RAYMUNDO AMADO GONÇALVES
Poeta, cineasta e bibliotecário baiano de Salvador, nascido em 1935, radicado no Rio de Janeiro desde a década de 50, quando participou do grupo de poetas que publicava poemas e ensaios no célebre Suplemento Dominical do Jornal de Brasil - SDJB.
Obra poética: Trístega; Fratrias; Tharsis; Restos; De todos os títulos, de todos os poetas.
A presente seleção de poemas partiu de seu livro THARSIS, de Massao Ohno Editor, que faz parte de nossa biblioteca particular. Raymundo Amado Gonçalves e eu temos em comum o estudo da biblioteconomia e o cultivo da poesia e ambos iniciamos nossas carreiras publicando no SDJB... Aqui fica um testemunho de admiração pelo trabalho do poeta. ANTONIO MIRANDA
THARSIS
(excertos)
O FILHO DA ARANHA
(...)
o cão carrega o sexo
sinuoso atento manso
desvio do sono protetor
éter da imagem que vem
ao aconchego da mão ali-
vio distante que não cura
envolve a mente em véu
de cera em casca e cuspe
***
as angústias do amor
a morte corrói esconde
a simples flor de um
segundo o que só a lá-
grima externa longe
***
(...)
solitária a estátua
espia ergue os braços
branca ninfa brinca
e posa
no jardim
A PARTE EM BRANCO
(...)
pleno verão plena luz
o verde da ilusão fogo
da noite queima as folhas
árvore da vida silenciosa
do sonho súbito desfeito
fio único que divide o
eterno e morte cada dia
2.
como pode existir aquilo
que ainda não se desfez
de si o canto que não se
ouve de todos esmola ao ser
miserável que uma as épocas
um sopro apenas no peito que
cure o esquecimento os males
3.
o espelho sempre fica
que rejeita a carne moça
que o espia o nada
onde o filho não nasce
a dor contempla os dados
findos do gozo
(A UM ARTISTA TERMINAL)
entoa a voz do cantor seu cântico
de morte o espaço é oco há lacunas
no ar e o viver é ilusório
um grito dado a esmo
que só assusta e grava
o espanto da face do dever
mas que não vê por trás dos
óculos escuros o sol
que veda o sonho a vida
GONÇALVES, Raymundo Amado. Ruah. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1993. 80 p. 15x22 cm. Col. Bibl. Antonio Miranda
(rosa mística)
rubra lágrima branca rosa
verdade e mistério eternas
Virgem cilicio do pobre
riqueza e prova do espírito
o gato a vida varre
quando mia morte e
agonia varre a moça
cativa da tarefa de
limpar a área o chão
esgueira o olhar que
dorme amor fria acende
a grade o fogo do verão
em setembro os cristais
vêm sujos de barro
contam uma história
uma sesta sem sol
lânguida e esquecida
lágrima animal
uma foto perdida
outra manchada
branca epiderme
graça que não veio
GONÇALVES, Raymundo Amado. Restos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004. 194 p. 13x20,5 cm. ISBN 85-7577-097-7 Col. Bibl. Antonio Miranda
(outra canção)
ouça a voz dos pássaros
ouça
ouça a voz dos violeiros
ouça
ouça o silêncio dos bosques
ouça
ouça os passos de Deus
ouça
depois repouse em si mesmo
(violetas -mortas)
uma violeta após outra
morre cada dia e assim
as horas de nossa vida
as cores esmaecidas
como das flores as faces
murchas as certezas da fé
em cada palavra dita
mas esquecida – traída
(gato — resposta ao urubu)
gato não sou
(besouro que esconde
na areia escaldante)
vivo num deserto
transformo-me como
a rosa esmaeço
poema que não diz
o que pensa pende
do chão para o alto
onde olhos faíscam
— são ternas estrelas
(registro)
veja
o mosquito verde
não se mata o
mosquito verde
é o vidro que veda
vê-de as asas trans-
lúcidas para o voo
é só abrir a janela
e ele pula no vácuo
e plana em vida
pleno
(sobre um mosquito que me picou os joelhos)
mosquito Cristo
que me chagou
os joelhos — mando
de quem me lembras
a paixão — não mereço
tamanho apreço
de mesmo nos joelhos
à cruz igualar
(jogos de sonhos)
a quadra está silenciosa
a vastidão do mar
a gravidade do dia
a chuva intermitente
os amores adormecidos
os sonhos organizados
e a paz única espera
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