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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA

LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA

Nasceu no Rio de Janeiro. Ex-ministro de Estado da Cultura, ex-secretário de Cultura de Minas Gerais, Nascimento e Silva é advogado e mestre em direito econômico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Obras publicadas: O segredo da Lua quem sabe é o clarão do Sol (Ed. Cátedra, 1975); Arco da Manhã (Massao Ohno, 1992); O tributo do tempo (Record, 1997); A Flauta vertebral (Rocco, 1999) e Cidade de Deus ( Rocco, 2001). 

SILVA, Luiz Roberto Nascimento.  O Alfabeto da Devassa. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.   114 p.  Capa: Martha Barros.    ISBN 85-325-18121-5    “ Luiz Roberto Nascimento Silva “ Ex. bibl. Antonio Miranda

“Num trabalho de verdadeira arqueologia, penetra no processo dos Autos da Devassa, misturando ficção com realidade. Em determinados momentos não sabemos se estamos diante de uma situação ficcional ou de um depoimento real de um dos inconfidentes.” (...) Nascimento Silva, além de criar versos de enorme requinte e beleza, permite-nos compreender pela poesia parte da estrutura de nosso país. Questões fundamentais da Inconfidência, como a tributação extorsiva, dependência econômica do exterior, ausência de um projeto de nação, continuam profundamente atuais.”  (Da orelha do livro) 

 

II – CONSPIRAÇÃO

Animosamente
desceu do Alto da Cruz
no sentido da praça.
Era a época do ano de que mais gostava.
Depois subiu a rua Nova,
rumo à Matriz de Antônio Dias.
Nenhum pensamento especial ocupava sua mente.
Apenas a alegria de ser, de estar vivo; vivente.

Moça bonita de olhar escarlate.
Para onde vais tão rápido
que seus cabelos desenham
arabescos, signos à parte?

Moça bonita de olhar escarlate.
Por que não se junta a nós
e nos ensina a libertar a tarde
céu que aquece, mas não arde?

Moça bonita de olhar escarlate.
Melhor que não faças parte.
Só guarda segredo quem não o sabe.
Segue, leva meu coração para Marte.

Nada. Nem frase, ação
intenção ou memória.
O rumor dos rios,
trafegando pelas florestas,
impávidas na escuridão.

Prossigo.
Sigo firme meu caminho.
Não estou sozinho.
Estou junto.
De você. De mim.
De muitos e muitos.
Outros. Enfim.

A letra A tem meu nome
a letra J meu codinome.
A letra P é uma senha
do nosso próximo encontro,
— hipotético ponto —.

Letras soltas formam
o alfabeto da Devassa.
Caberá a nós conjugarmos
o código do silêncio
ou a chave da traição.

Não esqueça:
quando sentir temor ou frio,
acordar no meio da noite,
sentindo calafrio,

diga não aos hieróglifos do medo,
soletre a nossa velha canção,
não tema; lembre que a letra A
tem meu nome e nela minha emoção.

Tudo começou naquele batismo na casa do Toledo.
Lembro-me bem; chegamos cedo.
Após a cerimônia ficamos conversando.
O Maciel cuidaria da siderurgia.
Montaríamos fábricas em toda Capitania
e uma Constituição inspirada na americana.
O Francisco de Paula cuidaria do Regimento e da pólvora.
O Gonzaga faria os primeiros decretos.
Escolhemos um lema: libertas quae será tamem.
Uma senha: “tal dia é o batizado”.
Foi um dia divertido e animado.
Não sabíamos ainda o que o futuro nos havia reservado.

Minas são montanhas.
Montanhas são a prova viva da existência de Deus.

Tiradentes pensava nisso enquanto cavalgava
pelo Caminho Velho em direção ao Rio de Janeiro.
Observava o vento na crina do seu cavalo,
dançando bailando como tua língua
no arco do céu da minha boca,
meu corpo penetrando o teu,
superfície oca.

Minas são montanhas.
Montanhas são a prova viva da existência de Deus.

Tinha uma missão. Todos deveriam ter uma,
roteiro para nossa aventura humana.
Humana demasiadamente humana era sua tarefa.
Demonstrar aos outros que era possível:
que nosso país podia ser livre
que nossas riquezas poderiam ficar aqui
para gerar riquezas para nosso povo.
Oh! Tudo era fascinante e novo.

Correr correr por aquelas estradas de sol
ouvindo os rios musicando a tarde
— solta suspensa no tempo
macio inefável lençol —
sustentado pelas mãos invisíveis da noite
surgidas misteriosamente das montanhas.

Minas. Existência de Deus

ARCO DA MANHÃ

De
ARCO DA MANHÃ
Capa e grafismos de Manabu Mabe
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1992

         TEMPO

         Como um relógio
         o tempo passa,
         deixando seu rastro
         seu corpo, sua massa

         Como um morcego
         o tempo suga
         as tetas da noite
         em ritmo de fuga

         Como um verme
         o tempo se entranha
         de forma lenta,
         corrosiva, estranha.


 
           CONSTATAÇÃO

         Veja você: nós sempre discutindo
         para saber com quem está a razão,
         e no apartamento ao lado,
         toda note, esse casal
         se ama com fúria.


            CARNAVAL

         É carnaval.
         Até as beatas foram ao baile do Flamengo,
         tudo vermelho e preto, como o diabo gosta.
         Sentado num bar do Baixo Leblon, bebo solidão
         lentamente, aos goles, não planejo encontros
         nem vou a bailes-contratos de alegria.

         Descobri que todo dia é carnaval.
         Estou em todos os lugares.
         No baile do Sírio e Libanês
         em Petrópolis e em Angra dos Reis.
         Em todas as avenidas passo,
         blocos em mim dançam nas escolas de samba.

         Pulo no povo e o povo pula dentro do povo
         pulula dentro do meu coração.
         Enrolado em contradições
         esqueço todas as lembranças
         desenrolo meu pensamento
         serpentina de salão.


            CATEDRAIS GÓTICAS


         Um grito desafina meus ouvidos.
         Uma voz ecoa na memória.
         Catedrais góticas guardam imagens
         onde meus versos sempre tão duros
         perdem-se entre as flores
         à procura de maior sutileza.

 

SILVA, Luiz Roberto Nascimento.  Cidade de Deus. Ilustrações Ciro Fernandes.  Rio de   Janeiro: Rocco, 2001. 63 p.  ilus.  14x21 cm.    ISBN 85-325-1324-7   “ Luiz Roberto Nascimento Silva “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

VOZ MASCULINA. PENSANDO ALTO.

 

Quando levanto é tão cedo

que ainda é noite.

Caminho por ruas nuas

onde o silêncio é açoite.

 

Chegando à fábrica

surgem arabescos no alto.

Nuvens flutuam, em ondas,

envoltas em névoa e asfalto.

 

Saindo da fábrica

já tornou a escurecer

as nuvens esconderam as luzes

cruzes do entardecer.

 

Da fábrica para casa

desértica caminhada:

duas conduções e um trem,

horas na mesma toada.

 

 

VOZ MASCULINA. PENSANDO BAIXO.

 

Quando levanto é tão tarde

que o sol não mais arde,

as árvores contra o céu

formam uma espécie de véu.

 

Nada a me preocupar:

quando chego ao escritório

o dia já está no fim

e não precisei dizer sim.

 

Cumprimento as funcionárias

indo direto à minha sala.

Sorrio com intimidade,

como o maestro com seu spalla.

 

No meu carro para casa

não sinto o tempo passar.

Não ouço o barulho das ruas

nem o cheiro do mar.

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2009 - ampliada e republicada em abril de 2015.


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