Fonte: www2.oabsp.org.br/asp/jornal
SAULO RAMOS
O poeta Guilherme Figueiredo preparou um texto e escolheu poemas para a Revista de Cultura Brasileña (editada pela Embaixada do Brasil em Madrid,n. 52, noviembre 1981, p. 41-71) intitulada “VERSOS AL CAFÉ”. Inclui versos temáticos de Ribeiro Couto, Cassiano Ricardo, Mário de Andrade, do próprio Guilherme de Figueiredo e do poeta Saulo Ramos. A contribuição de nosso grande jurista e poeta é representativa e significativa. Vale destacar a capacidade do autor de evocar e corporificar as imagens, idéias e valores da cafeicultura, em um testemunho poético que, além da qualidade literária, registra palavras e expressões próprias da cultura do café. Material importante também para nossa lexicografia poética.
José Saulo Pereira Ramos é uma referência nacional, um patrimônio cultural, dispensa apresentação.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
RAMOS, Saulo. Café (a poesia da terra e das enxadas). São Paulo: Livraria Martins Editora, 1953. 174 p 13,5x19 cm. “ Saulo Ramos “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SAFRA
Sobre o sudário imensamente verde
escorre o sangue anônimo da terra
no lento sacrifício universal:
essas bocas vermelhas penduradas
na atitude de cruz do cafezal,
são beijos de quimera que cairão
nas conchas das mãos grossas, calejadas.
Um rio de suor, que irá molhar
as faces silenciosas dos caboclos,
lavará todo o sangue da paisagem
e rolará com beijos para o mar...
COLHEITA
Então quando o céu de inverno
(inverno só na folhinha)
abriu os olhos vermelhos,
a buzina que dormira
o ano inteiro no embornal
acordou na luz novinha
sob um beijo do fiscal,
ao pé do sino pesado
que assustou a madrugada:
a vendedora de flores
que tinha um cesto encarnado
no céu cheinho de flores...
céu que era um pastor de luz
como todos os pastores,
que era uma enorme romã
suspensa no cafezal,
céu vermelho, inaugural,
céu bêbedo de manhã.
Era o dia da colheita:
peneiras, panos listados,
rastelos, sacos, jacás,
medidas, canas de milho,
as caboclas embrulhadas
nos panos e nos cambas
com o chapelão de palha
só com o roso de fora
e gotinhas de café
nos olhos da madrugada.
E os caboclos, reis descalços,
pisam a terra forrada
pelos panos estendidos
sobre o chão ensolarado,
a terra toda enfeitada
por tapetes sobre os quais
vão transpirar gotas de ouro
os braços dos cefezais.
Namoriscos pelo eito
escondidos do fiscal
carrancudo, que é um sujeito
que chega pé ante pé
por de trás do cafezal,
espiando o vão das folhas,
erguendo a barra das saias
das árvores de café.
O fino pó da peneira
que abana folhas e ciscos,
levanta-se para o céu
em grossos rolos de poeira
parecendo a chaminé
de uma fábrica de terra
fabricando sob o sol
milhões de grãos de café.
As caboclinhas de pano,
com o peso de São Paulo
sobre as costas inclinadas,
passam pelos carreadores
com jacás cheios de cores,
com olhos cheios de estradas!
E depois, pelos terreiros,
o café amontoado
tem ares de feiticeiros,
cabeças de pretos velhos,
“esquentando o frio”, todos
de cócoras sob o sol,
no terreirão enrugado
e penteado pelos rodos...
De repente, num estrondo,
a máquina da fazenda
acorda as trevas das tulhas.
Voam corujas, morcegos,
Quando as primeira fagulhas
do vapor pesado e triste
anunciam a debulha
na boca de inferno e fogo.
Hino de ferro da terra,
É uma festa de brinquedos
numa casa de bonecas!
Peneiras, bica-de-jogo,
Descascador e polia,
as correias das canecas,
tudo dando cambalhota,
a bica de palha grossa,
enorme canhão de pau
que sopra palha no rosto
da garotada da roça!
E quando acaba a colheita
voa tudo para o ar:
rastelos, panos listados
(bandeiras esfarrapadas),
o sino doido a tocar,
businas feitas de chifre
e sinfonias de lata
na festa da ingenuidade...
