------------------------------------------------------------------------------------------------------
Z I P S O N N E T
Soneto de JULIO CORTAZAR
de arriba abajo o bien de abajo arriba
de cima abaixo ou já de baixo acima
este camino lleva hacia sí mismo
este caminho é o mesmo em seu tropismo
simulacro de cima ante el abismo
simulacro de cimo frente o abismo
árbol que se levanta o se derriba
árvore que ora alteia ora declina
quien en la alterna imagen lo conciba
quem na dupla figura assim o imprima
será el poeta de este paroxismo
será o poeta deste paroxismo
en un amanecer de cataclismo
num desanoitecer de cataclismo
náufrago que a la arena al fin arriba
náufrago que na areia ao fim reclina
vanamente eludiendo su reflejo
iludido a eludir o seu reflexo
antagonista de la simetría
contraventor da própria simetria
para llegar hasta el dorado gajo
ao ramo de ouro erguendo o alterno braço
visionario amarrándose a un espejo
visionário a que o espelho empresta um nexo
obstinado hacedor de la poesía
refator contumaz desta poesia
de abajo arriba o bien de arriba abajo
de baixo acima ou já de cima abaixo
------------------------------------------------
(Contraversão com várias licenças
por Haroldo de Campos)
Publicado originalmente na revista ATRAVÉS. 2,
Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1978, p.104
onde o autor descreve e justifica a tradução.
De
Julio Cortázar
ÚLTIMO ROUND – tomo I
Trad. Ari Roitman e Paulina Wacht
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009
ISBN 978-85-200-0639-9
Os deuses
Os deuses caminham entre coisas pisoteadas, segurando
as pontas dos seus mantos com gesto de asco.
Entre gatos podres, entre larvas abertas e acordeões,
sentindo nas sandálias a umidade dos farrapos corrompidos,
os vômitos do tempo.
Em seu céu despido já não moram, lançados
fora de si por uma dor, um sonho turvo,
estão feridos de pesadelo e lama, parando
para recontar seus mortos, as nuvens ao contrário,
os cães de língua quebrada,
a espreitar invejosos o abismo
onde ratos eretos disputam chiando
pedaços de bandeiras.
VIAGEM INFINITA
para quem com seu incêndio te ilumina,
cósmico caracol de azul sonoro,
branco que vibra um címbalo de ouro,
último trecho da lâmina fina.
a mão que te busca na penumbra
se detém na tépida encruzilhada
onde musgo e coral guardam a entrada
e um rio de pirilampos te alumbra,
sim, portulano, da esmeralda o fulgor,
sirte e fanal nua mesma bandeja
quando a boca navegante beija
a poça mais profunda do teu dorso,
suave canaibalismo que devora
sua presa que o dança no abismo ermo,
oh, labirinto exato de si mesmo
onde o pavor das delícias mora
água para a sede de quem te viaja
enquanto a luz que junto ao leito vela
desce às tuas coxas sua úmida gazela
e por fim a trêmula flor escacha
El niño bueno
No sabré desatarme los zapatos y dejar que la ciudad me muerda los pies
no me emborracharé bajo los puentes, no cometeré faltas de estilo.
Acepto este destino de camisas planchadas,
llego a tiempo a los cines, cedo mi asiento a las señoras.
El largo desarreglo de los sentidos me va mal. Opto
por el dentífrico y las toallas. Me vacuno.
Mira qué pobre amante, incapaz de meterse en una fuente
para traerte un pescadito rojo
bajo la rabia de gendarmes y niñeras.
O bom menino
Trad. de Antonio Miranda
Não saberei desamarrar os sapatos e deixar que a cidade morda meus pés
não me embriagarei debaixo de pontes, nem cometerei gafes de estilo.
Aceito este destino de camisas engomadas,
chego a tempo nos cinemas, logo cedo lugar às senhoras.
A grande desordem dos sentidos me cai mal. Opto
pela pasta de dente e as toalhas. Me vacino.
Veja que pobre amante, incapaz de meter-se numa fonte
para trazer-te um peixinho vermelho
com a raiva de vigilantes e babás.
