MANO MELO
Poeta e ator, roteirista para cinema e vídeo. Desde 1979, quando retornou ao Brasil após viajar por dez anos através do mundo (América Latina, Europa, Ásia e África), tem interpretado seus poemas em teatros, bares, centros culturais, universidades, escolas, eventos e congressos literários, até mesmo praças e praias, no Rio de Janeiro e muitas outras cidades.
De
O LAVRADOR DE PALAVRAS
Rio de Janeiro: Bapera, 1999.
ISBN 85-87554-01-8
ESPAÇOMOTO
SONHEI QUE voava numa espaçomoto colorida
Sobre a Cidade Maravilhosa destruída
Com as ondas do mar batendo nos tetos
Dos prédios de concreto.
Não havia sinal de gente.
Tudo abandonado.
Os sinais piscando pra carro nenhum
E os neons anunciando para ninguém.
As lojas todas vazias
E as mercadorias
Espalhadas no balcão
Inúteis
Carros supermercados preços marcados
Discos roupas computadores sapatos
Tudo para os ratos.
Foi terremoto maremoto
Ou desilusão
Da Bahia a Nova Iorque
Da Dinamarca aos Açores
Se calaram os pregões das bolsas de valores
GARRINCHA
MANE GARRINCHA era um menino sorridente
Que corria entre os dentes verdes das bocas de futebol.
Os cartolas decretaram
Que seu joelho era uma bola:
Podiam chutar à vontade.
Um dia Garrincha fugiu do campo da concentração
Pra tomar banho de mar
Morreu afogado num copo de traçado.
Nesse dia
Deu zebra na loteria
Esgotaram-se edições extras de todos os jornais
O povo ficou triste ouvindo o rádio de pilha
Se fizeram minutos de silêncios antes das pelejas
Seus companheiros estavam macambúzios nos funerais.
Um padre na capela rezou um Assim Seja.
E a multidão pisou nos túmulos pra ver os craques da seleção.
Depois seu nome restou lembranças num time de botão
Que uma criança largou esquecida no chão
SUI GENERIS
ESTE É UM país sui generis.
As putas gozam
Os cafifas se apaixonam
Os valentões apanham
Os ministros cantam e
As ministras dão.
Os machões também.
Os ladrões prendem
A polícia assalta
Os patrões fazem greve
Os ateus rezam
Os padres praguejam
Os catedráticos não lêem
Os analfabetos escrevem
Os banqueiros choram
Os mendigos dão esmola
Os gatos latem
Os cachorros miam
Os peixes se afogam
As frutas mordem
As formigas dão leite
As vacas põem ovos
As galinhas têm dentes
Então,
Quer parar
De me cobrar
Coerência
Pô!
LENDO CARTAS DE VAN GOGH A THÉO
ESCREVER É o que resta.
Espremer os sentidos como uma laranja.
Ouvir os sons do silêncio mudo
No burburinho da cidade imunda,
Com suas inumeráveis descargas abertas e tortas
Seus miseráveis abortos de carnes vivas e mortas
Olhando pela janela do ônibus
Andando a pé
Sentado no último vagão do metro vazio
Passeando entre os iguais de diferentes tribos
Vou fazendo versos.
Cru cozido grelhado assim e assado
E et caterva
Assim escrevo.
Mergulhando no lago largo e amargo de amor e lama
Chamado o âmago
Em busca da melhor forma na expressão.
Descobrir a cor de cada palavra
Como Van Gogh descobriu as cores de cada cor
TOQUE
É TEMPO de ter um amuleto amarelo com um amor bordado dentro
É tempo de cavar as palavras secas no fundo do pescoço
É tempo de descobrir o rubi que você pensa que é uma pedra nos sapatos
É tempo do tempo morto morrer dentro de você
É tempo de nascer o poeta inato que você é
O abismo do ser sozinho fica nos limites das forças
Atravessar por inteiro depende da prática do timoneiro
É desviar o barco por águas claras e maré calma
Pois os limites das forças são as divisas com a alma
Aguenta o barco firme
Aguenta o barco
Com muita calma
Irmão
Você é o juiz que se julgou perdido
Sua própria mão bateu as três marteladas
Pregando a sentença de sua perdição
Existe um oásis em cada um dos lados de teu corpo quadrado
Escolher seja sul seja norte seja leste seja oeste
Adiante deserto e oásis são a mesma coisa
As mesmas partes do caminho andado
Não existe caminho errado
Existe preguiça de continuar pra qualquer um dos lados
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FUTEBOL
A multidão canta
E guarda
Na garganta
O grito de gol.
Cerveja crente,
(Sem álcool)
Guaraná, Coca-Cola
E um baseado furtivo
Circulando na galera.
Mas ... olho vivo!
Que o santo é forte
E o andar,
De barro.
Bobeou,
Dançou.
O velho estádio
Está cheio.
É uma ilha,
Cercado de paixões
Por todos os lados.
As torcidas são monstros alados
Com plumas em cores Vão entrando os jogadores
A arquibancada explode. Os estilhaços chovem sobre o campo
Em fogos gritos bandeiras e
Fanfarras O juiz apita
E a bola rola.
Dada a saída,
A bola é lançada
Para a ponta esquerda,
Em profundidade.
O atacante vence o zagueirão,
Escora de cabeça -
O goleiro espalma para escanteio.
A noite é de lua cheia. As entidades estão na hora do recreio,
Visitando a vida.
Invisíveis.
Assistem a partida,
Impassíveis,
Calados,
Acompanhando o jogo dos encarnados
Sem torcer por time nenhum.
Para eles,
Tanto faz zero a zero
Quanto 10 a 1
(Extraído de República dos Poetas; antologia poética. Org. Ricardo Muniz de Ruiz. Rio de Janeiro: Museu da República Editora, 2005)
PRISMA – A revista de literatura n. 001 abril 2014. Porto Velho, Rondônia: Editora Costelas Felinas, 2015. Organização: Selmo Vasconcellos. 24 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
SAUDADES DO TREM
ONDE se foram as saudades?
Num trem
O eco canta na tarde
Ninguém
O trem parte e ainda no sino
Um pedaço de blém
A vida segue vivendo
Mal ou bem
Quando o junto se separa
O coração não para
Mas os momentos de pura alegria
Viram rubis de gema rara
[Do livro: O LAVRADOR DE PALAVRAS, Editora
Fivester, Rio de Janeiro, RJ, 2025]
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PÁGINA AMPLIADA e republicada em abril de 2023
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Página publicada em janeiro de 2009. Ampliada e republicada em janeiro de 2009.
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