MARIA DE LOURDES ALBA
Maria de Lourdes Martínez Alba de Almeida Borges nasceu na cidade de São Paulo, em 1957. Aposentada, formada pós-graduada em Jornalismo.
Livros: Alrededor de la horas (Montevideo: aBrace, 2008); Ao Redor das Horas (São Paulo: Scortecci, 1999); .Gotas na Face (Itatiba, SP: Berto Ediora, 2003), Sentimentos peregrinos (Campinas, SP: Ed. Komedi, 2005)
Veja um video de MARIA DE LOURDES ALBA:
https://www.youtube.com/watch?v=s6rCemQ_JeI&feature=youtu.be&ab_channel=MARIADELOURDESALBA
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
O tempo consome o tempo
E como dar um tempo
Se não temos tempo a dar
AO REDOR DAS HORAS
Passam as horas
Lentas
E eu percebo cada segundo delas
Passando
Girando como a órbita da Terra
Redonda
Lenta
Imensa
E me exausto a sentir os minutos
Que custam a passar
E me custam
E lamento
Lamento ter que sentir
Cada segundo da Vida
A vida a cada segundo
E o tempo me consome
E eu consumo o tempo
E nós nos devoramos
Um ao outro
E para em nossa garganta
Gota a gota
Como torneira a pingar
Lenta
Lenta a se esvair
Lenta
Bem lentamente
REPOUSO
Eu conto
E no conto eu desconto
Eu relato eu me abro
Desabafo
E no peso deste caminho longínquo
Não me acho
Me atraso
Nada traço
Deixo de conhecer o que desconheço
Deixo de pisar para nada desmoronar
Não eu não vou
Nunca irei
Por onde nunca pisarei
CARDÁPIO
A tarde
Melancia
Laranja
Mamão
Mas doce
Doce mas
A jaca
A caja jaca
Do lanche
Da tarde
BRINCADEIRA
A bola solta no ar
Bate no muro
Faz barulho
A bola
Ela incomoda traz alegria
Há sempre uma criança atrás da bola
Criança crescida ou não
Há sempre um criança
O toc-toc da bola nos lembra
A criança que um dia
Morou em nós
Hoje quero que todas a crianças
Brinquem brinquem muito
Com a bola ou com o que seja
Caminho da felicidade
Como fui?
SOLTA ESCOLTA
Pisa pisa sai de risca
Rema volta traz a bola
Escola
Escolta esconde atrás do mundo
Retorna
Traz à tona
De volta
Solta
CÁ
Mórbida tarde
Te despejei meus sentidos
Mórbida vida
A tempestade se fez
Não se desfez
A vida se foi
Amargas ficaram
Cá
Só
TU
O sol ilumina teus olhos
E teu coró resplandece de alegria
A juventude que trazes na pele
Te faz radiante
Não poderia teu corpo brilhar tanto
Se tua alma obscura fosse
O verão se faz verão em ti
Em teus cabelos
O teu sol
Que trazes dentro de ti
Ilumina e aquece o planeta
Não poderia o calor do sol
Arder tua pele em teu corpo
Que transluz o seu fulgor
Se apenas és o meio e o processo
Que aquecem o corpo e a alma
E que fenecem em todo o meu ser
ACOLHIDA
Nem mesmo o céu pode me acolher
Nem mesmo a água me matará a sede
Nem mesmo eu
E ando e vou
Sempre à frente
De um céu
Que não está no céu
Ou da água
Que não existe
A saliva
Nem mesmo a saliva me suaviza
Nem mesmo seus olhos
Que com seu encanto me desencantam
Pois nem mesmo o céu me acolherá
NAVEGAR
A vida é navegar rumos incertos
Por mares abertos
Monótonos
A oscilar
Navegar
Belas paisagens além
Miragens de nautas
Nosso barco vai
E passa
Ponto perdido no tempo intemporal
SIMPLESMENTE
As flores estão condenadas
A simplesmente deixarem
De florir
A fauna está condenada
A simplesmente
Se extinguir
O céu deixou de ser azul
E simplesmente
Perdeu suas estrelas
O luar tão intenso
Simplesmente
Escureceu
Simplesmente
Que reflexo nos traz
Esta falta de mar
Esta falta de ar
Esta falta de terra
Esta falta de lar
Esta falta de amar
Esta falta de luar
Esta ausência estrelar
Esta falta de te amar
Simplesmente
ACABOU... ACABOU?
O pão a manteiga
O arroz o feijão
O leite o café
O aroma?
Acabou
Teu olhar teu sorriso
Tua fala tua boca
O amor?
Acabou
O relógio de ponto a máquina de escrever
A caneta o carimbo
O trabalho
A computação
A aflição?
Acabou
Os discos as toalhas
O tênis o papel
O vaso
E as flores?
Acabou
Tudo se extinguiu
Na chama infinita
Acabou
Acabou?
