando voltar para o consolo tíbio
de ondas mansas
areias mornas
quando voltar um dia
àquele agasalho
o mar onde seus ossos cresceram
frio
escuro
o susto o desafio
I
Poemas con delfines y pelícanos
No será fácil olvidar
cuando regrese al consuelo tibio
de ondas mansas
arenas tibias
cuando regrese un día
a aquel abrigo
el mar donde sus huesos crecieron
frío
oscuro
el miedo el desafio
II
Sobre esteiras
como um mergulho
e não há solo
um oceano
recebe e devolve
um poço
invade o corpo
um vazio
se derrama
II
Sobre esteras
una zambullida
no hay fondo
un océano
recibe y entrega
un pozo
invade el cuerpo
un vacío
se derrama
III
Unidos enfrentados
a ondas tenazes
é depois um remanso
antes que de novo
se delimitem
mar e terra
o corpo do amado se esquece
nunca o amplo abraço
o céu
no poço
III
Unidos enfrentados
a olas tenaces
y luego el remanso
antes que de nuevo
limiten
mar y tierra
se olvida el cuerpo del amado
jamás el amplio abrazo
en el pozo
el cielo
IV
Manhã zoológica
gaivotas em formação
negro, branca, negro, ponta de asa
sol do mar
estrela do mar
dois pelicanos gordos
boiando
pensei seu nome
sob a mira dos golfinhos
deslizando
luz e estrondo e surpresa
e sal nos cabelos
IV
Mañana zoológica
gaviotas en formación
negro, blanco, negro, punta de alas
sol del mar
estrella de mar
dos pelícanos gordos
flotando
pensé tu nombre
bajo la mira de los delfines
deslizando
luz estruendo y sorpresa
y sal en los cabelos
V
Volto de um silêncio
para dentro de um lago
onde outro silencio
cujas vibrações
percorrem o corpo
com o corpo do lago
V
vuelta de un silencio
entro en un lago
a otro silenció
cuyas vibraciones
recorren el cuerpo
con el cuerpo del lago
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SONHO DO VESTIDO VIOLETA
Descobri o cadáver muito mais tarde
no meio de uma viagem.
Passava por regiões
de passado futuro
o trem atacado por índios atarefados
ruínas negras de megalópolis de concreto
E tendo achado o cadáver
soube que me haviam enterrado
com meu vestido de seda violeta
um vestido precioso anunciador
da precognição da morte.
Então determinei
que desencarnassem o cadáver
e enterrassem a ossada límpida, polida
numa cova de terra úmida
enquanto a multidão de índios
sem real perigo
cercava o cemitério
mas depois se dedicava à tarefa muito mais séria
de destroçar as vigas que sustentavam nosso teto.
EDIFÍCIO
Veio no cartão postal da ponte
aquela luz branca demais brumosa
e de repente me vi
diante. do mesmo edifício branco
corpos se separando
na maresia.
POEMAS DE VERA PEDROSA
Apresentação: FRANCISCO ALVIM
Texto e poemas extraídos do SUPLEMENTO MG,
Julho/Agosto 2015, p. 30-31.
Com a A Árvore Aquela, Vera Pedrosa chega a se quarto livro publicado, desta feita por uma grande editora, a Cosac Naif, já que as edições do primeiro, Poemas, de 1977, e do terceiro, Onde voltamos o rio Desce, de 1978, foram de iniciativa da autora. Refira-se ainda a antologia que a editora Bem-te-vi lançou em 2012, com poemas dos três primeiros livros editados.
Essa obra escassa, não apenas na quantidade de volumes publicados, mas também na aparência magra dos mesmos, pode induzir em erro o leitor que dela se aproxime, levando-o a pensar que Vera, como poeta, trabalhou pouco. Não é bem assim, para quem a poesia tem sido uma companheira de toda a vida; é verdade que consoante o ritmo muito peculiar e próprio, de constância intermitente.
Seus poemas surgem frequentemente quase como anotações à espera de todo um trabalho posterior, que às vezes tarda mas nunca falta. Tal processo influi na própria matéria poética trabalhada, em razão de que essa pode resultar de experiências vivenciadas em períodos distintos embora sujeita a uma liga originária que vem de antes, de seus primeiros poemas e que Vera nunca perdeu; daí uma certa impressão contraditória de coesão dispersa que sua poesia desperta.
Tais características provavelmente se expliquem, pelo menos em parte, pela atividade profissional de Vera como diplomata e ao fato de que viveu uma expressiva e intensa carreira, com extensos períodos fora do país, aqui e lá fora no exercício de funções de grande responsabilidade.