“Te quiero por ceja”
Te amo por ceja, por cabello, te debato en corredores
blanquísimos donde se juegan las fuentes de la luz,
te discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza de cicatriz,
voy poniéndote en el pelo cenizas de relámpago
y cintas que dormían en la lluvia.
No quiero que tengas una forma, que seas
precisamente lo que viene detrás de tu mano,
porque el agua, considera el agua, y los leones
cuando se disuelven en el azúcar de la fábula,
y los gestos, esa arquitectura de la nada,
encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro.
Todo mañana es la pizarra donde te invento y te dibujo,
pronto a borrarte, así no eres, ni tampoco
con ese pelo lacio, esa sonrisa.
Busco tu suma, el borde de la copa donde el vino
es también la luna y el espejo,
busco esa línea que hace temblar a un hombre
en una galería de museo.
Además te quiero, y hace tiempo y frío.
Amo-te por sobrancelhas
Amo-te por sobrancelhas, por cabelo, debato-te em corredores
branquísimos onde se jogam as fontes da luz,
Discuto-te a cada nome, arranco-te com delicadeza de cicatriz,
vou pondo no teu cabelo cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam na chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem por trás de tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo as lâmpadas a meio do encontro.
Tudo amanhã é a ardósia onde te invento e desenho.
pronto a apagar-te, assim não és, nem tampouco
com esse cabelo liso, esse sorriso.
Procuro a tua súmula, o bordo da taça onde o vinho
é também a lua e o espelho,
procuro essa linha que faz tremer um homem
numa galeria de museu.
Além disso quero-te, e faz tempo e frio.
(Tradutor: desconhecido, mas deve ser um português por causa da ortografia: “arquitectura”)
EL BREVE AMOR |
O Amor Breve |
Con qué tersa dulzura |
Com quê tersa doçura |
me levanta del lecho en que soñaba |
Me levanta do leito onde sonhava |
profundas plantaciones perfumadas, |
Profundas plantações perfumadas |
me pasea los dedos por la piel y me dibuja |
Passeia os dedos na minha pele, me desenha |
en el espacio, en vilo, hasta que el beso |
No espaço, suspenso, até que o beijo |
se posa curvo y recurrente |
Repousa curvo e recorrente |
para que a fuego lento empiece |
Para que o fogo lento comece |
la danza cadenciosa de la hoguera |
A dança compassada da fogueira |
tejiédose en ráfagas, en hélices, |
Tecendo-se em rajadas, em hélices |
ir y venir de un huracán de humo- |
Ir e vir de um furacão de fumaça |
(¿Por qué, después, |
(Por quê, depois, |
lo que queda de mí |
O que resta de mim |
es sólo un anegarse entre las cenizas |
É só um inundar-se entre as cinzas |
sin un adiós, sin nada más que el gesto |
Sem um adeus, sem nada mais que o gesto |
de liberar las manos ?) |
De liberar as mãos?) |
Tradução Aline Fagundes. Nov 2013
Fonte: http://ritmodasletras.wordpress.com/2013/11/19/poema-el-breve-amor-o-amor-breve-autor-julio-cortazar/
Não me deixe só diante de ti,
não me livre à noite desnuda,
à lua afiada das encruzilhadas,
a não ser mais que estes lábios que te bebem.
Quero ir a ti desde tu mesma
com esse movimento que fustiga teu corpo,
estende-o em pleno sol com um velame negro.
Quero chegar a ti desde ti mesma,
mirando-te desde os teus olhos,
beijando-te com essa boca que me beija.
Não é possível que sejamos dois, não é possível
que sejamos
dois.
(Tradução: Antonio Miranda)
Foto extraída de:
MORDZINSKI, Daniel. A literatura na lente de Daniel Mordzinski. Textos de Adriana Lisboa e Victor Andresco. São Paulo: SESI-SP editora, 2015. 412 p. ilus. col. ISBN 978-82075-604-2 Textos em português e castelhano. Ex. bibl. Antonio Miranda
Página ampliada e republicada em novembro de 2009 - ampliada e republicada em outubro de 2014; ampliada em novembro de 2017