VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
São Paulo, 1958. Obra poética: A porta range no fim do corredor (1983), Geografia d'ombra (1989), Pedaços/Pezzi (1992), Tempo de doer/Tempo di soffrire (1998), La guarigíone (2000), Uccellí convulsí (2000), No coração da boca/Nel cuore delia parola (2003), A chuva nos ruídos (2004).
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OLIVEIRA, Vera Lúcia de. Vou andando sem rumor. Antologia poética. Seleção, organização e apresentação de José Eduardo Degrazi. Santa Cruz do Sul, RS: Gazeta Santa Cruz, 2015. (Coleção Sentimentos do mundo, volume 4) 12,5X18 cm. Foto de capa: Lula Helfer. ISBN 978-85-63336-78-1 “Vera Lúcia de Oliveira” Ex. bibl. Antonio Miranda
“Sua poesia é feita de uma substantivada realidade, dura, sem misericórdia, principalmente consigo mesma. Mas a menina socorre, dá-lhe a mão, puxa-a de situações sombrias e a coloca diante da luz. Diante da luz da das coisas do mundo, que, muitas vezes, ofusca: outras, apenas esclarece. E quando esclarece, abre a porta da poesia.” JOSÉ EDUARDO DE GRAZIA
AS COISAS
achava que as coisas dentro dos livros
eram mais verdadeiras do que fora
que as coisas nos livros e as pessoas
estavam no lugar certo e se destoavam
era só para depois retomarem o lugar
exato em que deveriam estar
DOR (I)
a dor preza as cartilagens
os interstícios e vãos
o debrum da alma mais exposto
à noite
o nervo mais lúcido
a veia mais mansa
o mais dúctil segmento
do músculo
PEDAÇOS
estou estilhaçada
silêncios saem da boca
mansos
estava desenhando
palavras
perdi o jeito de amanhecer
tenho tantos pedaços
que sou quase infinita
OLIVEIRA, Vera Lúcia de. Entre as junturas dos ossos. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2006. 72 p. (Literatura para todos) ilus. 15X18 cm ISBN 85-296-0047-9 “ Vera Lúcia de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
o rego (II)
fui como rego d/água
caminhando na terra
ferindo-me nas pedras
doendo-me nas valas
fui repartindo-me
entre raízes galhos
atolando-me nos rasos
macerando-me nos falhos
memória
abundância de rastros
que não se cancelam
fascinados pelo assombro
de atravessar as esperas
com seus passos absortos
subindo pelas artérias
em busca de outro corpo
sempre
fui sempre
de percorrer na carne
o puído do vãos
sempre de pôr o pé
na intimidade
das veias
sempre de lavrar
os dias mais
ferozes
para que doendo
amansem a morte
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE POESÍA BRASILEÑA
Org. de Floriano Martins y José Geraldo Neres
Selección de Jaime B. Rosa
Valencia, España: Huerga & Fierro Editores, 2006
Traducción de Gladys Basagoitia Dazza
ROSTO INVERSO
adoecia para ver o pai despetalar-se os
caibros
refazer sobre nós suas mãos de paina
não se envergonhava de amar
nosso olho de febre
nossa essência quebradiça
podava espigões
sua lei de sombra
os gestos de cimento e cal
nossa alma parafusava, como durar
o breve
retecer os corpos de fragilidade e
dor
ângulo onde possível
tatear o pai
alisar seu rosto inverso
de pássaro coxo
ROSTRO INVERSO
me enfermaba para ver a mi padre quitarse
las vigas
reconstruir sobre nosotros sus manos de algodón
no se avergonzaba de amar
nuestros ojos con fíebre
nuestra esencia quebradiza
podaba aristas
su ley de sombra
sus gestos de cemento y cal
nuestra alma meditaba como hacer durar
el breve
retejer los cuerpos con fragilidad y
dolor
rincón donde füera posible
acariciar ai padre
tocar su rostro inverso
de pájaro cojo
MOENDA
moendo e remoendo grãos
graves como dentro
os vórtices
o sol a tarde
o osso mole dos panos
o barulhinho do sangue
raspando-se nos ângulos
aragens de vozes
viragens de tempo
sem troco dores
dores
e a pele e a carne
e a roupa
na trituração
MOLIENDA
molía y remolía semillas
graves como dentro
los molinos
la tarde el sol
los huesos blandos de los panos
el rumor de la sangre
que raspa los rincones
brisas de voces
recodos dei tiempo
dolores sin vuelto
dolores
y la pieL y la carne
y la ropa
de la trituración
ERGARÇAR-SE
quando começa a morte?