Mais três poemas do meu primeiro livro de Maria de Lourdes Alba
-— Ao redor das horas. Scortecci, 1999:
INFINITO
No horizonte perdido
No mundo de sonhos
No azul do além
Vivo em transe
Nas profundezas do mar
No mundo escuro profundo
Negror da escuridão
Te achei
Nos barcos a caminho do nada
No chão batido e seco
A chuva que bate e o molha
Te transformou em barro da terra
Cada dia cada dia
Cada momento a ansiedade que aumenta
Sinto que a vida me mata
Liga-me de vez ao teu visgo
Pobre mundo pacato
Que me prende à aridez da terra
Que me leva às profundezas
Da terra estorricada
Banhada da chuva
Do nosso amor
NESTA NOITE
Nesta noite os lençóis
Serão leves
Como plumas a voar
Neste leve som de harpa
O toque vem acalmar
Nossos lábios se tocar
Nesta noite os lençóis
Serão leves
Como plumas a voar
Os teus olhos vão clarear
A noite escura
E pura
Os teus cabelos vão se soltar
O teu corpo já está
A suar
Nesta noite os lençóis
Serão leves
Como plumas a voar
Eu vou sentir
Nossos corpos se entrelaçarem
Num só corpo
Numa só alma
A caminho do infinito
Nesta noite os lençóis
Serão leves
Como plumas a voar
O ar vai esquentar
E nossos corpos flutuarão
Em brisas
Em mar
Em ondas
A velejar
Nesta noite os lençóis
Serão leves
Como plumas a voar
E o céu descerá sobre nós
Voltaremos do infinito
O teu corpo e o meu corpo
Levitarão em paz
Nos lavará o rio
Nossas almas em suas águas
E todos os pássaros
Cantarão todas
As canções
E todas as aves
Voarão
E todas as bocas
Hão de sorrir
Unidas
Nesta noite
Só nesta noite
VIDA
Vou levando a vida
Em ruínas
Passo a passo
Eu passo a caminhar
No paço
Vou levando a vida
Em cada passo largo amplo distante além
Vejo você
Como uma estrela guia
A me direcionar submissa
E vou vivendo
A desejar o suor do seu corpo
Todo dia
A procura do seu calor
Para me aquecer
Para despir-me de mim mesma
E pela manhã o cansaço
Descansado levita
Sinto desejo de você
Que todo dia é dia
E todo dia que é dia sinto
Desejo de você
E então vou e voo
Vou levando a vida
Vivendo vou
Vendo vivendo
A vida
A viver
PAZ
Onde a paz estaria
Senão no teu olhar
Onde os lábios pousariam
Senão nos lábios teus
Após o teu cantar
Os pássaros te ensinaram
A dançar e rodopiar no ar
Sem nem saberes voar
E nessa imensidão azul
Sem início sem meio sem fim
São os teus olhos que brilham
Tal como a vida ousaria brilhar
SURGIU
Surgiu...
Como saindo
De uma flor
A o desabrochar
Abriu um sorriso
Invadiu meu coração
Tão leve quanto a brisa fria da manhã
Prenunciando novo dia
Como os teus olhos
Tua face macia
Que tanto acaricio
É só o que dá sentido
À minha existência
MEDO
Medonho é este medo
Que mede meu passo andarilho
Que repreende minha exaltação
Que me deixa sem saber o que fazer
Ai Que medo
Que me coloca num entrelaçar
De teias de aranhas
Não há como escapar
Ai Que medo
Que me dói tanto
Na minha desesperança
Ai Que medo
Que mede até meus limites
Que me sacaneia
Que me reprime
Que me espreme
Medo
Medonho
Que medo sinto do medo
VEJAM TAMBÉM O VIDEO:
https://www.youtube.com/watch?v=pv_d9TDd52g
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Tirzah Ribeiro
TÚ
El sol ilumina tus ojos
Y tu cuerpo resplandece
La juventud que traes en la piel
Te hace radiante
No podría tu cuerpo brillar tanto
Si tu alma fuera oscura
El verano se hace verano em ti
En tus cabellos
El sol
Que traes
Ilumina y calienta el planeta
No podría arder el calor del sol
En tu piel en tu cuerpo
Que trasluce tu fulgor
Si apenas fueras el médio y el proceso
Que calientan el cuerpo y el alma
Y se marchitan em todo mi ser
ACOGIDA
Ni siquiera el cielo puede acogerme
Ni siquiera el agua matará mi sed
Ni siquiera yo
Y ando y voy
Siempre adelante
De un cielo
O del agua
Que no existe
La saliva me suaviza
Ni siquiera tus ojos
Que com su encanto me desencantan
Pues ni siquiera el cielo me acogerá
INIMIGO RUMOR – revista de poesia. Número 19 –
2º SEMESTRE 2007. Editores: Carlito Azevedo, Aug1usto Massi.
Rio de Janeiro, RJ: Viveiros de Castro Editora, 2007. 166 p. ISSN 415-9767. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
SILÊNCIO
Eu queria ter a coragem
De lhe falar tudo e todas as coisas
Mas me calo
Tenho vontade de planejar o mundo
Partilhar mais planos contigo
Mas me calo
Soltar-me
Libertar-me para expressar intimidades
Mas me calo
Desenrolar
Expor tudo que sinto
Após os carinhos seus
Mas me calo
Dizer na tua distância
Como sinto tua falta
Silencio
E o silencio me impede de ser mais solta contigo
ACRÓSTICO NATALINO
Na metamorfose da vida
Acendeu-se a chama da esperança
Trazendo consigo a luz
Alumiando a todo instante
Leve como um sopro de vida
MINHA CASA
Eu vou me casar
E vou ter a chance
De ter meu o que é meu
Vou pensar por mim
Pensar por nós
Vou deixar de lado
As tristezas
A desilusão
Os temores
Vou ter minha casa
Vou pisar no meu chão
Vou amar o meu homem
Vamos comer o mesmo pão
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Página ampliada em dezembro de 2023
Página publicada em junho de 2008; ampliada em janeiro de 2019; ampliada e republicada em outubro de 2020
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