POESIA CATARINENSE – POETAS DE SANTA CATARINA
Colaboração de Marco Vasques
CRISTIANO MOREIRA
Cristiano Moreira (1973) nasceu em Itajaí S.C, publicou o livro de poemas rebojo (Florianópolis: Bernúncia, 2005), é assessor cultural e mestrando em teoria da literatura na Universidade Federal de Santa Catarina. É editor da Papa-Terra, selo pelo qual será lançado seu outro livro de poemas O Calafate Míope.
a bicicleta de H.H. desmontada
para Rafael Duarte
antes mesmo do ronco,
da corrente que enguiça
a mola da mente;
o ferrugem a banguela - a feia
esta que foi, é e lambe o chão
onde cospem os homens
que a modorra carcome
esta sim
aquela que abre a carne mole da gengiva
para passar uma ponte
um gato com rato na boca
uma boca de lobo
tentei ainda, tentamos
antes ainda do ranger de dentes
quando os pedalins ainda eram cataventos
lá, nesse lugar que é bueiro
mesmo lá havia brisa
onde a praça onde dança a feia?
onde o morro atropelado de teobaldo?
antes ainda
tento lançar minha âncora
fincar o dormente
porque antes do mar da ponte da feia da praça
antes da catinga daquela cinza
fuligem em volta do corpo
antes (onde estávamos?)
ahhhh. um abalo sísmico
o dormente é o antes
o lugar ainda da partida - a ilha
o ferrocarril da mordedura exata
shhhhh anda rapaz diz o nome dela
ó seo, a feia!
então, necessário o retorno.
volto ao inferno
desço a memória q agora achatada;
escadaria longa
junto tudinho
guardo em cada greta. sob o velo.
fica uma velosonoridade rondando
em cabotagem a caixa craniana
no baile de marimbondos
crescem heras
onde, onde crescem heras (?) por todo corpo da ponte
sobre a gengiva da feia
o corpo todo da feia:
o ornamento ganha enfim a fonte, a feia, a falta
a noite ao avesso
buscava um corpo para habitar.
II
ainda era tudo depois
depois do ronco e da queda
depois do susto e da fenda
depois do rosto, a ruga.
viste já umarruma, na tez da noite?
é assim:
um fio de descarga
um sonho com um galho na mão
procurando água no poço
pulmão
aquela cara falava comigo
ele
um olho maior que o outro
um raio
dizia
“a poesia não está nisso”
nessa pressa
nessa prece
de engolir em seco.
outro rumor
sob a pele da carta virgem
alí ó – olha
duas bicicletas
pedalando forte sobre a ponte
esse outro ruído não são dentes
são pneus descolando do asfalto molhado
como páginas dos dedos
a língua, do letes
a luz, do leste.
(Inédito)
Chinesa
quando vi aquela mulher colorida
aquela outra borboleta
trombeta amplificada
respirada – olhem bem!
no meio do redemoinho
movem-se os pulmões dela.
quando a vi
senti um mardi-grass em minhas veias
( inédito)
“O lápis só escreve a sombra das palavras”
Greguería de Ramon Gómez de La Serna
a silhueta não venta
tenta apenas ser preta
abrir a noite, ainda mais,
como uma vaca negra que
nos provê o café
no deserto, ainda mais,
assim com os braços abertos
com o vento o pescoço mais erguido
possibilita a visita das estrelas.
apenas sinto o tropel
as silhuetas, letras mancha gráfica
são “como beber uma sopa de deserto”
penso enquanto crescem
milho, aipim, abóbora e pernas
ao redor crescem as sombras
penso só a solidão como folha
caduca, trânsito e de-composição
não perde o sol em nenhum instante
e quando acaba, a noite desaparece
dentro da própria silhueta
09 junho
passa vinte – vinte horas em ponto!
Página publicada em novembro de 2008 |