MAURO GAMA
(Rio de Janeiro, 1938) é poeta e crítico literário. Publicou Corpo verbal (l964), Anticorpo (1969) e Expresso na noite (1982).
O Poeta e crítico literário, Mauro Gama, nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. Estudou letras clássicas e ciências sociais, em que se licenciou pela UERJ. Estreou em livro com os poemas de Corpo verbal (1964). Ganhou a vida como redator de editoras e obras de referência, entre as quais cinco enciclopédias, como a Barsa 1, a Mirador internacional (onde foi assessor editorial de Otto Maria Carpeaux e Antônio Houaiss) e Barsa 3. Trabalhou na primeira fase do Dicionário Houaiss e colaborou na imprensa carioca, sobretudo em revistas da Bloch, no Jornal do Brasil e O Globo, em cujo caderno “Prosa & Verso”, de vez em quando, ainda resenha livros de literatura. Auto-exilado de sua grande e violenta cidade, vive hoje principalmente de lexicografia e traduções, em sua Quinta da Janaína, em Mendes/RJ. Outros livros publicados: Anticorpo (1969) e Expresso na noite (1982), poemas; José Maurício, o padre-compositor (1983), ensaio; Michelangelo – cinqüenta poemas (2007: tradução para o português coetâneo e estudo crítico; Prêmio Paulo Rónai da Fundação Biblioteca Nacional) e Zoozona seguido de Marcas na Noite (2008). Mauro Gama tem mais cinco livros de poemas inéditos, dois volumes de crítica e história literária, e muitos cadernos de diário, que escreve há quase 50 anos.
Depois de vinte e seis anos sem publicar nenhum livro de poemas, o poeta e crítico literário Mauro Gama, lança pela editora A girafa, o Zoozona seguido de Marcas na noite. O livro reúne poemas escritos durante a década de 70.
“Mauro Gama, en los dos fragmentos de su largo poema A Fazenda, adopta una técnica de yuxtaposición de palabras, de tal manera que la uma se explica por la outra y se vuelve sobre sí misma. Considerese la yuxtaposición de barro anjo músculos o de metal céu terra, etc. Hay un flujo racional de monosílabos, bisíliabos y trisílabos ordenados por un lúcido o inteligente control de trimbres.
En el “manifiesto didáctico”, se definió el poema-praxis en los siguientes términos: “es el que organiza y monta, estéticamente, una realidad situada según tres condiciones de acción: a) el acto de componer; b) el área de levantamiento de la composición; c) el acto de consumir”. Parece que el trabajo de estos poetas justifica dicha definición.”
MARIO CHAMIE (trad. de Ángel Crespo)
PERFIL
DE RODA GIGANTE
Dando festa no bairro clara
Visitação de burgueses
gozos e
Guizos: meses na roda rodam
Burgueses / esas em rol em
risos
De framboesa de frangos
gozos
Guizos-risos tão brancos e
Bancos brincos: de prata?
— lata
Em que rodam rodam:
rotas
Sem fim ou só fim nos elos
E aros amparos joelhos e
olhos
Rodando festa no bairro
clara
Visitação de burgueses
Gozos e
Guizos: meses na roda
rodam
Se abraçam passam nos
passos
Do metal em traços de tempo
Igual casual e no espaço sempre
Dos casais: cabeças e coxas
No ar perdidas e reavidas
em línguas
Idas ao fundo fundidas
findas
Em seios selos mamilos elos
E aros amparos joelhos
olhos
A léguas-anáguas gáveas
De rosto prata de resto
lata
Nessa clara festa no bairro.
(De Anticorpo. Ed. Autor, Rio, 1969).
Comentário: “ O que destaca Perfil de Roda Gigante como um assinalar da reificação e da transformação de homem em objeto é, verdadeiramente, a mesma construção que parodiando Genet faz com que a criada já se veja criada. O movimento de não transformação da roda gigante atesta a permanência da reificação nos estatutos existenciais do homem> a essência alienada pela sociedade humana faz com que nas mecanizações do gesto se demonstre a sua entificação.” ANTONIO SÉERGIO MENDONÇA (in POESIA DE VANGUARDA NO BRASIL. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970. p. 29)
VOCABULÁRIO DEL POEMA
por Ángel Crespo
A FAZENDA: anjo: ángel; asas:alas; céu: cielo; peito: pecho (fig. esfuerzo, valor); mão: mano; espelho: espejo; renda: renta; milharal: maizal; colheita: cosecha, recolección; vai: va; balaio: cesto redondo; malha: malla; falha: roto; farpa: desgarrón; tão só: tan solo.
