LUÍS DELFINO
Luís Delfino dos Santos em Desterro, Ilha de Santa Catarina, Brasil, e 1834 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1910. Político e poeta brasileiro, considerado “o segundo poeta mais importante de Santa Catarina, superado apenas por Cruz e Sousa.” Formado em Medicina, foi também senador por Santa Catarina no início da República Velha.
Não publicou livros em vida, distribuindo-os em jornais e revistas da época. Sua obra é, no entanto, vasta — mais de mil poemas —e considerada perfeita. Foram reunidos em catorze volumes e publicados pelo filho, Tomás Delfino dos Santos, entre 1926 e 1943.
Considerado um parnasiano, mas sua poesia chega até ao simbolismo.
VER também: LUIZ DELFINO (poema e cartão postal antigo)
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
TEXTO EN ITALIANO
TEXT EN FRANÇAIS
ALTAR SEM DEUS
Inda não voltas? — Como a vida salta
Destes quadros de esplêndidas molduras!
Mulheres nuas, raras formosuras...
Só a tua nudez entre elas falta ...
Pede-te o espelho de armação tão alta,
Onde revias tuas formas puras;
Pedem-te as cegas, lúbricas alvuras
Do linho, que a Paixão no leito exalta.
Pedem-te os vasos cheios de perfume
Os dunquerques, as rendas, as cortinas,
Tudo quanto a mulher de bom resume,
Escolhido por tuas mãos divinas...
E sai do teu altar vazio, ó nume,
A tristeza indizível das ruínas ...
CADÁVER DE VIRGEM
Estava no caixão como num leito,
Palidamente fria e adormecida;
As mãos cruzadas sobre o casto peito,
E em cada olhar sem luz um Sol sem vida.
Pés atados com fita em nó perfeito,
De roupas alvas de cetim vestida;
O tronco duro, rígido, direito,
A face calma, lânguida, dorida...
O diadema das virgens sobre a testa,
Níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas como noiva, que cansou na festa.
Por seis cavalos brancos arrancada...
Onde irás tu passar a longa sesta
Na mole cama, em que te vi deitada?!...
TELA APAGADA
Tecum vivere amem.
Horácio
Como isto aqui mudou!... Agosto, o ano passado,
Tinha mais sol, mais luz, mais calor, menos frio;
Mas tudo o mais é o mesmo: a água do mesmo rio,
A ponte de madeira, as mangueiras, ao lado,
Velhas, grandes, em flor, o lanço esburacado
Do muro, e o líquen nele, e a avenca, e o luzidio
Lacrau, que salta, e vira, e já volta ao desvio;
O cão ganindo; e a um canto, à esquerda, ao longe, o prado;
Bambus em renque, em meio o caminho, e no espaço,
Longe do morro, ao fundo, a casa; e no terraço
Sobre o jardim, talhando o ar cintilante, a imagem
De um anjo, - um áureo nimbo à coma, o olhar humano
Como jamais pintou Corregio ou Ticiano:
Quem, levando-a, apagou a esplêndida paisagem...
ALMA VIÚVA
És uma alma viúva e perturbada:
Foi-te a paixão um vento de passagem,
Que indo, lançou do céu na tua imagem
Luxos da noite e jóias da alvorada.
A flor de amor, macia e perfumada,
Não foi de oásis, foi de uma miragem;
Anda por ti, como um rumor de aragem
A um rosal, que deu rosas, pendurada.
Teu negro olhar... o teu olhar esconde
Lasciva flauta de dois tubos, onde
Pã tocara, cantando a selva em coro.
Dentro, o desejo, como instável onda,
Dorme fremendo, quando alguém o sonda,
Como um leão ao sol nas garras d'ouro.
UMA PRINCESA ANTIGA
Tem a grandeza antiga e peregrina
Das mulheres da Bíblia, e da Odisséia:
Anda, fala, aparece... e se imagina
Ou Palas ou Judite ou Diana ou Rea.
Mas quando ao campo os passos seus destina,
Sua estatura avulta: - então é Dea:
Jove, para a espiar da azul cortina,
Deixa os deuses no Olimpo em assembléia.
Juno descora... E ela no cercado,
Numa das mãos erguendo os seus vestidos,
Com outra lança às aves pão cortado,
E vê de longe, entre os capins crescidos,
O velho boi de Homero, um boi malhado
De passo tardo e chifres retorcidos.
O MAL DA VIDA
Amor, pois, é a esplêndida loucura,
E a miséria de um sol que nos invade?
Caiu alguém aos pés da formosura
Que lhe não deixe aos pés razão, vontade?
Este delírio vem da eternidade,
Vem de mais longe, eu sei: - quem o procura
Acha-o mais velho do que Deus: quem há-de
Fugir do mal da vida por ventura?
E o amor é o mal que acaba em paraíso;
E para dar-nos céus num só lampejo
Basta-lhe um pouco, um nada é-lhe preciso:
De sonhos d'oiro e luz calça o desejo:
E então, de dia, em rosa abre o seu riso,
E em ampla estrela, à noite, abre o seu beijo...
