CESAR PEREIRA
CESAR PEREIRA nasceu em Taquari, em 1934, e escreve poesia desde 1954. Já em 1957, iniciou uma série de pesquisas no sentido de criar uma poesia de maior comunicação, que denominou Poenigma (poema enigma), e em 1966 participou da antologia “Os cem melhores poetas da nova geração”, Editora Leitura. Conquistou o 1° lugar no concurso de poesia patrocinado pela Prefeitura de Porto Alegre (1971), Menção Especial no Prêmio Fernando Chinaglia (1972), com o livro “Dardos de Ajuste” e Menção Especial da União Brasileira de Escritores (1973), com o livro inédito “Rosto em deságio”.
OBRA: CARROSSEL DE CINZAS, poesia, 1960; DARDOS DE AJUSTE, poesia, 1974, A Nação-SEC; ROSTO EM DESÁGIO, poesia, inédito
Poemas extraídos de: CADERNOS DE CULTURA GAÚCHA. 6 Poetas Gaúchos: Armindo Trevisan, Carlos Nejar, César Pereira, José Eduardo Degrazia, Luiz de Miranda, Tarso Fernando Genro. Porto Alegre: Diretoria de Atividades Culturais, Assembéia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 197-? 72 p.
OFÍCIO
Nesta hora seca e desprovida
armas não uso
Guardo o gesto
abdicado às cavilações
Tenho o canto limpo
e franquia na fala
Estou além da bala
e seu conchavo
embora o açoite na lapela
o grito medido
e o crédito cortado
Este é meu tempo
Nele instalo
o embalo do verso
o compromisso
sempre fiel
a meu momento
onde contesto
Não escondo
entre uma e outra margem
o que sou sem rodeios
ou farsa no riso
Nesta época robotizada
e tecnocrata
amarga é a ata
que nos ata
em assembléias de ânsias
Oh! Mário
multidão
Álvaro
— esse “soluçar soluçando a solução”
abismo calando a fala
bala no corpo
Além
o sopro atômico
é um vômito
inusitado
sobre o mundo
Neste chão de desconsolo
tranço a trança
deste ofício
de cantar sem honorários
sob um céu despetalado
Sou o solo o sol o só
sem vestiduras
mas composto
de uma argila de esperança
Este é meu tempo
Nele instalo
o embalo do verso
e contesto
(De “Dardos de Ajuste”)
DE QUE VALE O REINO
Exíguo é o corpo
onde instauro o poema
Devassada sinto-lhe a permanência
o salto frustrado
o verso em pânico
Ávidos
o matamos
na luta pela posse
onde inventamos as leis
e detemos o patrimônio
Nessa guerra
agressivos
geramos nossos filhos:
— A mão oclusa
acionando gatilhos
Da fera
visíveis se mostram os delitos
o oculto bote
os enigmas
Em vão forjei coisas maiores
e deixei o amor crescer
entre um verso e outro
Há trinta e nove anos
assisto os mesmos crimes
o silêncio crestando a fala
De que vale o reino
com seus pomos de usura
e a loucura dos gumes
De que vale o reino
e sua espada
o viço da bandeira
as honrarias
se poucos são os convivas
junto à mesa
PASTILHEIRO LEOPOLDO
A vertigem
é trinta metros
de solidão e altura
É teu corpo zunindo ao vento
sem proteção
no vai e vem do jaú
Pelos andaimes
teus passos
são transeuntes em pânico
rebocados de imprevisto
Precário
é o que pisas
em qualquer dimensão
— Tábuas soltas
perigo
entre céu e precipício
Dança cotidiana
em equilíbrio nos cabos
Sempre a mesma rotina
imutável e ferina
aumentando teu silêncio
Amargo trapezista
em vão tens domado a morte
e seus asseclas
Pastilheiro Leopoldo
basta quebrar-se um dente
da enferrujada catraca
um sopro de vento
um passo em falso
e tua vida é um grito
que se despenca no abismo
e tua vida é um nada
em desequilíbrio no espaço
e tua vida é uma poça
que se tinge de vermelho
e tua vida é um gesto
quebrado – inerte no chão
Pastilheiro Leopoldo
com teus trinta anos
com teu curto salário
com tua fratura exposta
és um travo nas consciências
Página publicada em setembro de 2010 |