A fazenda
(fragmento)
PLANTIO
Homem ou barro o anjo
músculos e asas pardas
metal contra o céu
contra a terra metal
de alto a baixo homem
cava homem cava na
polpa do sol na polpa
da terra cava no peito
cava e pára mão ou terra
desprendida digitada se
recortada contra o espelho
do azul renda renda
de luz curvando-se ou festo
e sopro
de sementes? Pão
que devora o barro
ou corpo
em lâminas mão e ventos
COLHEITA
cesto levanto o incesto
sem fruto ou curva, solar.
e lacaio do pulso aliás
do impulso
vai o balaio vai o que
em dedos e alma de
palma a palma ferida
é a carga e a malha
é a falha e a farpa
também — ou tão só — da vida.
* Texto y poema extraído de CHAMIE, Mario. “Poema-praxis: un acontecimiento revolucionario.” In: REVISTA DE CULTURA BRASILEÑA, Tomo III, Número 9, junio 1964, p. 171-199.
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ANTOLOGIA DA NOVÍSSIMA POESIA BRASILEIRA. Seleção e notas de Gramiro de Matos e Manuel de Seabra. Lisboa: Livros Horizonte, s.d. 194 p. (Coleção Horizonte Poesia, 14) 14x21 cm. Inclui os poetas: Adauto de Souza Santos, Francisco Alvim, James Anhanguera, Eudoro Augusto, Carlos Ávila, Ronaldo Azeredo, Alberto Luiz Baraúne, Antonio Carlos de Brito, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, José Carlos Capinam, Ana Cristina César, Chacal, Mário Chamie, (Charles) Carlos Ronald de Carvalho, Moacy Cirne, Ronald Claver, José Falcon, Armando Freitas Filho, Leomar Froes, Mauro Gama, Pedro Garcia, José Ino Grunewald, Júlio Castañons Guimarães, Lara de Lemos, Florisvaldo Mattos, Gramiro de Matos, Leila Miccolis, Carlos Nejar, Afonso Henriques Neto, Torquato Neto, Libério Neves, Sebastião Nunes, Mário de Oliveira, Décio Pignatari, Roberto Piva, Fernando Py, Ricardo G. Ramos, Affonso Romano de Sant´Anna, Wally Sailormoon (Waly Salomão). Silviano Santiago, Olga Savary, Roberto Schwartz, Abel Silva, Adão Ventura, Bernardo de Vilhena, Ronaldo Werneck, Jairo José Xavier. Col. A.M.
Poema de Mauro Gama
Ministro STF *
Saiu de algum ataúde? Mais
certo é de algum açude de-
serto murcho doente: de
estrume e grude
somente. Eis pois por que
descarnado no seu estofo de
mofo na sua toga e debrum
este é um mutum que se afoga
depois de estar empalhado e
se traz para este estrado:
mutum ou montão de ruína —
imune múmia latina (magis
tractus: magistrado)
E seja o Dr. Belmonte ou o
Dr. Jeca-Falante essa mele-
ca-ambulante para manter-se
na linha, se
supre do tal supremo — ser-
vido em conserva ou cru e
que não leva galinha
mas urubu.
Se delícia confia nessa
última ânsia (e instância) :
não vê que dos seus instan-
tes os últimos muitos
séculos os converteram nos
ecos no fumo e pó do Oci-
dente. Não vê que julgando o
só que ali o espera impo-
tente o julga só sob o jugo
de vis e velhos verdugos
doutores-mores servis e im-
peradores cervídeos. Não vê
que depois de morto depois
de morto-empalhado e — em
sua palha—afogado,
não se vê que caiu ainda na
mesma — e infinda —
arapuca:
na rede da lei caduca que
nos dá sede de vida e lhe
desmancha a peruca. Não vê
que a mancha do tempo lhe
come a renda da manga; não
vê que a fome do mundo quer
outro mundo e outra renda:
que toda uma nova gente que
vem pelas novas sendas tem
punhos mais persistentes e
empunha as leis do presente.
*Supremo Tribunal Federal.
GAMA, Mauro. Expresso da Noite (1968-1976). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982 143 p. (Coleção Poiesis) Capa: Marc Chagall. 143 p. Col. Bibl. Antonio Miranda
NOTURNO EM NÓ
Você não ouve os uivos
na noite não vê
nos bueiros
passar os trapos inteiros
ou os bagaços da noite.
Você não ouve esses gritos
que grudam crus no granito,
entre touceiras de unto
e de defuntos cabelos.
Não cheira a feira de horror
que entorpeceu as estrelas
e entre as agulhas da dor
semeou cristais de torpor
e gelo —
postas de ais
e nervura aflita.
Você não vê — ou evita —
o remexer estalável
das bem cevadas baratas
pastando o molho das ventas
e erguendo as cascas ao vento:
são regimentos completos
por corre-dores repletos
de estertores plásticos
esgares
de suores cáusticos
e cancros
pré-camuflados para esconder-
se dos punhos
testemunhos
de quem não for subornado.
GAMA, Mauro. Expresso da Noite (1968-1976). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982 143 p. (Coleção Poiesis) Capa: Marc Chagall. 143 p. Col. Bibl. Antonio Miranda
DESENLACE
Na madrugada em trapos os desencontros
amadureceram os pontos tontos do mapa
se desprenderam murchou a topografia
das frutas já passadas e das alegrias.
