THÉO DRUMMOND
Nasceu no Rio de Janeiro em 1927. Poeta, jornalista e publicitário.
“A poesia com um lirismo aberto que guarda tanta experiência vivida e cumulada...” LEDO IVO
“Foi com enorme prazer que recebi e li os volumes da poesia que me enviou. Agradeço pelos bons momentos que me foram proporcionados”. HELOÍSA BUARQUE DE HOLLANDA
Livros do autor: Tempo de Poesia (1990), Palavras de Outono (1992), Vôo de Nuvens (1993), Versos Antigos (1995), Caçador de Estrelas (1997), As Pegadas de Deus (1998), Vrindavam (1999), Dedetize sua vida! (2000), Adeus a mim (2001).
De
ADEUS A MIM
Rio de Janeiro: Editoração, 2002
... e então, meu pensamento linear,
Entende que o horizonte é um falso muro
Posto que há nada para separar...
ANTECIPAÇÃO
Durmo para que o tempo passe logo.
O sono é igual à morte antecipada.
Nele me afundo e finjo que me drogo
e a vida passa e não me afeta em nada.
Encurto o tempo de viver, me afogo
no sono, seja dia ou madrugada.
Se acaso acordo ao deus do sono rogo
não deixe a solidão minha acordada.
E assim pulando o tempo por saber
que indiferente ao sono que não vem
dormir é um treino em busca do morrer.
Não tenho mais os pensamentos loucos
Que — se acordada — toa a mente tem,
pois prefiro dormir, morrer aos poucos.
SABEDORIA
Não aceito desafios.
Prefiro conciliar.
Aprendi que guerras
são sempre duras,
e o vencedor,
inebriado pela vitória
e com seu nome
saudado pela turba,
não percebe que,
entre os que agora
o aplaudem,
um — pelo menos —
já trama derrubá-lo.
MEDO
Não sei o que vai me acontecer,
Sei que será o que tiver de ser.
Sinto, no entanto, um grande desconforto,
qual se olhasse um caixão e eu fosse o morto.
Esta aflição nunca me deixará,
meu medo deve ser do que virá,
que não sei o que é, quando vai ser.
Nada há mais cruel que o não saber.
ADEUS A MIM
Adeus à minha casa tão querida
que à sua paz há anos me entreguei.
Adeus à verde grama, à flor nascida
em profusão na terra em que as plantei.
Adeus mangueiras, festa colorida
das manhãs de que nunca esquecerei.
Adeus cachoeira gélida e escondida
que me banhava em noites que acordei.
Adeus às coisas todas que eu amava,
aos latidos dos cães quando chegava,
adeus ao cheiro forte do jasmim
Adeus aos beija-flores, às cigarras,
romperam-se, afinal, tantas amarras,
adeus tempo feliz, adeus a mim!
A INESPERADA
De consciência tranqüila
quando chegar minha hora
e a Inesperada
vier buscar-me,
terei, no meu testamento,
tudo bem determinado
sobre o que fazer de mim.
Num documento autenticado
e com firma reconhecida,
terei doado meu coração,
minhas córneas, meus pulmões,
fígado, estômago,
e o mais que ainda tenha serventia.
Dando a mão a Inesperada
írei seguí-la sem medo,
e irei para onde ela for
até chegar ao final do caminho.
Então — pois não doei minha língua —
lhe direi, sorrindo vitorioso
e com uma ponta de deboche:
“Inesperada, enganei-te,
vim contigo, mas não todo!”
DRUMMOND, Théo. 100 sonetos. Rio de Janeiro: Caravansarai, 2006. 112 p. 14x21 cm. ISBN 85-8962-16-X
Indagação
Quando dizes as coisas que me dizes,
naquele tom de raiva disfarçada,
ignorando o tempo em que felizes,
palavra alguma seca era trocada;
quando me agrides como se os deslizes
nada mais fossem que a propositada
maneira de buscar fazer das crises
dores mais fundas do que punhalada;
quando me encaras cheia de arrogância,
como se tudo fosse culpa minha
para tornar maior nossa distância,
eu me pergunto, com profundo espanto,
porque morreu o amor que a gente tinha
e a gente se enganou que amava tanto.
Página publicada em junho de 2011
|