Fotografia do casamento de
Aldenora Carvalho de Miranda
com Manuel Teixeira de Miranda.
MEU PAI
Poema de Antonio Miranda
Meu pai era bonito. E mulherengo.
Igual a tantos naquelas terras de homens
e de aventurança, de vidas empobrecidas,
de marasmo e suor nas virilhas,
onde apenas o cemitério segurava aquela gente
errante e retirante.
A rua acabava no rio
e ele, no bar, pelo caminho.
Vi, então, meu pai inteiro, desnudo,
tomando banho de caneco
e me apaixonei por ele
- eu tinha meus nove anos
e me reconheci no espelho avesso
de nossas diferenças.
Ele, tão libertino.
Eu, introvertido, escrevendo versos.
Mas o cigarro abreviou-lhe a vida
e as finanças da família,
virou fumaça e lágrimas.
Levitando como nuvem estacionada,
lá está ele segurando uma balança,
lembrança dos tempos de garimpo.
Diante de deus, de joelhos
- noves fora nada. Derradeira sentença,
dizia minha mãe desventurada.
Mas eu agora tenho os cabelos brancos
e espessos que ele me legou
mas não aquele olhar possessivo,
aquele olhar sentencioso e definitivo
que me conquistou
como o anti-herói.
Brasília, 27.11.2005
MINHA MÃE
Poema de Antonio Miranda
Minha mãe morreu atribulada
relembrando o enxoval encardido
na gaveta entreaberta
- seus desejos contrariados.
As flores nem sempre vicejam e já sucumbem
desamparadas pela Providência.
Adiou todos os prazeres
para satisfazer as vontades alheias.
Seus joelhos penitentes
e seus dedos de novenas
rogavam pelos vivos, com extrema devoção.
Sobre o colchão de penas,
enxergando a família em desespero,
acreditando no nascimento de estrelas
e na eternidade dos cristais.
Estava segura do aperfeiçoamento contínuo dos espíritos.
Morte e vida seriam fases de uma mesma existência.
Mas dizia não haver descanso algum depois da morte.
Brasília, 29 nov. 2005
MEU PAI
“O poema é um registro da memória do poeta que transcreve livremente suas reminiscências e essa liberdade harmoniza-se com os versos livres. As linhas poéticas reportam-se à infância do artista que reconstrói a imagem física e comportamental do pai. Enquanto comentários são expostos sobre o outro ausente, paralelamente o eu recorda de si ao opor antiteticamente a extroversão do pai, através da libertinagem dele, e a introversão do filho, retido em seus versos. Nesse momento, a metalinguagem se materializa em união com a memória, expondo o perfil do eu e do outro.”
In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014. 268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor.
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