Na tela parada do ar estão rasgando fatias
de solidão e a voz distante ou o pio
recalcitrante dizem apenas que apesar
de vão o mundo insiste . o seu fermento
insiste em acrescentar o comprometimento
que há em tudo e tem em tudo um gosto
triste uma acidez de ervas sofridas e
sol-posto. E a vez e a hora embora
as folhas não se façam mais sentidas e
o ânimo dos troncos não vença a doença
ou o cano anónimo dos motores. Os motores
passam os ruídos passam e o que flutua
ainda — ou permanece — é uma lembrança
(baça) de outra noite e lua onde o que fora
messe — e aberto mar — é agora o afoito
apuro do amar o incerto (ou não) futuro.
GAMA, Mauro. Zoozona seguido de Marcas na noite. São Paulo: A Girafa Editora, 2008. 147 p. 13,7X19 cm. ISBN 978-7719-85-7719-029-3 “ Mauro Gama “ Ex. bibl. Antonio Miranda
25. AQUÁRIO
Para o Cláudio
A vida por trás do vidro
contida fingindo-se
resolvida:
transparência do silêncio
nesse aquático artifício.
É a paz que se compõe
só de água e luz?
No acará-bandeira
me refaço flâmula
e (teu) fâmulo de prata:
minha seta meu apuro
(último) assumo — se bem que
assim solene
nem preciso de rumo.
Repente de outro ancho
de sol e repentes
morro em dourado
— em pleno salto
fisgado.
Mas or eis-me
de novo — imberbe
e nobre — neste barbo
que nus
parece olhar-nos.
Ah! E nessa carpa
que vem
com os pingos todos is
— até os aí
de Jundiaí.
Stamos em pleno mar stamos
st st s s s s — só de cavalos —
marinhos: com a vantagem
de sequer uma miniatura
de cavalgadura
os cavalgar.
Ó enguia : que nos guia
por ali — e alhures —
na mais voraz fantasia
das corolas.
Olha bem que já vem lúbrica
e é a eletrizante propriamente deita.
No fundo
já não passo de um
linguado: achatado
vendo tudo só de um lado
— folha torta solha morta.
Não fosse essa
arraia — graúda —
tão alada e fêmea
com a cara a cauda os ferrões e
sua boceta menina.
A vida por trás do vidro
contida fingindo-se
resolvida:
aqui em cristal regredimos
nágua envoltório ventre silêncio
e de gritos tritos tiros protegidos
morremos ainda vivos
pelo que nem quereríamos
ser livres.
CONFIDÊNCIA
Para Norma Pace
O entardecer recomponho. Entre palmeira
e sonho o tempo me vinha às mãos em
seu frescor de primavera e o que já ardera
ou expirava desse dia —
tecido esgarço em sumo e cor
ouro e calor esparso — por entre os nossos
lábios cabelos dedos não se consumia.
Refazia-se sim transposto em claro amor
e novos dias vida vida tenro alento
de criança: e alçava as almas muito além
das palas ou do vento
e da desesperança.
Havia em torno um movimento bravo
e inútil de risos e conchavos motores
em partidas riscos de cem sapatos em
corrida
pelos corredores (do prédio — desvanecido
e nédio — à nossa esquerda) e a noite
em nossos olhos se esquecia — toda únida
e úmida confluência
em que amora florescia em confidência.
GAMA, Mauro. Corpo verbal. Rio de Janeiro: 1964. 88 p. Composto e impresso na Gráfica Juruá Limitada.
Ex. bibl. Antonio Miranda, doação do livreiro José Jorge Leite de Brito.
INTERIOR
Dor
de silêncio
e vermelhidão:
lírio de movimento
salpicante e quádruplo
no abrir-se
Soturna bolha
rubí líquido
em convulsão
de agulhas gritos
— oh! a distância!
— divergentes.
Cisne encarnado
em ser-me síntese
— astro de nervo
e oclusos ventos
em diáfano sanguíneo
catavento — onde
me entregas?
Dálias circunvol
ventes dálias sois
de carne em ânsia
e dança de engulir-me.
No entanto sem resposta.
ADOLESCÊNCIA
Peitos de ouro e chama
na alta esfera azul
da manhã
Cisnes em nunca amar-me
em carne aérea
rítmicos, deslizam
Ponto obscuro
— ponto e mágoa —
em graça aquém e além
de Tudo, permaneço.
CALVÁRIO
Maçã ofeg ante
alma ruiva e gera dor
es fé bre´ vissimundo
em lava me cor
ação que lem´br asas
de anjo sino cobre
Cristo hialino.
Cristalino
a feto além
do cor´po é ta´lhado
em mar e sangue
— estarel ar triste
de safira.
Esfera sana
cruci-diáfano-ficada.
Página ampliada em fevereiro de 2022
Página ampliada e republicada em outubro de 2008. ampliada e republicada em abril de 2014. Ampliada e republicada em setembro de 2016.
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