ROBÉRIO VIANA
Nasceu em Aracaju, Sergipe, no dia 29 de dezembro de 1963.
Formado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe
Poemas do livro Hiato, de 1986:
EPITÁFIO
Silêncio
Por favor
Silêncio
Um instante de silêncio
que a minha vida se despede:
meu passado se contempla nas vitrines
minhas lembranças posam pra fotografias
— uma mulher parte e não regressa.
Mas
quero um silêncio completo:
calem as buzinas, o grito de alegria;
calem a cor verde, o dia de amanhã;
Calem todos os bares, os lares aglomerados;
calem as flores e os cantos;
vedem os champagnes;
desinventem o amor dos homens e das mulheres;
reinventem a morte, o suspiro de dor...
Quero o silêncio dos túmulos,
das andorinhas ciganas e crepusculares.
Quero o silêncio das igrejas abandonadas,
do feto absconso.
Quero o silêncio do escuro,
de mãos suprimidas.
Quero o silêncio da minha face orvalhada,
das águas lúbricas do mar.
Quero o silêncio da fome,
do choro nos hospitais.
Quero o silêncio do poeta ante o branco lascivo do papel.
Quero um silêncio profundo,
profundamente inútil e
vago
pelo silêncio que se fez em mim.
Eu só não quero
Por favor
Não quero
o silêncio da palavra: Voz
***
CATARSE NUPCIAL
Enfim o sol;
a exaustão em nossos corpos
reticências em nossas vidas
a solidão cúmplice das nossas roupas sonolentas
escorregando pelos móveis
desmaiadas pelo chão
teu pescoço colorido de carmim
emerge uma coluna de volúpia saciada
teus seios túmidos ainda lançam
um último olhar de pirâmide ao céu
nossas mãos atilhadas
descansam a avidez das viagens
A luz da manhã fere nossas pupilas
Nossos beijos trôpegos rolam as escadas
e osculam as ruas
nossos braços sôfregos refugiam as esquinas
nossos gritos gemidos acordaram a cidade
nosso gozo se derrama pelos regos sub e terrâneos
das avenidas
e as nossas pernas atravessam
a última ponte do poema
Página publicada em janeiro de 2020
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