ODORICO TAVARES
(1912-1980)
Odorico Montenegro Tavares da Silva (Timbaúba, Pernambuco em 1912 — Salvador, 1980) foi um jornalista, poeta e colecionado de arte brasileiro.
Fixou-se em Salvador em 1942, onde foi diretor do Diário de Notícias e de O Estado da Bahia. Foi eleito para a Academia Baiana de Letras em 1971.
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EM ESPAÑOL
TEXTS EN FRANÇAIS
VOLTA À CASA PATERNA
Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a. casa paterna.
Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.
O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.
As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!
Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.
Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.
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TAVARES, Odorico. Meus poemas aos meus pintores. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia – E.G.Ba, 1974. s.p. 22x24,5 cm. Planejamento gráfico Adolfo Paranhos. Fotos da pinturas: José Cavalcanti. Inclui imagens impressas e coladas nas páginas no livro de quadros de Portinari, Di Cavalcanti, Pacetti, Djanira, Antonio Bandeira, Lasr Segall, Guignard, Aldemir Martins, Manabu Mabe, Cícero Dias, Raimundo Oliveira e Carlos Bastos. “Edição fora de comércio” . Col. A.M. (EE)
Conta-se que, em companhia de sua avó, a Senhora Sant´Ana Mestra, o Menino Jesus passeava, um tanto surpreendido mas satisfeito, pelas ruas de Copacabana, quando se deteve em frente a uma galeria. Foram entrano e Sant´Ana mostrou-se encantada, de pronto, ante os quadros expostos. E perguntou, em seguida, ao Menino, quem tinha feito o aquilo:
— COMO PODERÁ HAVER
NESTE MUNDO ESTRANHO
MAS AINDA NOSSO
PAZ TÃO PERFEITA
TÃO DOCE RECANTO?
QUEM AQUI APASCENTA
TÃO BELO REBANHO
DE FORMAS E CORES
DE ANJOS E GENTES
DE NUVENS E BICHOS?
RECANTOS DE DEUS
DOS CÉUS TOCADOS
OURO PRETO SE CHAMAM
PARAI DO SILÊNCIO
BAHIA A PRIMEIRA
QUEM AQUI OS TROUXE
NUM PASSE DIVINO?
POEIRA O AZUL
CHAVE DAS ÁGUAS
ÁRVORES DORMINDO
HARMONIA DE DEUS
E DEUSES SORRINDO
ORIXÃS VESETIDOS
QUEM CRIA ESTE MUNDO
ROUBQANDO AO MENINO?
— SOU EU QUE FAÇO
DISSE O MENINO,
A MÃO EU CONDUZO
DE UM ANJO DA TERRA
QUE EU GUIO O DESTINO
DIÁLOGOS DE LUZ
COM PINCÉIS DE SONHO:
FAZEMOS NÓS DOIS
TRABALHO DE AMOR EM
SILÊNCIOS BANHADO.
— MAS QUEM É ESTE ANJO
QUE NA TERRA LIDA
PARA MOSTRAR A FACE
DO MEU DEUS MENINO?
— DJANIRA, DJANIRA É O SEU NOME,
RESPONDEU O MENINO..
De
Odorico Tavares
LIVRO DE LUCIANO
Capa e ilustrações de Calasans Neto.
Prefacio de Jorge Amado.
Salvador: Edições Macunaima, 1976?
s.p. Formato 32 x 23,5 cm.
Tiragem limitada de 300 exemplares.
Os poemas deste livro refletem duas faces de uma mesma dura realidade: o poeta ferido por um raio, em meio à tempestade, levanta-se vencendo a fraqueza e a dor. Na segunda parte, a primeira a ser escrita, o poeta lança um grito quase de desespero, dilacerador, e o mundo é sombrio como se a noite permanecesse eterna durante a dolorosa travessia. Mas ele que. Nascido de Jader e Tania, do sangue do poeta, Luciano povoa a solidão e desterra o sofrimento. A luz penetra, rompe as trevas trazida pelas mãos do infante, a alegria em seu sorriso, a vida se impõe vitoriosa.
Os poemas de Luciano constatam o milagre de um renascer diário e a eternidade do amor ilumina o coração do poeta. Do grande poeta Odorico Tavares, um dos principais de sua geração, do jornalista combativo e vitorioso, do apaixonado colecionador, do cidadão ilustre, Comendador e Membro da Academia, do homem que conhece a alegria e o sofrimento, do avô a rir para o neto, feliz da vida! JORGE AMADO
ITINERÁRIO COM JOÃO
Vi João no deserto
se alimentando de gafanhotos.