...E o sábado prometido,
roupa nova, o baile, a banda
com músicos da cidade,
a barraca, o chão batido,
o frango assado, o quentão,
a pinga, tudo de graça!
Festa de fim de colheita,
festa da simplicidade:
a festa da minha raça.
TEXTOS EN ESPAÑOL
ZAFRA
Sobre el sudário inmensamente verde,
Se derrama la sangre anônima de la tierra
en el lento sacrificio universal:
esas bocas rojas colgadas
en actitud de cruz, del cafetal,
son besos de quimera que cayeron
en las conchas de las recias manos, encallecidas.
Un rio de sudor, que irá mojar
las caras silenciosas de los caboclos,
lavará toda la sangre del paisaje
y rodará com besos hacia el mar...
RECOLECCIÓN
Entonces, cuando el cielo de invierno
(invierno solamente en el calendário)
abrió los ojos,
la trompeta que durmiera
todo el año en las alforjas,
se desperto en la luz reciente
bajo un beso del capataz,
al pie de la pesada campana
que asustó a la madrugada:
la vendedora de flores
que tênia un cesto encarnado
en el cielo llenito de colores...
cielo que era un pastor de luz
como todos los pastores,
que era una enorme granada
colgada en el cafetal,
cielo rojo, inaugural,
cielo ebrio de mañana.
Era el día de la cosecha:
cedazos, telas listadas,
rastillos, sacos, cestos,
medidas, tallos de de maíz,
las caboclas* arropadas
en los paños y en los cambás**
con grandes sombreros de paja
que apenas si dejaban descubiertas
sus caras y unos granitos de café
en los ojos de las madrugadas.
Y los caboclos, reyes descalzos,
que pisan la tierra tapizada
con los grandes lienzos extendidos
sobre el suelo soleado,
la tierra toda adornada
por las alfombras sobre las cuales
van a sudar gotas de oro
de los brazos de los cafetales.
Amoríos en los surcos,
escondidos del capataz
ceñudo, que es un tipo
que llega silenciosamente
por detrás del cafetal,
acechando entre el hueco de las hojas,
levantando el ramaje de las faldas
de los árboles de café.
El fino polvo del cedazo
que abanica el cielo
en remolinos de polvo
semejantes a la chimenea
de una fábrica de tierra
fabricando bajo el sol
millones de granos de café.
!Las “caboclinhas” arropadas
Con el peso de São Paulo
sobre las espaldas dobladas,
pasan junto a los hombres cargados
con los cestos llenos de colores,
con los ojos llenos de caminos!
Y luego, sobre la tierra,
el café amontonado
tiene aires hechiceros,
cabezas de negros viejos
calentándose del frio, todos
em cuclillas bajo el sol,
sobre el amplio suelo arrugado
y peinado por los rastrillos...
De pronto, en un fragor,
la máquina de la hacienda
despierta las tinieblas de los silos.
Vuelan lechuzas y murciélagos
Cuando las primeras chispas
de vapor pesado y triste
anuncian el desgranar
en la boca del fuego del infierno.
Himno de hierro de la tierra,
!es fiesta de juguetes
En una casa de muñecas!
Tamices, “bica-de-jogo”,
descascador y polca,
las correas de las jarras,
todo dando brincos,
el tubo donde sale el grano, de paja gruesa,
!enorme cañón de palo
que sopla en la cara
de los chavales del campo!
Y al finalizar la cosecha
vuela todo por el aire:
rastrillos, sacos, tamices,
cestos listrados
(banderas harapientas),
la campana loca a sonar,
bocinas hechas de cuernos
y sinfonias de hojalata
en la fiesta de la ingenuidad...
... y el sábado prometido,
ropa nueva, el baile, la banda
con músicos de la ciudad,
la barraca, el suelo de tierra,
el pollo asado, el quentão,
la pinga, !todo gratis!
Fiesta de final de cosecha,
fiesta de la simplicidad:
la fiesta de mi raza.
caboclas: mestizas de indio con blanco.
cambás: faldas recogidas em forma de saco, atadas a la cinturaq
quentão: bebida preparada con aguardiente de caña con azúcar, jengibre y canela y servida caliente.
cachaça: bebida típica brasileña hecha con caña de azúcar.
Página publicada em novembro de 2007 |