MARÍLIA GARCIA
(Rio de Janeiro, 1979)
Traductora y co-editora de las revistas Modo de Usar & CO e Inimigo Rumor. Publicó: 20 Poemas para o seu walkman (2007).
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EM ESPAÑOL
De
Heloisa Buarque de Hollanda
Otra línea de fuego - Quince poetas brasileñas ultracontemporáneas.
Traducción de Teresa Arijón. Edición bilingüe.
Málaga: Maremoto; Servicio de Publicaciones,
Centro de Edciones de la Diputación de Málaga, 2009. 291 p
ISBN 978-84-7785-8
Le pays n´est pas la corte,
pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metro, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real diz com cílios erguidos
procurando um mapa
II
não é o avião em rãs ante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)
III
de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com frequência
(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)
Le pays n'est pas la carte,
piensa bien pero
si tuviese las calles cuadradas
habría ido a otro café, habría dicho todo de
otro modo y visto desde
arriba la ciudad en vez de
perderse cada vez
a la salida dei metro, no es desagradable
estar aqui, es apenas
demasiado real dice con Ias cejas levantadas
buscando un mapa
II
no es el avión en rasante sobre
el agua ni el cuerpo
en la ventana semiabierta
viendo el diseño
de los carros abajo — no comenta nada
porque prefíere hacer planes
en silencio
(testaria sonando
con colinas?)
III
desde alia manda largas
cartas describiendo el país,
los terremotos y la forma de la ciudad.
puede decirme que nunca se
espanta pero no percibe que
camina preguntando:
¿la cabina es de plástico? ¿es tu voz
la de la grabación? ¿es un navío en el
horizonte? puede ser apenas
un margen de error pero
no piensa en eso
con frecuencia
(puede ser apenas la ventana
abierta que se lleva los papeles)
GARCIA, Marília. 20 Poemas para o seu walkman. Rio de Janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosacnaif, 2007. 96 p. (Col. Ás de Colete, 17) Col. Bibl. Antonio Miranda
Duas vozes
I. O que se esconde atrás de uma voz
sofre em alguma parte
em silêncio, entre eles
na mesa de vidro do café apenas
um círculo de água
e quanto tempo mais dura
uma noite terrível? pela janela
tudo escuro não há luzes piscando lá fora
não há som, só a fumaça sob os pés
um território lunar, alguém
disse, e se você olha para um lugar qualquer
como algo estranho acaba por poder retê-lo
na memória por um tempo indefinível, não
este lugar, pensa bem. um abraço do alto
da escada antes de tudo dos corredores
paralelos da chave azul
sobre a mesa.
o que se esconde por detrás de algo
se você olhar bem pode ser que veja.
(sentado no banco
durante todas as horas).
II. En extraneza de mundo
no carro metal-chispante
seus cílios riscando o ar
denso e cada um ensimesmado.
estranharam-se em silêncio durante
tanto tempo (essa cidade nasceu
de uma série de erros e derrotas) na
película pareciam dizer: como você
suportou todos esses anos?
voltar é sempre um estado de
concreção nebulosa, uma negatividade
em aceitar o aceitável
dizer aterrar é melhor do que
aterrizar nesse lugar
e ficar parada numa esquina
à espera do código
GARCIA, Marília. Câmera lenta. Poemas Maríllia Garcia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 96 p. 14x21 cm. ISBN978-85-359-2955-3 Ex. bibl. Salomão Sousa.
"Poesia que permanece em aberto. Poesia do processo, mais que da obra acabada. Sempre em movimento, em viagem, entrelaçando motivos em múltiplas espirais de linguagem, fragmentos de narrativas."
ITALO MORRICONI
imaginem que isso aqui é um quadrado
com drones volantes,
ou uma cena congelada
com o céu cheio de zepelins,
mas o som é um só:
barulho de máquinas
voadoras
pelo céu.
em loop, a fala do soldado
vivo numa caixa preta
de vinte centímetros,
vejo o mundo por um visor,
no meio uma cruz
para mirar as coisas
prédios estradas objetos cachorros.
tudo que passa pelo quadro
vira alvo, então penso em algo
linear: você já reparou que algumas imagens
se repetem? de repente,
um cisco no olho.
"eu vivo numa caixa preta",
disse, estamos sentados
lado a lado no trem
— em silêncio — os dois de calça verde
e camisa branca.
sei que não está tudo bem,
levanto o olhar tentando alcançar
o dele e ouço apenas a voz
de frente para o alvo.
vivo numa caixa preta, diz,
e eu não sei como parar
a repetição.
de cima
saio outra vez nesta
direção:
é escuro, de madrugada, e estão em alta
velocidade no meio dos faróis.
bem-vindo a este mapa
embora ele não traga
um acesso a
algo real.
como uma
superfície recoberta de cores
e uma faixa de movimento
atravessando o
oceano.
não sei realmente
a direção dos peixes no aquário, ele dizia
que ninguém consegue prever o fim
mas falava de um radar ou algo
com ondas específicas, parecido com o dia
em que ouviu o som da voz dela.
era como o apego pela caixa de cartões
perfurados guardada sob a cama
ou ver tudo em 3D ao sair do
táxi e seguir o movimento
em slow motion.
agora move as nadadeiras
azuis, o cabelo escorrido pelo ombro,
e lembra do dia em que subiram pelo túnel.
lá no alto, um lago de peixes coloridos.
teria dançado com ela
e seriam iguais os dias,
teriam dançado no escuro
de madrugada enquanto a voz
pelo alto-falante seria apenas
uma frequência de ondas
sem definir nenhum
som.
Página publicada em dezembro de 2010. ampliada e republicada em abril de 2014. Ampliada e republicada em outubro de 2017 |