MARIA CARPI
Nasceu em Guarapé, Estado do Rio Grande do Sul, em 1939. Advogada, magistrada estatal. Reside em Porto Alegre.
Obras publicadas: Nos gerais da dor (1990), Desiderium Desideravi (1991), Vidência e acaso (1992), Os cantares da semente (1996), A migalha e a fome (2000) e as antologias pessoais Pequena Antologia (1992) e Caderno das águas.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
CARPI, Maria. O Perdão imperdoável. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. 144 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-286-1576-0 “ Maria Carpi “ Ex. bibl. Antonio Miranda
24.
O que sobrevive mora
ao rés do chão e compartilha
a casa, um andar acima,
com os que se foram
ladrilhar passos no além.
Tantas almas habitam
o sítio de um sobrevivente
sob um teto de cintilações,
ainda em corpo, fecundado
por uma gravidez de alto
risco, a única possibilidade
do perdão imperdoável.
35.
Aquele que perdoa puxa
toda a solidão da existência.
Se o perdão apaga a culpa
e coloca a espada outra vez
em sua bainha, a claridade
do perdão não apaga a retidão
do rosto frente à ferida.
Na compaixão, tu vês
o outro como a ti mesmo.
No perdão, o outro se vê
como nunca vira a si próprio.
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NOS GERAIS DA DOR
POEMA 27
Se um pássaro não tivesse asas,
seria uma bala deflagrada, alta
noite, tocha incendiada, mais um
insutentável soluço no mar, se
um pássaro não tivesse asas, se
arremessaria contra a solidão,
contra o peso, contra a laje de
si mesmo, até que a imensidão
exilada lhe estivesse, dentro,
desmedida, revolta, sem asas.
Nos Gerais da Dor, 1990.
POEMA 7 DO CANTO À FRUTA
DESIDERIUM DESERAVI
Sei com exatidão plena
Tudo o que não sei. Amo
com paixão extrema tudo
o que não amei. Em vez de
anunciar, vou cumprir um
rosto na multidão. Reuni-lo.
Não como as frutas num cesto,
Mas como as sementes no fruto.
OS PÃES
Eu sou filha do interior
onde os pães não levedam
com acúmulos do acaso,
mas artesanal virtude
desde a luz do trigo
à luz da fome. Onde a
farinha e a água estão
à flor da pele. Onde não
é o grão que se prepara
para a boca, mas a boca
que amadurece para o grão.
O trigo dali não sobe,
mas desce-entre-nós.
O pão dali não apenas
sustenta, mas profere
a palavra que dorme na
aparência. O pão escuta.
Videncia e acaso, 1992.
POEMA 29 –
SEMENTE EM MIM
Um bafo de sazão fugada,
de madureza deixada
a esmo, põe temperança
comigo, em igualdade
de pele, porque olhos
não me viram, nem mão
me colheram. As uvas
onde o tempo espuma.
Os cantares da semente, 1996
CARPI, Maria. A força de não ter força. São Paulo: Escraituras Editora, 2003. 109 p. 14x21 cm. ISBN 85-7531-078-X Impresso em papel chamois 80g/m2. Edior: Raimundo Gadelha. Capa: Reginaldo Barcellos. Col. A.M.
Amor, essa fora de não
ter força; essa paz
dando a pez; esse rosto
incandescente, nunca
lido, que se sobrepõe
aos demais e reluta
quando todos fenecem
e mais se aviva, encoberto.
Vou sair de mim, sair
da cidadela do corpo,
sair do corpo do mundo
para entrar. Distancio-me
de onde estou a chegar
perto do amor, onde sou.
Não fui eu a crescer
nessa maré de líquens
e assombro. Outro ser,
como o leito de um rio,
deslocou minhas carnes
e propósitos. Fui-lhe
ventre e sudário. Em mim,
amor morto e amor vivo.
Agora servem-me a ceia.
CARPI, Maria. Caderno das águas. Antologia. Porto Alegre, RS: WS editor, 1998. 96 p. 14x21 cm. (Série Poemas) “ Maria Carpi “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação Marly de Oliveira.
O Sonho e as Viagens
Há os que viajam locomovendo-se
exaustivamente e arrastando pesadas
malas e mapas, com bilhetes e tíquetes.
Arrastando a vistoria do passaporte.
Para eu viajar necessito ficar em mim.
Entrar no miocárdio, sem bagagem,
Sem extravio e baldeações. É o ponto
das coordenadas com as estrelas,
a medula das visões, o moinho d´água
do olfato, antes de desalterar-me
em rios e alísios. Antes do rosto
desfolhar-se. Para eu viajar além
das paisagens pálidas dos locais
turísticos, além da rosa dos ventos
murchada pelos cruzamentos aéreos,
além dos pacotes do fastio, necessito
descer ao íntimo e escavá-lo anterior
a meu surgir, a tocar a cálida esfera,
com o estio da nuvem que me gerou.
Cardado em Flor
O lugar mais sagrado não é
onde nasceste. Esquecendo-o,
As parreiras sopesam. Vê bem
onde morres. Deixa-o cardado
em flor. Deixa com o melhor
de ti, o lugar a seres chamado.
Eu agradeço a todos os que
de uma forma ou outra, bem
Ou mal, dialogaram com minha
morte, em resguardo, enquanto
eu madurava e nascia de parto
natural, rompendo-me as águas
do paraíso e cortando vez meu
cordão umbilical com as estrelas.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edción Loiovento, 2001.
EN LO COMÚN DEL DOLOR
POEM a 27
Si un pájaro no tuviese alas,
sería uma bala deflagrada, alta
noche, cirio incendiado, pero un
insustentable sollozo en el mar, si
un pájaro no tuviese alas, se
arrojaría contra la soledad,
contra el peso, contra la losa de
si mismo, hasta que la inmensidad
exiliada estuviera, dentro,
desmedida, revuelta, sin alas.
Nos Gerais da Dor, 1990.
POEMA 7 DEL CANTO A LA FRUTA
DESIDERIUM DESIDERAVI
Sé con plena exactitud
todo lo que no sé. Amo
con pasión extrema todo
lo que no amé. En vez de
anunciar, voy a cumplir un
rostro en la multitud. Reunirlo.
No como las frutas en um cesto,
pero como las simientes en el fruto.
Desiderium desideravi, 1991
LOS PANES
Yo soy hija del interior
donde los panes no fermentan
con cúmulos del azar,
sino con artesanal virtud
desde la luz del trigo
a la luz del hambre. Donde la
harina y el agua están
a la flor de piel. Donde no
se prepara el grano
para la boca, sino que la boca
madura para el grano.
El trigo de allí no sube,
sino que desciende de entre nosotros.
El pan de allí no sólo
sustenta, sino que profiere
la palabra que duerme en el
apetito. El pan escucha.
Videncia e acaso, 1992.
POEMA 29 –
SIMIENTE EM MI
Un hálito de estación fugada,
de madurez dejada
a la ventana, impone templanza
en mí, en igualdad
de piel, porque ojos
no me vieron, ni manos
me cogieron. Las uvas
donde el tiempo espuma.
Os Cantares da Semente, 1996.
Página publicada em dezembro de 2007
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