PEDRO DANTAS
Esse é o pseudônimo literário que Francisco de Paula Prudente de Morais, Neto, adotou a partir de 1928. Nascido no Rio de Janeiro, em 1904, bacharelou-se em Direito em 1926. Teve importante atuação no movimento de vanguarda de nossas letras (Modernismo), sendo mesmo urna das principais figuras do grupo renovador do Rio. Em 1924, com Sergio Buarque de Hollanda, lançou e dirigiu a revista "Estética", que pretendia "modernizar, nacionalizar, universalizar o espirito brasileiro". Colaborou, ainda, em outras publicações dos escritores novos, entre elas "Terra Roxa", "Antropofagia" e "Revista Nova". Na revista "A Ordem" responsabilizou-se, durante algum tempo, por urna seção de crítica literária. É
autor de ensaios, inclusive um sobre o romance nacional, apontado como excelente por Manuel Bandeira. É também poeta e contista. Foi dos principais polemistas do modernismo, mas não tem livro publicado. Sua obra encontra-se esparsa pelos
jornais e revistas. Manuel Bandeira classifica-o entre os poetas bissextos, ou seja, os de escassa produção poética, e considera o poema "A cachorra" "urna obra-prima da literatura brasileira". Francisco de Paula Prudente de Morais, Neto, ocupou as cátedras de Técnica da Crítica e Historia Geral da Literatura da Universidade do Distrito Federal. Desse instituto chegou a ser o diretor. Foi jornalista.
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
A cachorra
Veio uma angústia de cima,
Pelos ombros me agarrou,
No mais fundo do meu peito
Sua lâmina cravou.
Depois que no chão desfeito
O meu corpo estrebuchou,
Pelos cabelos a fera
Sobre pedras me arrastou.
Meu corpo, se espedaçou.
Mas ainda não satisfeita,
Nova vida me insuflou:
Para mostrar poderio,
Com a sua mão direita
Uma cidade arrasou,
Na esquerda tomou um rio,
Fogo nas águas soprou,
As águas todas do rio
Com seu hálito secou.
Levou-me aos cimos mais altos,
No ar me imobilizou,
Depois, em súbitos saltos,
A garra adunca fincando
No meu coração, lá do alto
Soltou um grito nefando
E sobre o mar me atirou.
Ali! nas águas do mar alto
Meu corpo logo afundou.
Veio buscar-me de novo:
Angina-péctoris, polvo,
Meu coração sufocou
E tais surras de chicote
Me deu, que a cada lambada
Minh'alma mortificada,
Minh'alma perto da morte,
Só a morte desejou;
Meu rosto esfregou na lama,
As faces me babujou
E quando, à atroz azafama,
O meu olhar se turvou,
Vencido, entregue, arquejante
— Perdido o sangue das veias —
Na praia, sobre as areias,
Meu corpo exausto rodou.
Ali! pobre corpo do amante
Que até o fim se humilhou!
Então um riso infamante
As fauces lhe escancarou,
Zombou da minha tolice:
— "Eu sou a Cachorra", disse,
"Tu me chamaste: aqui estou."
A essa voz dissiparam-se as sombras
E enquanto ela me mastigava os últimos restos da memória
Senti que da sua boca nasciam rosas
E vi que o céu se rasgava para a maravilhosa aparição.
De Antologia dos poetas brasileiros : fase moderna v.1/ organização Manuel Bandeira - Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1996.
ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS BISSEXTOS CONTEMPORÂNEOS. Organização: MANUEL BANDEIRA.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996. 298 p, 12 x 18 cm.
ISBN 979-85-209-0699-O Ex. bibl. Antonio Miranda
“Bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.” MANUEL BANDEIRA
SONETINHO
Foi a estrela cadente?
Foi o espectro solar?
Foi o signo inclemente?
Ou o apelo do mar?
Foi o pobre demente
insofrido de amar.
A flor incandescente
Que envolve até matar.
Foi a absurda agonia,
a marcha irreparável,
o sinistro esplendor,
e música sombria,
Seu eterno, inefável,
grave e amargo rumor.
CANTIGA DE MESTRIA
Eu quero comer sargaços
engolir água do mar
triturar pedras nos dentes
eu quero arrancar os braços
ou em delírios frementes
eu quero me estraçalhar.
E quero ser desprezível
indigno, estúpido, infame
quero chafurdar no lodo
sentir a vida impossível
eu quero danar-me todo
quero que tudo se dane.
Queimar a carne nas chamas
das profundas dos infernos
provar densas amarguras
— coração, por que reclamas?
Venham todas as torturas
quero os suplícios eternos.
Só deste amor não tolero
mais penas que já sofri,
A alma dilacerada
de tão grã coita, antes quero
aos pés da mulher amada
praticar o haraquiri.