que surdo ranger
põe-se a quebrar
por dentro
seu tijolo?
quem acorda
esse esgarçar?
quem acode
as partes
brutas
que tombam
em cada mão de pai
em cada ruga de mãe
em cada tepor de cão
de casa
a ninar
nossa inação?
DESGARRARSE
acuando comienza la muerte?
iqué sordo estridor
se pone a quebrar
por dentro
su ladrillo?
¿quién despierta
este desgarramiento?
¿quién socorre
las partes
inertes
que caen
en cada mano de padre
en cada arruga de madre
en cada tibieza de perro
de casa
para acunar
nuestra inanición?
TERCEIRO MUNDO DO CÉU
no terceiro mundo
do céu
vão alminhas
pisoteadas
vão crianças
cuja dor come a infância
e bêbados do nada
trabalhadores do próprio luto
famintos de poesia
e pão
sombras
ali se debruçam
à espera das tubas
do juízo
TERCER MUNDO DEL CIELO
en el tercer mundo
dei cielo
van pequenas almas
pisoteadas
van niños
cuyo dolor devora la infancia
y los borrachos de la nada
constructores del propio luto
hambrientos de poesia
y de pan
allí se acuestan
sombras
en espera de Ias trompetas
del juicio
IN ITALIANO
INCONTRI CON LA POESIA DEL MONDO. ENCONTROS COM A POESIA DO MUNDO. Antologia poética bilíngue. Italiano – Português. Antologia poética bilíngue. A cura di Vera Lúcia de Oliveira; Paula de Paiva Limão. Perugia, Italia: Edizioni dell´Urogallo / CILBRA – Centro di Studi Comparati Italo-Luso-Brasiliani, 2016. 242 p. Em colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade de Brasília. ISBN 978-88-97365-41-9 Ex. bibl. Antonio Miranda
VERA LUCIA DE OLIVEIRA insegna letteratura portoghese e brasiliana presso l'Università degli Studi di Perugia. Poeta e saggista, ha ricevuto vari premi, tra i quali il Prèmio de Poesia da Academia Brasileira de Le-tras (1005), il Premio Internazionale di Poesia Pasolini (Roma, 2006) e il Premio Internazionale di Poesia Alinari (Firenze, 2009). Nel 2006, il suo libro Entre as junturas dos ossos ha ottenuto il Prèmio Literatura para Todos, pubblicato dal MEC in 110.000 esemplari. L'autrice, che scrive in portoghese e in italiano, ha dei suoi componimenti in antologia in Brasile, Italia, Francia, Inghilterra, Germania, Stati Uniti e Portogallo. Tra le raccolte poetiche, citiamo: Geografia d'ombra (1989), La guarigione (2000), A chuva nos ruídos (2004), No coração da boca (poesia), 2006, La carne quando è sola (2011), Vida deboneca (infantil, 2013), 0 mùsculo amargo do mundo (2014). Tra i saggi pubblicati: Poesia, mito e bistòrta no Modernismo brasileiro (2015, 2a ed.), Storie nella storia: le parabole di Guimaràes Rosa (2005). Fa parte delle Compagnia delle Poete.
