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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PAULO GOMIDE

(1912-1982)

 

Paulo Rocha Gomide nasceu em  São Paulo, SP, em 1912.

Obra poética: Águas-fortes do Piabanha (1954), Duas elegias (1956), Flamengo e outros poemas (1956), Gomide, 9-6-0 (1962), Hé! Poema e notas (1969), O Eco e o grito (1967), Pequenos poemas (1953).

“(...) comovente beleza”...  MANUEL BANDEIRA

“De Paulo Gomide/ a poesia agride/ toda convenção:

É sarcasmo, chama/ (compreende quem ama)/ ardendo em canção.

Fere, mas consola/ essa humana viola./ Outra igual não vi.

Angústia remota,/ Flor em terracota/ Para uánadiqui. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1956)

 

 



De

FLAMENGO E OUTROS POEMAS

Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956.

 

MEA CULPA

 

Tive o que quis. Quis demais.
Perdi-me no meu desejo.

Já não ouço mais o harpejo

de cantos angelicais.

 

Não soube viver. O tédio

da vida me possuiu.

Não encontro mais remédio

para o bem que me fugiu.

 

Para o mal que me ficou

guardo o mais pobre consolo:

Sei que fui eu mesmo o tolo

que fez de mim o que sou.

 

 

CANÇÃO DE OUTONO

 

Se fui teu filho, teu pai, teu dono,

que o outono o diga.

 

Maio te conte nos fins de sonho

— de amor mendiga —

se fui teu filho, teu pai, teu dono.

 

Quem te sugava nos mornos seios

         não era eu.

 

Se alguém foi dono do que não mostras

         mesmo a ti mesma,

         jamais fui eu.

 

Eu sou apenas o que te falta,

e em noite alta te tira o sono

como os outonos que te consomem.

 

Eu sou o teu homem...

 

 

TREM DE MINAS

 

Trem de Minas, trem de Minas

para onde vão as meninas

que sonham nas tuas janelas:

ao pretório ou ao sanatório?

 

Amor não se vende, dá-se.

O que se vende é mentira.

Se queres te dou dinheiro;

Não para comprar amor.

 

Teu marido não morreu.

Ele vive nessa casa,

nessa filha que te deu.

Logo à tarde voltará.

 

Trem de Minas, trem de Minas,

para onde irão as meninas

que me parecem tão belas:

para ao inferno, todas elas?

 

 

JUQUERI DOS LOUCOS

 

Ju-quera-y é o nome do meu rio.

Fala o Tupi do espinho-que-adormece *;

É a sensitiva; a que em barrancos cresce

E as folhas fecha ao toque mais macio.

 

Ju-quera-y era a esperança: a prece

Da Terra-Mãe chorando ao murmúrio

Do hospital de loucos que associo

À infância, à vila, à igreja e à sua quermesse.

 

Ju-quera-y fui eu — disto me orgulho! —

Num apelido estigma de internato.

E os mestrem riam, sem pensar no acúleo.

 

Ju-quera-y sou eu quando mergulho

Nas águas limpas de um amor inato

E encontro tripas, lodo e pedregulho..

 

*Schrankia leptocarpa

 

 

                OPRESSÃO

 

Vim para amar-te. Por toda parte

— por toda parte por onde andei —

Não fiz mais nada que procurar-te.

Mas nem em parte não te encontrei.

 

Se fui buscar-te no mundo imenso

— no mundo imenso por onde errei —

Ao mundo imenso me vi propenso

a abandonar-te. Não te encontrei.

 

Se a idealizar-te num céu bem alto

no céu tão alto te coloquei,

no céu mais alto — por minha arte! —

com minhas artes não te encontrei.

 

Se achei que havias de estar no inferno

e a um terno inferno te condenei,

no inferno eterno fui procurar-te

por toda parte. E não te encontrei.

 

Andas comigo por toda parte

e em parte alguma te encontrarei.

Em qualquer parte quisera amar-te,

mas por buscar-te, te perderei.

 

Assim, de amar-te e de procurar-te

por toda parte, me acabarei.

E acabarei por considerar-te

nascida e morta dentro de mim.

 

 

 

GOMIDE, Paulo.  Pequenos poemas de Paulo Gomide.   Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1953.  62 p.  16,5x24 cm.  Tiragem: 200 exs. numerados de 1 a 200 e 50 exemplares fora de comércio, numerados de 201 a 250 e rubricados pelo Autor.  Exemplar n. 000205, rubricado e autografado. Col. A.M.  (EE)

 

ANJO DA MORTE

 

Anjo da Morte, por que

me causas tanta aflição ?

Não basta o dano que a vida

já fez ao meu coração ?

Não basta a infância perdida

na estultícia que não crê ?

A distância percorrida

de que vale, a quem não vê ?

Não basta a chave do enigma

depois que a carne sofreu ?

Não basta o opróbio do estigma

à alma que já morreu ?

 

Anjo da Morte, por que

me causas tanta aflição ?

A morte não é a amiga

de quem não teve afeição ?

 

Pois que eu trema, mas prossiga.

 

 

NATUREZA MORTA

 

Estirado na valeta que há na estrada

jaz um homem.

 

Como o pobre está sorrindo

a gente tola que passa

cuida que ele está dormindo

e fala logo em cachaça.

 

Mas o homem já morreu.

 

De que morreu, não importa.

Tão pouco de que viveu.

 

É uma natureza morta.

Fazem-lhe quarto

tristonha quaresmeira toda em flor

e um grupinho multicor

de marias-sem-vergonha.

 

O homem, indiferente,

jogado à margem da estrada

já não pode ver mais nada

nem sente nada.

 

                              Morreu.

 

Mas me fez pensar na vida.

 

 

Página publicada em maio de 2008, ampliada e republicada em fev. 2013




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