MATERIALISMO HISTÓRICO OU PSICOLOGIA DAS MULTIDÕES
Nas corridas de hoje o povo, aos gritos, invadiu a pista,
reclamando a devolução das apostas
rompeu os cordões de isolamento apesar das forças de
cavalaria
penetrou na tribuna da imprensa
atirou cadeiras na pista
arrancou as estacas da cerca
destruiu a sala de pesagem
apedrejou todos os vidros
e ateou fogo às barracas que ficaram logo reduzidas a cinza.
O prado de corridas tomou rapidamente o aspecto de um
campo de batalha.
A multidão criou todas as dificuldades à ação dos bombeiros
tentando
furar as bombas.
Para as labaredas não se propagarem,
foi preciso que os soldados do fogo mergulhassem na água
os escombros.
Mas ao ser anunciada a devolução das apostas
os ânimos serenaram
e a calma voltou ao recinto.
CANTO DE ABAFADO
Quando menos esperava
de repente percebi que estava abafado
e no meu peito o coração parou
(Não parou de verdade:
ao contrário, nunca fora tão ágil
correu os signos do Zodíaco
subverteu — amplamente — a ordem natural
das coisas
foi de estrela em estrela
para além dos limites do mundo
lá onde não há planos nem equivalências nem
perturbações)
AUTOCRÍTICA
Quando romântico
inconformado
era o meu cântico
descabelado.
Sereno esteta
greco-romano
depois fui poeta
parnasiano.
E modernista:
meu verso lírico
mais que realista
já foi homérico.
Hoje, entretanto, meu verso quero
do sentimento de toda a gente,
fácil, sem arte, rude, fatal,
de frases feitas, como os de Homero,
e com a força secreta e ardente
dos grandes sambas de carnaval.
PARÁFRASE DE CENDRARS
Quando amares, vai-te embora,
toma o trem, toma o avião,
o auto, o vapor, dá o fora,
pisa, rasga o coração.
Suspira, chora, aborrece-te,
assobia, dança, embriaga-te
e se a morte um dia afaga-te,
verás, teu amor esquece-te.
Um ano, um dia, uma hora...
Quando amares vai-te embora,
sossega esse coração.
Quando amares vai-te embora
por esse mundo de Deus.
Vai sem destino, que agora
não saibam os passos teus
onde conduzir-te. A esmo
sem hora, sem rumo, à toa
companheiro de ti mesmo
verás que a vida ainda é boa.
Vai, anda, parte, dá o fora
quando amares vai-te embora
domina o teu coração.
Quando amares vai-te embora
por este mundo sem fim!
Pobre de mim, vou-me embora,
não volto mais, ai de mim!
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TEXTO EN ESPAÑOL
PEDRO DANTAS
Seudónimo literário de Prudente de Morais Neto, nacido en Rio de Janeiro a princípios de siglo. Se licencio en Derecho en 1926, desempenando posteriormente Ias cátedras de Técnica y Crítica Literária y de Historia General de la Literatura en Ia Universidad dei Distrito Federal, de cuya Facultad de Letras era director al extinguirse dicho centro universitário. :Su obra poética no se halla reunida aún en libro, estando en buena parte inédita o esparcidâ por las mejores revistas de vanguardia, en ias cuales colaboro con alguna frecuencia.
LA PERRA
De o alto víno una angustia;
por los hombros me agarró;
de mi pecho en lo más hondo
su cuchillo me clavó.
Guando en el suelo deshecho
ya mi cuerpo agonizo,
por los cabellos la fiera
por las piedras me arrastró.
Mi cuerpo despedazó.
Pero aún no satisfecha
nueva vida me insufló.
Para mostrar poderio,
con solo su mano diestra
una ciudad arraso.
Cogió con la izquierda un rio,
fuego en las aguas sopló:
todas las aguas dei río
con, su hálito seco.
Me alzó a Ils cimas más altas;
en el aire me paró.
Después, en saltos, de pronto
la garra curva clavando
en mi corazón, en lo alto,
soltó un grito nefando
y sobre el mar me lanzó.
¡ Ay, en aguas del mar alto
mi cuerpo pronto se hundió!
Vino a buscarme de nuevo:
angina-pectoris, pulpo,
mi corazón apagó.
Y tales sus rebencazos
fueron, que, con cada golpe
mi alma mortificada,
mi alma, en Ia muerte ya,
solo muerte deseó.
Hundió en el lodo mi rostro;
la cara me babeó,
y cuando en la atroz tarea
mi mirada se turbó,
vencido, jadeante, exánime,
sin sangre en las venas ya,
sobre la playa, en la arena,
mi cuerpo exhausto rodó.
¡ Pobre cuerpo del amante
que hasta el final se humilló!
Entonces, risa infamante
las fauces le desgarró.
De mi tontería rió,
y dijo: "Yo soy la Perra;
me llamaste y aqui estoy."
Ante esta voz disipáronse las sombras,
y, mientras ella me devoraba los últimos restos de la memoria,
advertí que de su boca nacían rosas,
y vi que el cielo se desgarraba para la maravillosa aparición.
(De Apresentação da Poesia brasileira,
: , de Manuel Bandeira.)
Página ampliada em maio de 2020
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