CAPRICHO DE SARDANAPALO
"Não dormi toda a noite! A vida exalo
Numa agonia indômita e cruel!
Ergue-te, ó Radamés, ó meu vassalo!
Faço-te agora amigo meu fiel...
Deixa o leito de sândalo... A cavalo!
Falta-me alguém no meu real dossel...
Ouves, escravo, o rei Sardanapalo?
Engole o espaço! É raio o meu corcel!
Não quero que igual noite hoje em mim caia...
Vai, Radamés, remonta-te ao Himalaia,
Ao sol, à lua... voa, Radamés,
Que, enquanto a branca Assíria aos meus pés acho,
Quero dormir também, feliz, debaixo
Das duas curvas dos seus brancos pés!..."
OS SEIOS
Nunca te vejo o peito arfar de enleio,
Quando de amor, ou de prazer te ebrias,
Que não ouça lá dentro as fugidias
Aves, baixo alternando algum gorjeio...
Aves são, e são duas aves, creio,
Que em ti mesma nasceram, e em ti crias,
Ao arrulhar de castas melodias,
No aroma quente e ebúrneo do teu seio;
Têm de uns astros irmãos o movimento,
Ou de dois lírios, que balouça o vento,
O giro doce, o lânguido vaivém.
Oh! quem me dera ver no próprio ninho
Se brancas são, como o mais branco arminho,
Ou se asas, como as outras pombas, têm...
IN HER BOOK
Ela andou por aqui; andou. Primeiro,
Porque há traços de suas mãos; segundo,
Porque ninguém, como ela, tem no mundo
Este esquisito, este suave cheiro.
Livro, de beijos meus teu rosto inundo,
Porque dormiste sob o travesseiro
Em que ela dorme o seu dormir, ligeiro
Como um sono de estrela em céu profundo.
Trouxeste dela o odor de uma caçoula,
A luz que canta, a mansidão da rola
E esse estranho mexer de etéreos ninhos...
Ruflos de asas, amoras dos silvedos,
Frescuras d'água, sombras e arvoredos
Dando seca aos rosais pelos caminhos...
PRIMEIRA MISSA NO BRASIL
(a Vítor Meireles)
Céu transparente, azul, profundo, luminoso;
Montanhas longe, encima, à esquerda, empoeiradas
De luz úmida e branca; o oceano majestoso
À direita, em miniatura; as vagas aniladas
Coalham naus de Cabral; mexem-se inda ancoradas;
A praia encurva o colo ardente e gracioso;
Fulge a concha na areia a cintilar; grupadas
As piteiras em flor dão ao quadro um repouso.
Serpeja a liana a rir; a mata se condensa,
Cai no meio da tela: um povo estranho a eriça;
Sobre o altar tosco pau ergue-se em cruz imensa.
Da armada a gente ajoelha; a luz golfa maciça
Sobre a clareira; e um frade, ao ar, que a selva incensa,
Nas terras do Brasil reza a primeira missa.
A POESIA
O que é poesia, Helena? O céu invade,
E tudo une e desune e tudo enfeixa;
E tudo mete em sonorosa endeixa,
E tudo quanto foi, e inda ser há de.
É a voz de Deus, o som da tempestade:
Dá músicas ao mar, amor à queixa:
E ela em seu manto embrulha os sóis, e deixa
A ira enleá-la, e é cheia de bondade.
Embala o berço, e faz dançar a boda:
Mesmo ao trágico empresta os seus encantos:
Dá voz sublime à ventania douda.
É de existência dor, sorriso, prantos:
E a grande, a rica natureza toda
Luz, freme, goza, sofre, haure em seus cantos...
EXTRA MUROS
A tarde de ontem!... Longe da cidade,
Eu a esperava à porta do Passeio:
Quando via ir chegando um carro: — há de,
Pensava, ser o carro em que ela veio.
Não era. — Então ficava em novo enleio:
Cada momento era uma eternidade;
E entre a esperança, a dúvida, o receio,
Que inquietação, que angústia, que ansiedade!
Mas de repente o rápido ginete
Estaca, o faéton pára, as longas clinas
Sacode o pônei fino e cor de leite:
Sai a deusa: o sol ri, e das colinas
Rola-lhe ao pés a luz, como um tapete
Que ela esgarça na ponta das botinas...
A ÁGUIA
A águia negra, num vôo, de repente
Fura o céu, desprendida da montanha,
E parece levar em feixe ardente
Luz, que às garras metálicas apanha.
Afronta o sol, provoca-o frente a frente,
Deixa as nuvens atrás, remonta em sanha...
E volta irada, triste e lentamente,
Por ver tão longe a luminosa aranha.
Liso, e em foto o areal, como um espelho
Amplo, se estende ao seu olhar vermelho...
Vermelho, como a espuma dos vulcões:
Desce; e por desenfado ao bico enorme,
Enquanto um grupo de gazelas dorme,
Folga arrancando os olhos aos leões.
