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DILAN CAMARGO
Dilan Camargo nasceu em Itaqui, a 31 de dezembro de 1948. Viveu em Uruguaiana até seus 18 anos, quando transferiu-se para Santa Maria onde cursou a faculdade de Direito. Mais tarde pós-graduou-se no Rio de Janeiro. A partir de 1975 veio morar em Porto Alegre, onde vive até hoje. É mestre em ciências políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor no curso de graduação e pós-graduação em Direito Político na Unisinos. Trabalha como assessor superior na Assembleia Legislativa do RGS. Com mais de 40 músicas gravadas e inúmeras premiações, é letrista e participan-
te ativo de diversos festivais de música nativista e popular no RGS e outros estados.
De
CAMARGO, Dilan. Rebanho de pedras. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, s.d. [36] p. (Coleção petit poa) A série compreende 3 caixas com 4 folhetos em cada uma. Neste caso, Dilan Camargo vem numa caixa de papelão com Paulo Hecker Filho, João Ângelo Salvadori e Celso Gutgreind. formato 10,5 x15,5 cm. Col. A.M. (EA)
PEQUENA ESCANSÃO
Como escandir
os pés de um poema
se o poeta perdeu
a trena
e não deixou rastros
de seus caminhos?
Como escandir
a alma de um poema
se o poeta acendeu
na pena
o fogo que o salva
do lugar-comum?
Como escandir
o tema de um poema
se o poeta incendiou
o enredo
e o seu palco vivo
entrou em cena?
REBANHO DE PEDRAS
DRUMMOND
Teu nome tem o vasto mundo nos olhos
aquele que te chamou desde Itabira
e te fez ainda mais desamparo humano.
Sobrou-te mundo nas dobras dos ermos e paramos
esguio transeunte nos desvios das linhas, a tecer
fios de enigmas, delicadas teias, eterno sonho.
Solitário pastor do teu rebanho de pedras
cantaste o delírio mineral de todos os vocábulos
tropeçando nas armadilhas das tristes filhas do chão.
Extraído de
COLETÂNEA DE POESIA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA.
Organizador Dilan Camargo. Porto Alegre: Assembleia
Legislativa, 2013. 354 p. ISBN 978-85-66054-002
Ex. bibl. Antonio Miranda
ITAQUI
Uma vez eu disse Itaqui
é uma pedra pedra fundamental pedra filosofal dela, eu vim, eu disse
nela me pensei me penso me adenso
sobre ela ergui meu nome meu mundo. Materna pedra
onde enterraram meu umbigo onde bebi meu primeiro leite. Itaqui
alma granítica
soprada em mim
pelos ventos meridionais
desde a redução de La Cruz
para que resistisse.
Pedra d'água
seixo, peixe
pedra rolada no fundo do Ibicuí
moldada nas correntezas
sem margens para descanso.
Agora, eu sei, eu digo
não sou pedra dura
sou pedra macia
pedra de lucidez e ternura
ser essa pedra aprendi
pedra boa para afiar
as lâminas da alma
a ponta do meu lápis.
Com ela eu vim
até aqui.
LETRA FEIA
Letra feia letra feia
feia feia feia
não sai letra
não sai escrita
não sai letra bonita
sobre a folha branca.
Nas linhas de espinha torta
palavras quase mortas
alma queimada.
Será a ponta do lápis
o bico da caneta bic
a tecla que não digita?
Falta de ar e arte
folha falha no dicionário
boca sem vocabulário?
Tremor do pulso
mal absoluto
luto da poesia
quase extinta?
Não tenho resposta
só esta letra feia
garatuja
que suja
a página alva
que jamais se lava
da sua tinta.
POR ISSO
Eu não queria, outra vez
me perder de tuas mãos
ver tuas lágrimas no assoalho
me esquecer que estás perto
não ler a cor dos teus olhos.
Eu não queria, outra vez
me abraçar na tua ausência
não celebrar tua alegria
te dar metade da noite
não te enfeitar de anéis.
Eu não queria, outra vez
embrutecer minhas palavras
desconhecer tua dor
deixar sem luz tua beleza
não te tirar pra dançar.
Eu não queria, outra vez
acordar sem coração
perder a chave de casa
te dar adeus em silêncios
dar por vencido o perdão.
Por isso agora eu te amo.
Página publicada em dezembro de 2011; ampliada em maio de 2018
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