Le poesie di Vera Lucia de Oliveira sono state tradotte in italiano
dalla stessa autrice
Rua de comércio
sou poeta da cidade magra
da cidade que não
caminha
sou dessa planicidade
sou da violência das vidas
poeta da cidade que afunda casas
e pessoas
sou da puta da cidade que só tem
superfície
amanheço todo dia nua e estreita
como uma rua de comércio
(do livro Geografie d´ombra, 1989)
Strada commerciale
sono poeta della città magra
della città che non
cammina
sono di questa piattezza di città
sono della violenza delle vite
poeta della città che affonda case
e persone
sono della puttana di città che solo ha
superficie
mi sveglio ogni giorno nuda e stretta
come una strada commerciale
(dal libro Geografie d'ombra, 1989)
A música
tenho a música dentro ela me habita
quando levanto ela já me espera
quando caminho ela caminha na minha frente
eu sempre estou dançando na minha carne
sempre estou ouvindo um som que a minha alma
sabe que existe apesar da dissonância
da minha vida
(do livro No coração da boca, 2006)
La musica
ho la musica dentro lei mi abita
quando mi alzo lei già mi aspetta
quando cammino lei mi cammina davanti
io sto sempre danzando nella mia carne
sto sempre sentendo un suono che la mia anima
sa che esiste malgrado la dissonanza
della mia vita
(dal libro No coração da boca, 2.006)
Estranha
disse-lhe de abrupto
que não queria ser enterrada
naquele lugar
que não era dali
que aquela terra não haveria
de reconhecer a terra
de onde viera
(do livro No coração da boca, 1006)
Estranea
gli disse all'improvviso
che non voleva essere seppellita
in quel posto
che non era di li
che quella terra non avrebbe
riconosciuto la terra
da dove era venuta
(dal libro No coração da boca, 2006)
Esse cão
esse cão que me segue
é minha família, minha vida
ele tem frio mas não late nem pede
ele sabe que o que eu tenho
divido com ele, o que eu não tenho
também divido com ele
ele é meu irmão
ele é que é o meu dono
(do livro O músculo amargo do mundo, 2014)
Questo cane
questo cane che mi segue
è la mia famiglia, la mia vita
ha freddo ma non abbaia né chiede
lui sa che quello che ho
lo divido con lui, pure quello che non
lo divido con lui
lui è mio fratello
è lui che è il mio padrone
(dal libro 0 músculo amargo do mundo, 2.014)
Molhar a língua
molhar a língua em tinta de saliva
molhar em úmido de boca
em limo de comida
mastigada e engolida
molhar na força de palavra
com que é dita pelo dentro
pela crosta e pelo visgo
esse som e seu ruído
(do livro 0 músculo amargo do mundo, 2014)
Bagnare la lingua
bagnare la lingua in tinta di saliva
bagnarla in umido di bocca
in limo di cibo
masticato e inghiottito
bagnarla nella forza della parola
con cui dire dal di dentro
dalla crosta e dal suo vischio
questo timbro e il suo ruggito
(dal libro O músculo amargo do mundo, 2014)
Andorinhas
estou de bem com o mundo até
um tanque de guerra se cansa
da guerra até um pássaro pára
para repousar
e depois o céu hoje é de um
azul que faz mal aos olhos
agudo que a gente fica ali
barriga pro ar
admirando as andorinhas
que volteiam
matutando no que pensam lá no alto
no que sabem
se sabem que estou de bem com o mundo
que volteiam lá em cima também para mim
(do livro Tempo de doer/Tempo di soffrire, 1998)
Rondini
sono in pace con il mondo anche
un carro armato si stanca
della guerra anche un uccello
si ferma per riposare
e poi oggi il cielo è di un
azzurro che fa male agli occhi
acuto che si rimane lì
pancia all'aria
ad ammirare le rondini
che volteggiano
a immaginare ciò che pensano là in alto
ciò che
sanno
se sanno che sto in pace con il mondo
che volteggiano lassù anche per me
(dal libro Tempo de doer/Tempo di soffrire, 1998)
Página publicada em setembro de 2010; ampliada e republicada em agosto de 2015.
Ampliada em setembro de 2019 |