Marcas do Zorro
Tu és o cavaleiro eu sou a montaria
às vezes me castigas e outras vezes não
vou cegamente aonde a Tua mão me guia
mas em segredo me pergunto aonde vão
essas desconhecidas Tuas rotas minhas
eu preferia ser apenas o cantor
o jardineiro um leopardo uma florzinha
capaz de em cada outono sucumbir de amor
dizem que és um vingador Te chamam Zorro
uns outros Te nomeiam Christian Rosenkreutz
me humilhas sei e me maltratas mas eu morro
da Tua ausência mais do que quando me açoitas
ah eu desejaria uivar gemer e calo
por ser dos duros deuses todos o cavalo
(De Marcas do Zorro, 1979
XXIII [Toda vida é rascunho impermanente]
Toda vida é rascunho impermanente
manuscrito com tinta azul lavável.
Não divise futuros, não invente
eternidades nem se torne escrava
de horizontes perdidos e apagados.
Somos mortais, por isso celebramos
casuais centelhas de imortalidade.
Por mais que dure e se transvie em ramos,
uma árvore tem a sua hora.
Se a chuva a curva, sofre mas não chora,
senão, dizem, até se alegra e gosta
sem se dar ao trabalho de sorrir.
Deus, amor, lhe dê olhos de menina
que a paisagem de hoje descortinem.
(De Caderno de Sonetos, 1988)
IX
exercícIo para letras gothicas
dona Irene foi quem me aplicou
quando ponho um pé na catedral sinto que um oceano me
[assassina
o que isso tem a ver com o futuro? entrementes
uns índios guaranys incendeiam ervas sagradas ali logo na
[esquina
(De Marcas do Zorro, 1979)
QUANDO PROCURO MUITO EU SINTO QUE AGONIZO
QUANDO ME AUSENTO EU SINTO MUITO QUE PRECISO
DE UM GOLE OU DOIS DE ABSINTO EU NÃO TENHO JUIZO
OS MARES MUSCULOSOS DANTES ERAM LISOS
PRETENDO HOJE SAIR PARA FISGAR BALEIAS
ANTIGAMENTE AS BESTAS-FERAS ERAM BELAS
NÃO SEI POR QUE RAZÃO FICARAM ASSIM FEIAS
ARREIA OS BURROS AS CHARRETES CARAVELAS
QUE EU VOU SAIR PARA COLHER A FLOR MAIS RARA
QUANDO GARIMPO TANTO ASSIM FICO SOMBRIO
NO CÉU ESCURO A LUA CONTINUA CLARA
A LUA CONTINUA NUA E EU NAO SORRIO
NEM CHORO SOBRE AS ÁGUAS LINDÍSSIMA BÓIA
COMO NUM BERÇO OU NUM ESQUIFE AQUELA JÓIA
(De Marcas do Zorro, 1979)
BILHETE A MEU FILHO
seus olhos índios
toda insurgente flor será bem-vinda
ali ou em nenb
huma parte estarão as fronteiras
nós trêmulos cosmos
nós pensamos diverso mas somos os mesmos
(De Corcovado park, 1985)
Um último poema é urna fragata
avizinbando-se do cais do porto
urna canção que nos consola e mata
alegremente o coração já morto
lembra-me gypsies, margaridas; chuvas
ressurreições. A brisa bruxa acorda
as donzelas princesas e as víúvas
senhoras dos seus mestres e seus corpos
os adeuses têm gosto de suspiros
são doces brevidades souvenirs
ursinhos de pelúcia esquecimentos.
Quando nos visitar a inconbecida
visitante estaremos, longe, ausentes
e ao mesmo tempo sempre, sempre, aqui
57
Viver, confiou-me fino escriba, é falta pura,
água matando a sede de cansadas mulas.
A linha que a ti mesmo, débil, te costura
une o atirado fora àquilo que acumulas.
Nasces num berço que é já tua sepultura
e de um, só de um suspiro todo riso anulas
e o choro todo, as dores e os prazeres. Dura
quase nada este tudo. Muito mal calculas
quão breve é o intervalo de urna vida longa
na partitura em que urna sobre as outras eras
avança e se mistura sem medida ou grau.
O que se encurta ou corta aqui ali se alonga
e desta arte jamais serás quem ontem eras.
Da teu relógio ao relojoeiro universal.