Depois encontrei-me com ele
nas margens do Jordão
batizando o Cristo.
Estive também com ele
nas prisões de Herodes
onde os carrascos do tirano
cortaram a cabeça de João
e levaram na bandeja
para Salomé.
Fomos nos encontrar
de novo na Igreja de Timbaúba
onde ele desceu do altar
com o seu carneirinho
para brincar com o grupo
dos meninos de que eu fazia
parte
e outro que chegou atrasado
chamado Luciano.
Era noite fria
da véspera
do aniversário de João
e o grupo de meninos
estava acendendo a fogueira
soltando os balões
soltando os foguetes
e João se lembrou das
brincadeiras
com o seu primo Jesus.
TEXTO EM ESPAÑOL
LA VUELTA A LA CASA PATERNA
Trad. de Renato de Mendonça
Limpad el espejo.
Si quereis, dejad los muebles como están.
Pero limpiad el espejo:
se va a producir la vuelta a la casa paterna.
No sé si todo podrá estar como antes:
si todavía me vendrán bien los zapatos,
si los trajes me quedarán estrechos,
si seguirán en los libros las lecturas antiguas.
Pero limpiad el espejo.
El río muy bien puede ser que haya desviado su curso,
Y ya no encontraré el lugar de los baños al atardecer.
Las piedras de las calles posiblemente ya no tendrán las
señales de mis pies
y no habrá nadie que me indique los caminos sabidos.
Los propios árboles, si son otros, mostrarán viejos
troncos irreconocibles.
Preguntaré inutilmente por los compañeros:
—'¿ Antonio ?, ¿Federico ?, ¿ Baltasar ?
¡Oh, voces que no responden! ¡ Amigos que jamas veré!
Tendré, ai menos, de seguro, las voces de mis padres
resonando suavemente por Ias paredes.
Por eso, limpiad el espejo,
porque, pese a todos los disfraces,
la imagen del nino que hace mucho tiempo se fué y que hoy
volvió
se reflejara nítida y vigorosa con la pureza y el encanto de
sus primeras sonrisas.
(De A sombra do mundo)
TEXTS EN FRANÇAIS
Extraído de
TAVARES-BASTOS, A. D. La Poésie brésilienne contemporaine. Antologie réunie, préfacée et traduite par… Paris: Editions Seghers, 1966. 292 p. capa dura, sobrecapa. Ex; col. bibl. Antonio Miranda
Né à Recife en 1912.
Odorico Tavares est contemporain de Vinicius de Morues. En 1934, la publication de 26 poemas attira vivement le poète Mario de Andrade par la « sensa¬tion nouvelle » que ce livre lui apportait. Journaliste, il dirige deux quotidiens à Sâo Salvador depuis 1942.
Bibliographie : 26 poemas, 1934; A sombra do mundo, 1939; Poesias, 1945.
RETOUR AU FOYER PATERNEL
Nettoyez la glace.
Si vous préférez, ne touchez pas au mobilier.
Mais nettoyez la glace :
on annonce le retour au foyer parternel.
Il est vrai que je ne sais si tout peut rester comme avant :
si les chaussures me serviront encore,
si les vêtements ne me serreront pas trop,
si dans les livres il y aura encore les anciennes lectures.
Mais nettoyez la glace.
La rivière peut très bien avoir dévié son cours,
et je ne retrouverai plus l'endroit des baignades vers le soir.
Les pierres dans les rues n'auront probablement plus trace
de mes pas,
personne ne me montrera les sentiers autrefois connus.
Même les arbres, si ce ne sont pas d'autres, me feront voir
de vieux troncs que je ne reconnaîtrai pas.
Je demanderai inutilement des nouvelles de mes camarades :
Antonio ? Frederico ? Baltasar ?
O voix qui ne répondez pas ! Amis que jamais je ne reverrai !
Certes j'entendrai au moins la voix de mes parents résonnant
faiblement contre les murs.
Ainsi, nettoyez la glace,
car, malgré tous ses déguisements,
L'image de l'enfant depuis longtemps parti et aujourd'hui rentré
se reflétera nettement avec la pureté et l'enchantement de ses
premiers sourires.
« A SOMBRA DO MUNDO »
Página publicada em janeiro de 2009. Página ampliada e republicada em dezembro de 2017.
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