WILSON LOUSADA
Poeta e crítico de literatura.
Escolhido léxico, mas não rebuscado,afinado sim à temática. E sintaxe referia dos positivos valores do fazer poético.
Poemas do tempo interior — poder-se-iam chamar. Motivam-se, todos, em experiências de intelecto cultivado, de sensibilidade voltada à introspecção.
Há nessas composições de organizada estrutura, não ostensiva, mas presente,procura de um reino perempto. As impressões do imediato, do vivido, estão captadas afetivamente na duração, pura música de câmera. XAVIER PLACER
LOUSADA, Wilson. Testemunho em areia. Rio de Janeiro: 1978. 45 p. 12x21 cm. “ Wilson Lousada “ Ex. bibl. Antonio Miranda As duas “orelhas” assinadas, repectivamente, por Ronaldo Menegaz e Xavier Placer. “ Wilson Lousada “ Ex. Bibl. Antonio Miranda
A VERDADE NO ESPELHO
A INTENÇÃO primeira, clara e limpa,
liricamente enganadora,
vem do mundo livresco,
que responde pelos sonhos não revelados.
As pupilas ainda refletem — perdida inocência,
a votiva lamparina dos oratórios de outrora
escondidos à sombra de furtivos odores,
que o tempo corrói e destrói,
e só o mistério da memória
restaura, aqui e ali,
no fundo de sua própria angústia
longa e rígida de terrores inúteis.
Mas, no sono desperto,
alucinadas visões levantam
suaves zimbórios, de mínimas cruzes,
pálidos ou fulgentes,
que o cúpido olhar acaricia
e as mãos, como asas cansadas
de longos e altos céus,
querem esconder da treva, que os denuncia,
ou do luminoso rio de leite, que os incorpora,
e em frio abraço
desce sobre a rósea e leve madrugada
do escasso véu que os protege.
A dama e o cavaleiro,
fustigados pela áspera chibata
do calor que anuncia a fome insone,
somem na distância provençal
de alaúdes e trovadores que se findam.
A verdade, agora, salta do espelho
e caminha, tensa, pelo corpo que se crispa
e enfurece no tormentoso desejo
de formas que se vão afastando,
irreais e autênticas,
vistas e revistas,
olhos nos olhos,
mas longínquas e inatingíveis
como teofania de oculta
religião transcendente.
POEMA II
Ao CONTRÁRIO do que julga
tua inútil e sempre malograda revolta,
toda banhada em corrompida origem,
lembrar o que não podia ter sido
e realmente não foi,
eis a pena benfazeja,
que preferes a tudo mais,
assim como prefere a mosca
o voo em torno do esterco,
ou dos cerrados e frios
lábios de esquecido defunto;
eis o teu alimento sempre repetido
no jejum das horas mortas e consoladoras,
que te pesam sobre as pálpebras
como pano de boca que desce
ao final de maçantes dramalhões.
Página publicada em junho de 2014
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