MARCO ANTONIO SARAIVA
Nasceu no Rio de Janeiro em 1963. Formado em Biologia e Literatura pela UFRJ.
Livros publicados: Entre nervuras e Sete jardins e uma paisagem.
JANELA
Um filme
feito de
aquarelas
Que um novo
ângulo
emoldura
Ou pardal que
voa na pintura
e sai da tela
ESTUDOS PARA BICO DE PENA
I
Debate-se um pássaro na
mão, até alçar
vôo: fica somente uma
pena entre os dedos e
o seu canto
empalhado com
papel
e pigmentos. A que espécie
pertence derramando
pela aguda ponta ferida
sua hematopoiética
tinta — se há muito tempo
a própria ave jaz
extinta porque então
se eriça e bate as
asas cinza sobre a
neve ocultando a folha?
II
Por rigidez
à gravidade
podou seu galho
a árvore — com
penas aninhadas em
nervuras e o perfume
das flores no aroma
dos frutos —
Era um papel rasgado no
passado, antes que se
tornasse um poema.
III
Empalada
não restou
a pluma,
nem petrificada
a folha. Daquele pássaro
pousado nesta árvore
apenas sobreviveu (deles)
aquele livro na estante.
— Seu último ninho.
REFRATAR
Se nas fórmulas
das palavras
um grafite
atingir
sua forma máxima,
um poema cortará
o papel que o
refrata.
RECICLAR
Salvo um verso,
o que era apenas caligrafia
devolve-se do rascunho
à paisagem,
a parte que cabe às árvores
e o que sobrar
ao menos brotem pedras
do grafite.
(Fonte: "Esses Poetas - Uma Antologia dos anos 90", org. de Heloisa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1998)
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