HERON MOURA
Nasceu em Recife (PE) em 1963. Desde 1986, encontra-se radicado em Florianópolis (SC), mas passou a infância em Belém (PA) e viveu em João Pessoa (PA) a partir de 1971, onde concluiu Letras na Universidade Federal da Paraíba. Morou mais de um ano em Paris (2000), onde fez pós-doutorado. Fez doutorado em Lingüística na UNICAMP (Campinas-SP). Em Florianópolis, atua na área de Lingüística na Universidade Federal de Santa Catarina. Mais informações sobre o autor podem ser buscadas no seu site pessoal (www.heronmoura.com).
Bibliografia: Pergaminho, pela Universidade Federal de Santa Catarina, 1987; Margem Móvel, 1995;; Vendedores de Sono, 1999, Editora Nankin, Prêmio Minas de Cultura; O respirante, Editora 7Letras, Prêmio Goyaz de Poesia, 2006.
(Seleção e apresentação de SALOMÃO SOUSA)
MOURA, Heron. O respirante. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. 81 p. (Coleção Guizos) 12,5x19 cm ISBN 85-7577-276-7 “ Heron Moura ” Ex. bibl. Antonio Miranda
O RESPIRANTE
5.
O respirante conduz
o seu balão de oxigênio,
o seu invólucro de chamas,
o verbo tridimensional
para a reposição de ar
E essa ração escassa
(o vapor já se dissolveu
e o céu está claro)
faz dele uma coluna de fumo,
um cilindro de gases
destacado do horizonte
Todos os sinais que ele emite
- a evolução dos músculos faciais -
respondem à consciência
de sua existência de respirante,
o mundo fendido
e transformado, e não como era antes
6.
O respirante aspira partes de si mesmo,
partículas do eu suspensas na atmosfera
que ele recolhe, uma a uma,
no seu ser composto
O ar é a última fronteira
a terra não cercada
o galope ainda não medido
a ilha não devastada pelos clãs
o oeste a oeste de seu alcance
No consumo diário
de si mesmo,
na cisão do eu e da fronteira,
a liberdade aspirada
vem de fora
à beira do eu que respira
Não há greve de ar
Como há greve de fome:
o respirante não tem
liberdade em estoque
Diálogo com um poeta
Não é o homem que se move
mas o cenário,
pensou o poeta ainda criança
(quando na pista, prestes ao vôo,
ao lado o avião apenas rasteja,
o nosso é que parece andando)
Vistos desse ponto da sala
os móveis parecem inertes
como só aviões num hangar –
sob uma sensação de dança
(e a dança é uma forma de vôo)
que redesenha toda a sala
com o bico dos sapatos
(mas sem nenhuma escala audível
ou ruído de lábios na memória)
Sempre pensarei o cenário
como pensava o poeta criança?
Um mundo a mais
Acreditar menos é menos mundo?
Se a parte do amor se perde,
é mundo a menos;
se passo um traço sobre o que não creio
(como um deus ocioso que descrê
do que criou),
o mundo é apagado além da linha?
Não o uso da crença, mas o desuso
da descrença aumenta a náusea
- um depósito de dias perdidos
Se corto em dois um triângulo
e dispenso o escaleno por descrença,
é geometria a mais e não a menos
Vendedores de Sono
Esses homens levam paisagens dobradas
nos ombros
- redes com estampas variadas
como o sono dos possíveis compradores
O torpor das redes anestesia tempo
e movimento;
eles vendem morfina
já inoculada nos músculos
dos ombros
(uma dezena de redes carregadas)
Não penso nesses músculos adormecidos
mas no sono que eles vendem;
sono e torpor têm grande oferta
mas não esse sono uterino
dos vendedores de rede
A tecnologia das redes:
sob essa trama visível (mortalha)
dançam casuais as partículas
do sono
perfeitamente adaptáveis à consciência
de cada consumidor
(como a forma da rede se amolda
à flexível coluna de cada um)
Esses homens levam paisagens dobradas
nos ombros
e olham indiferentes as cidades estranhas
Os possíveis compradores já estão todos
dormindo nas redes
(amortalhados)
Essa rosa é vermelha, mesmo no escuro.
Essa rosa é vermelha, mesmo no escuro.
A sensação do sangue da cor
perde seu halo nítido.
Uma infecção na noite
como lembrança da nitidez.
O dia é a forma – a sensação é o lugar
que sobrevive na noite.
Colher o vermelho do jardim escuro:
impossível – impossível colher a sensação,
nódoa na rosa.
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