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TEXTO EN ESPAÑOL
LUIZ DELFINO
(1834-1910)
TRADUCCIÓN DE JAIME TELLO
De CUATRO SIGLOS DE POESÍA BRASILEÑA
Caracas: Centro Abreu Lima de Estudios Brasileños, Instituto de Altos Estudios de América Latina, Universidad Simón Bolivar, 1983
LA PRIMERA LÁGRIMA
Cuando al caer la lágrima primera
Surcó de Eva el rostro doloroso,
Quedó el rostro de ella tan hermoso
Y la besó Adán de tal manera,
Que cual rompe cascada prisionera
Sus alas de azul y oro primoroso
Abriendo, por el éter vaporoso
Huyera el ángel en veloz carrera.
Otros, posando en próxima montaña,
De cerca querían ver los condenados,
Haciendo del dolor alegría extraña.
Y al rumor de los besos redoblados,
Todos querían perdición tamaña,
Ansiosos, mudos, trémulos, pasmados.
TRADUCCIÓN DE ANGEL CRESPO
LA FUENTE QUE EXTASÍA
Por soberbios peldaños de mármol reluciente
Se sube hasta la fuente de bronce; y, espeñada
En granos de oro y perlas sutiles, la corriente
De agua cae como gasa apenas arrugada.
Por un lado la dora, la irisa, el sol poniente,
Por el otro la hiere la sombra desmayada
Que traen los velos de ópalo que envuelven al ambiente...
Se ahoga en silencio la gran bóveda azulada.
Dos palomas, hermanas en nítida blancura,
Posan los pies color de rosa en la bacía,
Beben, el cuello encogen; y en tanto que murmura
El agua, y un Amor de bronce, arriba, espía...
Una linda mujer coger agua procura
Y le rebosa el cántaro, pues Amor la extasía.
DESPUÉS DEL EDÉN
La lágrima primera brotó un día
Y holló la faz de la mujer primera,
Y su rostro tan bello refulgia
Y la besaba Adán de tal manera
Que ángeles, y los tronos, a porfía
—Como una catarata prisionera—
Abriendo alas de luz y pedrería,
Rodaron en espléndida carrera...
Unos, desde la próxima montaña,
Querían contemplar los condenados
En su dolor y su agonía extraña...
Y, ante los dulces besos redoblados,
Todos pedían punición tamaña,
Ansiosos, mudos, trémulos, pasmados...
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TEXTO EN ITALIANO
Extraído de
MIRAGLIA, Tolentino. Piccola Antologia poetica brasiliana. Versioni. São Paulo: Livraria Nobel, 1955. 164 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
VERGINE MORTA
In quella cassa sta come in um letto,
Pallida, muta, fredda, addormentata;
Le mani in croce, spora il casto petto,
In ogni sguardo ormai la vita orbata.
I piedi uniti dal laccio perfetto,
Indossa bianca veste assetinata,
Il busto duro, rígido, correto,
La faccia calma, languida, affilata...
Di vergine, il diadema sulla testa;
Candida rosas tra le man protesa,
Para una sposa stanca della festa.
A sei cavalli Bianchi fosti appresa:
Dove vai a dormir si lunga siesta,
Nel letto molle ove ti vidi stesa?
TEXT EN FRANÇAIS
PUJOL, Hypolyte. Anthologie Poètes Brésiliens. Preface de M. de Oliverira Lima. S. Paulo: 1912. 223 p. Ex. bib. Antonio Miranda
L'OMBRE DE SA MAIN
Je sors de son alcôve, à pas lents, tout morose,
Et la laisse seule, veillant
Une petite sœur malade qui repose...
Le jour s'effaçait lentement.
Au bout d'un corridor plongé dans la pénombre
Je descendis l'escalier
Dans ma main de sa main emportant comme l'ombre,
Comme emportant le monde entier.
De cette main j'emportais l'ombre fugitive,
Car même je sentais encor
Me froisser cette main chaude, tremblante et vive
Qui faisait frissonner mon corps,
Cette main de velours, cette main que j'adore,
Suave comme du satin,
Aux doigts couleur de rose, aux ongles faits d'aurore
Et des nuances du matin.
Quand je me vis enfin seul, à ma bouche ardente
Je portai ma main sans chaleur,
Et baisai de sa main l'ombre, l'ombre enivrante
De doux parfum et de douceur.
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
A INDEPENDÊNCIA E O IMPÉRIO
JOÃO CAETANO
Como uma estrela monstruosa, o drama
lança as garras na cena, e se dilata;
E quando a cauda dos clarões desata
Como leões fugindo aos antros, brama.
Quer-se um atleta então, que o horror, e a chama
Do olhar do monstro não fascine, e abata,
Que se levante dessa luta ingrata,
Agarrado aos milhões de mãos de fama.
Foi ele um domador. Hoje enfim dorme.
Que pedaços de sóis, — na queda enorme, —
Levou consigo o Encéfalo sombrio!...
Caiu, como o gigante da floresta,
Que abala o solo, esmaga tudo... — e resta
O espaço, em torno lúgubre e vazio!@
( MUSA CÍVICA – Xavier Pinheiro -
Leite Ribeiiro & Maurilo, 1920)
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/santa_catarina/santa_catarina.html
Página ampliada em outubro de 2021
Página ampliada e republicada em junho de 2009; ampliada em dezembro de 2015. Ampliada em novembro de 2019
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