SILVIA JACINTHO
Nasceu em Barretos, São Paulo.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
JACINTHO, Silvia. Dança do fogo: estudo sobre o desejo. La danza del fuego: estudio sobre el deseo. Tradução de Helena Ferreira. Rio de Janeiro^: Imago Ed., 2004. 196 p. 14x21 cm. Edição bilingüe portugués e espanhol. Col. A.M.
AS GARRAS
Graciosa, rodando para o alto as mãos,
apresenta-se na sala dançando,
as ancas, alaúdes, requebram
pernas abrem o godé da saia
e guitarras enchem o ar de langor
e músicas. Sobrancelhas agrestes
olhar cálido e úmido
unhas esmaltadas furam como garras
assim, ela baila cravando-as em mim
enterrando a fúria de sua paixão
na fatalidade de ser apenas um indefeso
homem.
GITANA
Gitana, a pele qual folha pisada,
morena-mate: ela vem a meu encontro
com o roçar dos babados da saia no chão
e o lamento soa da guitarra mourisca
baila a aflição guardada no peito,
a dançarina marca o ritmo
penteia tacos do sapato na tábua
e sapateia e sapateia e sapateia
assim, com força em seus passos
de si mesma ela se distancia,
e possuída pela dança, esquecida
do mundo, Carmem baila.
GITANERIA
Nas vielas sinuosas e nos limites
da gitanería, a céu aberto,
baila Carmem
seu tablado, a rua calçada de pedras
de cada casa descem vizinhos
que a rodeiam com palmas e cantorias
ai, um grito de aflição sai das cordas
da guitarra, apaixonada,
a dançarina alteia os braços, girando-os,
e possuída pelo tom da música
lá fora ela sapateia,
dançar é o abrigo de seu espírito
— a verdadeira casa.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Helena Ferreira
LAS GARRAS
Con gracia/ mueve las manos hada lo alto,
bailando, se presenta en la sala,
las caderas laúdes menean,
las piernas ensanchan el pliegue de la falda
y guitarras rellenan el aire de langor
y música. Cejas agrestes,
mirada cálida y húmeda,
uñas con esmalte horadan cual garras
es así como baila clavándolas en mí,
enterrando la furia de su pasión
en la fatalidad de no ser yo más
que un hombre indefenso.
GITANA
Gitana, la piel cual hoja pisada,
morena trigueña: ella viene
a mi encuentro
rozando los volantes de la falda
en el suelo
y suena el lamento en la guitarra morisca
baila la ansiedad guardada en el pecho,
la danzarina acompaña al ritmo
hincando los tacones en el tarimado
y zapatea y zapatea y zapatea
así, con fuerza en los pasos,
de sí misma se aleja,
y poseída de la danza, olvidándose
del mundo. Carmen baila.
LA GITANERÍA
En las callejuelas sinuosas y cercanas
a la gitanería, a cielo abierto
baila Carmen
su tablao, la calle hecha de piedra,
de cada casa salen los vecinos
que la rodean con palmadas y canturías
ay, suena un grito afligido de las cuerdas
de la guitarra, apasionada,
ella altea los brazos, dándoles vueltas,
y llevada por el son de la música
allá fuera ella zapatea,
porque danzar es el abrigo de su espíritu
— la verdadera casa.
JACINTHO, Silvia. Lavoura de infinito. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1990. 77 p. ilus. 15x21 cm. Ilustrações: Livio Abramo, linóleos e xilogravuras, 1927. Capa: Joan Miró, óleo s/tela. Tiragem: 500 exs. Col. A.M.
LAVOURA DE ARROZ
Para onde vou, não sei.
Sei que passo por esse caminho
no meio dessa lavoura.
Dezembro nesta baixada
à beira do rio
inundado. Moitas, tufos
de cabelos verdes despenteados.
Moitas, tufos
e pés e pés de gente colhendo
esse arroz, de maio.
Campo sem casa campo de arroz
pó de arroz e essa
planície extensa baixa
dourada
enchendo meus olhos
de água e cachos e cachos e cachos
maduros
dessa luz - nosso alimento.
LAVOURA DE TIJOLOS
A agulha enfiada.
A fragrância das flores na cambraia.
As cores sólidas das linhas.
O avô apenas uma fotografia na parede,
me olhando.
Dentro da casa. Lia bate os pés no pedal
da máquina de costura.
Aqui fora, nos canteiros do jardim
Carlos e eu amassamos o barro.
E o colocamos nas caixas de fósforos, vazias.
Esses tijolos de barro sem cozer
montam minha olaria.
Vou deixar aqui meus sonhos
ressecando ao sol.
Quando crescer e voltar um dia
e um dia não encontrar ninguém
tocarei com minhas mãos sujas de sonho
o barro dessa olaria.
LAVOURA DE NOIVAS AOS SÁBADOS
Eu vim aqui.
Saí da escola e estou aqui.
Para te ver passar.
Longa e branca, ondas de cetim e sereia.
O véu de tule subindo a escada.
E tiaras saindo de dentro dos olhos.
O bojo das pétalas caídas.
Mordo meus lábios e não entendo.
Essas coisas dentro de mim, aos sábados.
A música e essas cores pálidas.
A igreja.
Os passos.
No fim da tarde atravessando o átrio.
O noivo, a noiva e esse vestido de cauda.
Tão lindo!
O interior aos sábados são cabos de rosas.
E coisas partindo.
Página publicada em fevereiro de 2013 |