VERA CASA NOVA
Nasceu no Rio de Janeiro, mas vive em Minas Gerais desde 1978.
Vera Casa Nova é professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria Literária, Literatura Comparada e Literatura Brasileira.
Veja mais poemas de VERA CASA NOVA EM POESIA VISUAL.
Extraído de
SUPLEMENTO MG – Belo Horizonte, Novembro/Dezembro de 2017. Edição n. 1.375. Secretaria de Estado da Cultura.
POEMA 1
Sobre o olhar ada menina imigrante,
Teus olhas verdes dizem o desespero,
A esperança de uma Terra sem guerra.
Pobre menina!
Nem pai nem mãe podem te dar alento.
Fogem como tu dessa secura do tiro, da bomba
Da intolerância por causa de deuses e do ouro.
Roubam teus preciosos olhos e te calam.
POEMA 2
Resta o corpo do menino.
O mar chora
A partida de um barco que não retornará jamais.
Teu corpo jaz sobre a areia de um mar que não te pariu
Milhares... serão milhões de seres à procura de paz.
Será que ela existe? Perguntarão a seus deuses.
Com as armas nas mãos do terror
A vida à deriva
A morte cada vez mais forte.
Esse é um poema sem metáforas, sem alegorias
É um poema diante da dor mundo.
POEMA 3
Éprecisoamarpedrasastroságua
beijarcadafolhadamangueiraoucascctoespinhento
Amarosanimaiseamúsicadeseucanto
Aluosolquedeixamasnomovimentoeróticodanatureza
Éprecisoolharavidadelicadamenteentrefulgoresealegrias
Apoesiaéisso:vocêéamedidadetodasascoisas
POEMA 4
Ao menino morto, lembrando Pasolini
SOL brilhante. Na areia
O mar se despede.
Menino morto
Pedaço de jornal recortado, turco ou sírio?
A cor da pele não tem mais brilho
Notícia de lamento.
Lembro-me de ti, hoje.
CASA NOVA, Vera. Rastros. Prefacio por Sergio Alves Peixoto. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. 96 p. 14x 21cm. Ilustração da capa: Marcelo Kraiser. ISBN 85-7577-346-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
De amor e humores
Cisneros me disse: "É difícil fazer amor mas se aprende"
Aprendizado do dia e da noite
As notas da música perfazendo seus versos
No encontro
Dos corpos incensados
Pelo almíscar e o éter.
Cheiros de humores gozosos
As certezas não se dizem
O amém das preces se desfaz
Resta o gosto amaro-doce dessa prosa suspirada.
EROS HISTÉRICO
Para Ana Hatherly
Olha, se te digo isso é para que repares no meu rosto.
Estou de pé olhando o espelho de meu quarto
Saboreando com minhas mãos o reflexo embaçado do calor.
Toco as contingências como tu quase tocas as recorrências das
[coisas.
Minhas ações não se passam no passado interrompido
Do imperfeito ou de um pretérito perfeito.
Passo os verbos do presente
Minha descontinuidade é a busca incessante e frenética
De um Eros possível e imponderável.
OBTUSO
Habitar o vazio e
Preenchê-lo de emoções.
Habitar o vazio:
Possível insanidade. E o sabor do nada?
Experimente ouvir os riscos de um CD arranhado.
Interrupção da melhor faixa.
Como essa trilha não me leva a nada, nem a ninguém,
Escrevo nessa vaga incerteza
Uma palavra vazia
Um som perdido
Um sentido obtuso
Para não dizer nada a ninguém.
-
PELADA POÉTICA: antologia. Organizadores: Júlio Abreu e Mário Alex Rosa. Belo Horizonte, MG: Scriptum, 2013. 118 p.
ISBN 978-85-89-044-69-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
O OLHO, A BOLA
O sujeito,
Pelé, Garrincha, Zizinho,
Gilmar, Castilho, Dida,
Júnior, Didi, Zico,
Reinaldo, Ronaldo,
Zózimo, Pepe, Bellini,
Gerson, Rivelino, Tostão,
Cerezo, Luizinho, Ademir,
Ademir da Guia, Zagalo,
Roberto Carlos, Cafu,
Kaká, De Sordi, Mengalvio,
Coutinho, Vavá, Moacir,
Alex, Fred, Juninho,
Fredeco, Waduca, Dario,
Telé, Fio maravilha...
Bicicletas, folhas secas
Benditas pernas!
O objeto:
Lá se vai rolando
por entre pernas e pés
imperfeitos...
a bola que como o ovo é
perfeita.
— a bola —
Ó esfera das esferas!
Olho da janela: meninos e moços:
bola rolando
jogo perdido
jogo jogado —
O espaço:
meio de campo cheio
meio de campo vazio
contra-ataque
Intensa a bola rola
intenso o corpo luta:
o chute!
O drible!
o requebro!
Samba a bola
Samba o jogador
Samba o torcedor
O verso:
Como o meneio do verso
a apalpar a bola
O chute da bola. O chute da palavra
Lá vai o ovo!
Opa! Lá vai a bola!...
De um lado a outro do mundo
A bola está para o jogador
como o jogador está para o time — a nação.
Paixão de Nelson
Paixão de Armando
Tantos e tantos
Falam do jogo e esquecem da bola:
O Cão:
O meu Pretinho faz seu jogo: brinca com a bola
Corre atrás dela
Jogando seu futebol de cão.
Passa a bola por Niquini
Brincabrincando no chão
À espera do movimento.
Mas a bola é o jogo?
Circular pode ser a palavra:
A palavra bola é circular?
Bola-olho.
Ou a circulação é o que diz a bola?
Bola-ovo.
*
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Página publicada em maio de 2023
Página publicada em maio de 2018; ampliada e republicada em junho de 2019
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