R. ROLDAN-ROLDAN
R. Roldan-Roldan nasce na Espanha. É criado no Marrocos. Formação francesa. Cidadão brasileiro. Infância conturbada: é separado dos pais, durante o pós-guerra, devido à perseguição política. Empregado numa empresa de transporte aéreo, viaja pelo mundo. Numa dessas viagens, um marco em sua vida: é detido por engano no Afeganistão, país que o marcará para o resto de sua existência. Em 1996, já gerente de uma multinacional e com três filhos, abandona absolutamente tudo
para dedicar-se à literatura. Come o pão que o diabo amassou. Mas, coerente e liberto, assume seu destino e sente-se finalmente digno e em paz. E autor de 22 livros publicados. Os 5 primeiros (3 na França e 2 no Brasil) são por ele destruídos
depois de editados e não constam de sua bibliografia. Sua obra, que abrange romance, conto, poesia e teatro, vai aos extremos. Como sua vida. Com a qual se confunde. Da paixão ibérica, do ceticismo gaulês, do solo islâmico e da sensualidade tropical surge a cor intrínseca de sua identidade, obsessão e tema principal de sua obra.
A obra poética de R. Roldan-Roldan está intrinsecamente ligada à sua personalidade cosmopolita. Misturados numa proporção explosiva, o ceticismo europeu, a sabedoria oriental e a exuberância sul-americana dão início a suas poesias fantásticas, surreais e, ao mesmo tempo, marcadas por um realismo sóbrio e amargurado. Diria que o poeta não pertence por completo a nenhuma cultura específica e, desse modo, afirma sua universalidade... Oleg Almeida.
ROLDAN-ROLDAN, R. Os úberes do infinito. Poesia. Campinas, SP: Komedi Editores, 1998. 112 p. Capa: Semeador com Pôr-do-Sol, de van Gogh.
Cavei luzes em busca da Noite
esplendor oculto do saber
sentir
tateando as trilhas do anjo rebelde
transbordando de sementes
deslizando por sonhos ásperos de amantes rivais
sendas translúcidas de orgulho e paixão
anulando o supérfluo
livre como o desejo
ouvindo a memória das estrelas
traduzindo o retorno do silêncio
o murmúrio de universos anteriores
acoplando a alma aos extremos da coerência
sobrevoando os fariseus de fim de milênio
mergulhando no lume
na nascente escura
sagrada
desgarrada
a consciência
**
Fortuna de viver
sepultada na loucura da ilusão
no inatingível esplendor da Beleza
galgando névoas escarlates
oscilando entre ânsia e nojo
estalando sonhos secos de carvalho abatido
como se a alma
presa num torno
pingasse fúria e ternura
antes de ver suas arestas
— vitais arestas —
aparadas pelo cinzel da mediocridade
em nome da razão
**
Tardes remotas de chuvas suspensas
estampa inacabada
ouço-as liturgicamente
medievais em seu estar
revelando
sólidas
em minha percepção pré-existindo
nítidas como minha prisão
soltas
Tardes de antanho
foscas ou cromadas
anteriores a mim
seculares
intatas na memória líquida
portentosas de tão íntimas
vitrais emoldurando o que sendo
não fui
inefável retorno
**
Trem de músculos e curvas
fixo na desolação dos ergs
donde emanam
por areias prateadas de luar
suspiros gemidos
retorcidos
gozos tardios atrelados à via férrea
sem destino sem origem
arrepiados pelo uivo da hiena
estáticos no estertor do olvido
desaguando espermas em bocas torturadas
rasgando carnes redimidas pela última solidão
mamando os peitos transbordantes da Noite
investindo contra o ânus da Morte
lúgubre fenda do século vindouro
toca de eflúvios letais
gozos ressecados
esfolados pelas luas não vividas
sem a luz úmida do passado
fantasmas de orgasmos crepusculares
tentando libertar as rodas da ferrugem
Página publicada em setembro de 2012
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