ÉRICO MAX MÜLLER
Poeta nascido 27 julho de 1943, Blumenau, SC.
O tempo de Érico foi o da contracultura, sendo uma das vozes mais ativas na Catequese Poética iniciada em 1964, não em primeiro de abril como o golpe militar. Como se observa, a história tem sempre o contraveneno adequado, a ironia.
“Situar Érico naquela época de chumbo é reviver os vestígios deixados por ele. Depois de algumas décadas, pode-se configurá-los com muita nitidez e que fizeram parte de uma única visão de mundo, mas que ele soube, pela energia subterrânea de sua poesia, conceber a imagem particular numa obra mínima publicada, porém máxima em evocações sob a cortina de sua genealogia que vai mais longe do que qualquer aparato ideológico e sem se render ao niilismo com o que marca a grande poesia: o indestrutível.
Esta é a palavra vetorial e inconsútil de Érico nos dois livros que publicou (Um anjo morto na encosta, 1964, e Ao corpo circunscrito, 1966), em poemas esparsos, traduções, artigos e numa entrevista que é o único documento no qual se encontra o poeta incorporado criticamente no seu tempo e, por isso, contra ele.” Extraído de: http://js-posts.blogspot.com.br/2014/03/erico-max-muller.html
MÜLLER, Érico Max. Érico Max Müller: o poeta esquecido. [por] Jayro Schmidt. Florianópolis, SC: FFC Edições; Bernúncia Editora, 2014. 96 p. 14x20 cm. ilus. “No Cinquentário da Catequese Poética 1964-2014”. ISBN 978-85-85641-20-7; 978-85-87444-77. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
Soneto XIV-1
Convivemos com flor, folha de videira e fruto.
Sua linguagem não é somente a dos anos.
Cresce das sombras uma colorida revelação
que possui, talvez, o pomposo zelo
dos mortos, os quais fortalecem a terra.
E o que sabemos de seu papel em tudo isto?
Há muito sua natureza é impregnar
a argila com seu liberto sumo.
Mas, quem sabe se o fazem de boa vontade?
Estendem-se esses frutos, obra de sofridos escravos,
até nós, os senhores, como cerrados punhos?
Ou serão eles os senhores, que dormem junto às raízes
e se dignam conceder-nos o que têm de sobra
dessa mescla de beijos e força muda?
Soneto XVI-1
Tu, meu amigo, estás solitário porque...
Com palavras e gestos nos apropriamos
pouco a pouco do mundo, talvez
de sua parte mais frágil e perigosa.
Quem, com o dedo, aponta um perfume?
Tu mesmo sentes muitas forças
que nos ameaçam... Conheces os mortos
e atemorizas-te diante de suas mágicas.
Vê, trata-se de que suportemos
os pedaços e remendos como se fossem um todo.
Ser-me-ia difícil ajudar-te. E, antes de tudo,
não me plantes em teu coração. Eu cresceria
muito rápido. Mas, guiando a mão de meu senhor,
eu direi: Aqui o tens. Eis Esaú em sua pele.
Soneto IV-2
Oh, este é o animal que não existe.
Não o sabiam e, em todo caso,
amaram seus movimentos, sua postura,
seu pescoço, e até a luz de seu manso olhar.
Em verdade nunca foi. Justamente por ser amado
era um animal puro. Sempre lhe deixaram espaço.
E neste espaço claro e aberto, ergueu
facilmente a fronte, e mal precisou ser.
Não o alimentaram com trigo, apenas,
e sempre com a possibilidade que era.
E isto deu ao animal tal força.
Erva
1
E certo
- vos percebo e reconheço
fumadores de haxixe
(debruçados sobre o lago de marfim)
magos e marginais
como elefantes ou safáris esculpidos.
A clara da manhã traz uma gema
sol gema
para vossas cabeças
de ídolo.
Senão a custo poderia escapar
a vosso olhar
tracejado.
Certo - sois os verdadeiros
habitantes da realidade.
2
A areia é morna
e semeia
a planta dos pés
a areia salobra.
E o rio o rio
ainda existe
paralelo ao castelo
o rio
até as escadas
do quarto do rei Cão.
O vento
o mesmo elemento
nos tapetes carmesins
redige parábolas
com a fumaça
de vossos cachimbos.
3
No vale árido
da trilha sonora
Brian Jones
aguarda a chegada da agulha
o trem
de safira.
O alto-falante transmite
um movimento
na folhagem
e um grito.
4
A cinza do cinzeiro
e do veleiro
a semente ou da erva
do despertador
as indústrias são.
Observadas através
do éter dos lança-perfumes
a máscara
feições do anjo desenhado.
E tua cidade
universidade da cantiga
de amor.
5
Chegamos à antecâmara
onde os vasos guardam
tulipas de metal
nossos rostos limpos
não denunciavam o boreal
dos olhos.
Somos do povo americano
da onça marcada
as manadas de bisões
e o teatro da cordilheira
no crepúsculo.
Nas costas do Pacífico
um edifício horizontal expõe
(a seta indica)
a estrela de cinema
o espelho do telescópio
as agulhas negras.
Da porta aberta caminhamos
para o pátio
o peito do hospedeiro
e ali nos alojamos
nas escadas.
6
Eles os facínoras
os proprietários desse campo
imenso e omisso
aqui estão agachados
armas entupidas de terra.
— As batalhas já não descem
como rebanhos
aos nossos geográficos limites.
Alguma forma
lhes interessaria talvez
mas o tempo aflige
a quem o prenuncia
e erra.
E era o tempo da primavera
e mais nada.
7
Atlântico mar de
afogados
baleias
conchas.
No mar a máquina
do pavio
navio na vela derretido.
No mar da antiga estampa
no mar de Bornéus
u ma escuna
ABERDEEN
volta ao cruzeiro
do sul.
8
Paz nos casulos de seda
e nos quartos d
a palavra poente.
Lacônico assim um lago
um vago
avião supersônico no cartaz.
Reinventamos tudo:
as coisas livres
o carretel
o rei Cão
o tapete de horóscopo
fósforos madeira de pinheiro
os dados
os viciados à planta de cristal.
Página publicada em janeiro de 2017