Foto extraído https://tokdehistoria.com.br/
AUGUSTO SEVERO NETO
(1922-1991)
O poeta, cronista e memorialista Augusto Severo Neto (1921-1991) nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, e teve 14 livros publicados, entre 1959 e 1991. Jornalista, foi colaborador de diversos jornais de Natal e Recife, entre outros. Formou-se pela Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza (1973), depois incorporada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da qual também foi professor, abordando a comunicação por meio da arte, uma das suas paixões. Destaca-se ainda como promotor da cultura francesa, atuando como professor e vice-diretor da Aliança Francesa em Natal. É assim que Severo Neto inscreve-se, de modo marcante, entre os membros da sua geração, privando da amizade e da convivência dos principais intelectuais da cidade das décadas de 1950 a 1990. É, portanto, significativa presença na vida social e cultural da cidade do seu tempo.
Texto extraído do pdf: https://repositorio.ufrn.br/
SEVERO NETO, Augusto. Obras inéditas / Augusto Severo Neto. – Natal, RN: EDUFRN, 2017. 247 p. : il. ; PDF; 78.1 Mb
Modo de acesso: ISBN 978-85- 425-0733- 1
A titulo de porque
Não apenas de ausências
nem tão pouco itinerário somente
uma mistura
antes
de redizeres
de recaminhos
de monodiálogos
de pavanas
de circunavegação e travessia
de aboios
búzios
e trompas
e arco-íris e pontes
de promontórios e ilhas
e,
mais ainda
´
como essência
cerne
e núcleo do que sou,
a constatação alumbranda da permanência da
[Bem-Amada em mim
como causa e efeito
inspiração e tema
musa e canção
é por ela
simplesmente
que já avistando inverno
ainda carrego em mim tanta primavera
Soneto do abandono
Fiz minhas mãos de impossíveis rastros
gastei-me em rastos, em ilhas de outono
limo de cais, quilha partida, sono
cama vazia, despanados mastros
Apascentei meus olhos pelos astros
nasci-me, gasto, estepes de abandono
flauta quebrada, búzio absono
nave ascendente vomitando lastros
De impreciso sabre fino gume
cortou a rosa, o mar, o vento e a noite
que se abriu, sangrando estrelas e luas
da rosa que caiu resta o perfume
do mar a espuma, do vento um açoite
e dos meus pés um rasto pelas ruas
Soneto de busca
Por que essa angústia para anular o efeito
se o gérmen, a causa mesma, continua
por que esse insatisfeito estar na rua
se a própria rua me prolonga o leito
Por que morrer-me no imutável eito
de um impossível desejar a lua
por que ser solidão estéril e nua
se isso me estua e esteriliza o peito
É preciso voltar, olhar o rio
sentir o sal, o sol, o mar, o porto
colher a rosa, rir, andar a esmo
É necessário encher esse vazio
de algum destino que não esteja morto
na interminável busca de mim mesmo
JORNALZINHO SEBO VERMELHO. ANO I No. 8 JUNHO 1991.
Natal, RN: 1991 Ex. bibl. Antonio Miranda
BALADA DAQUELA CASA
Era uma casa sozinha
sem gritos
sem gargalhadas
sem vozes dentro das salas
sem louças batendo louças
sem passos pelas escadas
Havia um cheiro abafado
um cheiro assim bolorento
talvez por falta de vento
talvez por falto de luz
as janelas quando abertas
e as portas estava coladas
gritavam tintas quebradas
mais ainda que as janelas
que para abrir uma delas
fiquei com as mãos machucadas
cheias de manchas azuis
Mas a porta foi aberta
uma janela também
o vento entrou por elas
eu entrei atrás do vento
olhei por todos os lados
procurei quartos e salas
a casa estava deserta
lá não havia ninguém
O vento que entrou comigo
decerto um vento menino
brincou com um jornal antigo
folheou velhas revistas
atiradas nas cadeiras
soprou poeiras dos móveis
fez redemoinho no chão
Talvez que por milagre
o relógio trabalhava
em toda parte da casa
a moldura de silêncio
que circundava as pancadas
uniformes
compassadas
despertou-me uma pergunta:
Com nós
aquela casa não teria um coração?
Não sei
porém eu sentia
que qualquer coisa pulsava
qualquer coisa acompanhava
o sangue nas minhas veias
Perguntei-me:
Que seria?
Junto de mim não havia nada
a casa estava fechada
os lustres cheios de teias
os móveis empoeirados
há muito não vem ninguém
e esse algo pulsando?
talvez eu estivesse certo
quando
há pouco
pensava
que os batidos que escutava
nasciam do coração
que essa velha casa tem
Era uma casa sozinha
sem gritos
sem gargalhadas
sem vozes dentro das salas
sem louças batendo louças
sem passos pela escadas
era uma casa deserta
lá não havia ninguém.
*
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Página publicada em setembro de 2022
Página publicada em fevereiro de 2020
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