O valor de sua poesia nem por isso deixou logo de ser percebido pelos críticos mais atentos do gênero, como denota, ainda em 1975, a presença de uma série de poemas notáveis na celebrada antologia 26 poetas hoje, de Heloísa Buarque de Holanda, publicada naquele ano.
“Ali onde a sombra joga
na brisa de outra água”
O que talvez chame mais a atenção nos poemas de Vera Pedrosa seja a narratividade; e as configurações de espaço-tempo muito próprias que essa narrativa cria, às quais vai corresponder uma realidade diversa, essencializada (“Cortejo”, “A árvore aquela”, “Toalete”), de contrastes extremos e intensa, embora delicada e sutil, expressividade. Nem por isso tal realidade se constitui como algo que se oponha ao mundo real, com o seu sentimento — e acontecimentos. Ao contrário, quem sabe o maior empenho dessa poesia seja o de apresenta-lo em suas manifestações menos aparentes, seja fora, no curso das coisas, seja no íntimo, no que fazemos dele ou de de nós (“Pandora, “Planalto”, “Conversa em curso”, “Despertar”).
Esforço a que não falte, quase como exigência e iminente possibilidade de sua — dela, poesia — própria extinção (“Perda”).
A ÁRVORE AQUELA
mais ele via a lua
quando nela discernia cornos de lua
água a jorrar de um jarro
um cálice oferto
das mão de aves leoninas
PANDORA
na áspera restinga
indiferente ao enxame de males
ao liberado infortúnio
deambula
não observa
o alambicado revoluteio
não ouve o zumbido
nem os vê os entes solertes
o movimento rastejante
daqueles seres que farfalham
sob folhas caídas
nem trema quando a seus pés
correteiam lagartos de barriga fria
escaravelhos que empurram
orbes de esterco
libélulas miméticas que de leve soam
algo ficou no cofre
escapou não escapou não sabe
sozinha pensa
não há de ser nada
neste matagal me guardam
os pontos cardeais
as direções do vento
e minha boa Senhora
da Boa Esperança
PLANALTO
sonhei que estava no inferno
ruas de portas abertas
casas vazias de porta e janela
perdi um amigo ali
havia um homem perdido
não havia ar
mas silêncio
caçávamos
e o inferno era
atravessar um riacho
no bosque espaçado
de talos lisos
nem tão sombrio
caí certa vez
em outra natureza
disseram-me que ficasse
para restituir-me ao leito
escalei um morro alto
de onde me lancei
sobre o vale sem fundo
vida essa diversa sensação
quando se está no âmbito do vórtice
CORTEJO
tendo estado
toda uma tarde
ouvindo um tempo branco
sentindo dedos de água
descidos da noite
figuras
surgem paralelas
como saídas agora
da cal da parede
“ali onde a sombra joga
na brisa de outra água”
de perto
a superfície do muro
para
distração
DESPERTAR
outra vez rostos anônimos te confundem
retrocedem se sucedem contra um fundo sanguíneo
olhos te fixam percucientes
atravessam a alma
enxergam dentro
são vistos na aurora fria
há um abismo ao pé da cama
e amanhecerá
e logo tudo será como se nada
algazarra de aves
o céu outra vez diáfano
extenso esgarçado
CONVERSA EM CURSO
por que não paro de falar contigo
és duro na queda
ficas aí no meu ouvido
e mal te ouço
culpa há sem dolo
não queria que te fosses
a ausência como nódoa
como desfeita de quem falha
só que
não tinhas que partir tão cedo
falo não sei se ouves
assim ao afastar-te devagar
NOTA: Os poemas “Planalto” e “Cortejo” pertencem a De onde voltamos o rio desce; os demais a A árvore aquela.
TEXTOS EN ESPAÑOL
TRADUCCIÓN DE
ADOVALDO FERNANDES SAMPAIO
FARS
Fue hace tiempo y entre amores
decisivos
cataclismos
creaciones confinamientos jaulas
aeronves
Fue antes de las exposiciones de motivos
Hubo una época
tan descansada en que
desde que se tuviese
una ventana em movimiento
ella era imagen
deslizándose entre hojas
se extendía bajo los árboles
entraba en corredores
salía por las puertas
era él en la arena
las mañanas del deseo más difuso
Cuando había ceniza en el mar
era él que estaba
(de suéter)
en la antepenumbra mojada
Cuando era noche
era él casi rabia, en la espera.
Dulce y desnudo en el banquete
en una huerta de lechugas
soñé con él esta noche.
Extraído de la obra
VOCES FEMENINAS DE LA POESÍA BRASILEÑA
Goiânia: Editora Oriente, s.d.
Página republicada em junho de 2008 Ampliada e republicada em fevereiro de 2015
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